19 de janeiro de 2016, Fabiano Bringel

Uma das possibilidades que se apresentam para a união dessas duas dimensões da luta (a por terra – mais material/ e a por território – mais imaterial) é o MAM – Movimento pela Soberania Popular Frente à Mineração ou, simplesmente, como é apelidado de Movimento dos Atingidos pela Mineração.  Tal iniciativa é protagonizada pelo MST (principalmente) e outros movimentos que vêm ampliando seu leque de alianças e buscando uma articulação com os diversos movimentos populares nas periferias de Parauapebas nos bairros de “Nova Vitória”, “Vila Rica”, “Nova Carajás”. Ao mesmo tempo irmanando forças com as lutas dos Quilombolas e Indígenas que tem territórios que são cortados pela Estrada de Ferro de Carajás entre o Pará e o Maranhão.

Essa articulação coloca alguns pontos para a reflexão. O primeiro deles é – será que temos aí o nascimento de um movimento que consiga articular a luta por terra, por redistribuição, uma luta camponesa situada em um determinado tempo-espaço da fronteira com uma luta por território, por reconhecimento, uma luta quilombola, indígena e ribeirinha situada em outro tempo-espaço da fronteira? Outra questão é – qual o papel que os camponeses têm no projeto político do MST? Perguntamos isso, porque é latente a necessidade de aproximação do MST com o operariado desorganizado dessas mineradoras no sentido de organizá-los para um processo de mudança a médio e longo prazo. Essa estratégia não só confirmaria a tese de alguns setores do marxismo sobre a superioridade dos operários no processo de transformação social como também reforçaria tal perspectiva no interior da floresta amazônica? Estaria aí o conceito e o método do que se vem chamando hoje de reforma agrária popular, em contraposição a de uma reforma agrária clássica?

São a partir destas questões que afirmamos que a fronteira na Amazônia tem uma característica intermitente. Abre-se a frente demográfica em determinado tempo-espaço fechando a frente de recursos em outro tempo-espaço. A lógica de construção de grandes projetos de desenvolvimento, inseridos no contexto da IIRSA – Iniciativa de Integração Regional Sul America, como exemplo a UHE de Belo Monte, funcionam também como um alargamento demográfico da fronteira. Subjacentemente, seja por pressão das populações tradicionais ou como estratégia de clausura dos recursos por parte da empresa (é caso do Cinturão Verde da Vale) criam-se Unidades de Conservação fechando aqueles espaços como trunfo estratégico. Seja na disputa da acumulação por espoliação ou como as práticas do bem viver que estão no campo da resistência.

Por outro lado, chamamos a atenção para os fronts dentro das mesmas fronteiras. É o caso da mesorregião estudada, Sudeste da organização espacial baseada no binômio Terra-Território. Referimos-nos aos assentamentos rurais que estão no espaço da redistribuição de terras e têm como referencial de unidade espacial os lotes individuais e de conteúdo social eminentemente de trabalhadores migrantes nordestinos chegados pós-1960. Estão aquém da fronteira. O objeto assentamento rural se fricciona com as terras indígenas, as comunidades remanescentes de quilombo e as populações caboclas tradicionais como seringueiros, beiradeiros, peconheiros, pescadores artesanais, quebradeiras de coco de babaçu etc. Estes, por sua vez, têm um forte componente étnico e tradicional e vêm organizando seu território desde épocas imemoriais, como é o caso dos indígenas. Nosso entendimento é que estão além da fronteira.

Estas duas perspectivas de espaços de luta têm dificuldades de se encontrar. Um pequeno exemplo cabe para efeito de ilustração. Conversando com militantes do MST no IALA (Instituto de Agroecologia da Amazônia) foi relatada uma situação bem característica do que estamos nos remetendo. Na tentativa de ampliar os horizontes de mobilização, os Sem Terras organizaram um encontro no Baixo Tocantins no Pará. Grande parte dos convidados eram ribeirinhos da área. Acostumados com uma base social de imigrantes nordestinos instalaram a cozinha do encontro com a dieta nutricional baseada no arroz com feijão e charque para toda a semana do evento. Os ribeirinhos alimentaram-se no primeiro dia com este cardápio. No segundo dia, quando descobriram que a alimentação se repetiria pelo restante do encontro, trataram de arrumar as suas borocas[1] para retornarem para suas comunidades. Os dirigentes do MST quando viram a situação foram indagar o grupo do porquê da partida. Prontamente responderam que não iriam passar a semana sem o tradicional açaí com farinha. Reclamaram que não foram informados de tal menu. Caso contrário, teriam levado seus fardos de farinha e seus cachos de açaí. O resultado foi um encontro que não rendeu o que deveria ter rendido.

Estamos exemplificando a partir de um desencontro nutricional o que se manifesta em gramáticas de lutas diferenciadas – a luta pela terra e a luta pelo território e a dificuldade de articulação desses elementos na fronteira amazônica. Existe aí uma tentativa de articulação dessas duas esferas a partir do MAM – Movimento dos Atingidos pela Mineração. O que se retém para o debate é quem é o sujeito histórico ou quais são históricos da mudança na fronteira? Camponeses? Operários? As chamadas populações tradicionais? Ou uma plêiade de sujeitos unidos numa grande frente de luta? Com a palavra, os lutadores do povo.

 

 

 

[1] Bagagem, na linguagem camponesa.

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