15 de outubro de 2009, da Vila Setembrina, por Bruno Lima Rocha
Inicio com este texto mais uma trilogia de curto alcance, abordando os conceitos de Análise Estratégia e de Jogo Real da Política. Considero a ambos essenciais para operar na grande arena das lutas e disputas em sociedade. Ao mesmo, sinto que ambos padecem de ataques de tipo teórico e de definição. O primeiro sofre de mal tautológico, já que hoje “estratégia” é vista como mais uma palavra de moda do que como conceito operacional. Já o substantivo análise não anda tão capenga das pernas, mas perde poder de fogo ao não se vincular com o pensamento estratégico.
No que diz respeito ao Jogo Real da Política, este conceito luta para sobreviver entre os formuladores de teoria política, em especial aqueles dedicados aos estudos de teorias democráticas. Os reprodutores da corrente hoje hegemônica – defensores da democracia de ritos e procedimentos – insistindo em pelear contra o mundo das relações existentes, predicam de forma supostamente erudita algo inexeqüível nas sociedades latino-americanas. O conceito de Jogo Real vem a preencher esta lacuna teórica e, por conseqüência, apresenta um grande problema a ser resolvido. De que democracia e de que regra de política está-se falando? Vamos ao debate.
De onde vem esta abordagem
Explicito a aspiração da construção epistemológica dentro das ciências humanas, especificamente na ciência política (ou politologia, termo que prefiro), para demonstrar a leitores e críticos qual a intencionalidade política e teórica destas palavras articuladas na forma de artigo de difusão científica. Este trabalho visa também à aproximação de duas áreas aparentemente distintas, ou ao menos afastadas, dentro da politologia. Mais precisamente, trata-se do debate a respeito da ausência de objetivos finalistas (estratégicos) como forma de derrota e/ou enfraquecimento do movimento popular e das organizações políticas inseridas nestes setores de classe organizada.
Parto da premissa que uma acumulação de forças só é possível quando existem os recipientes para este acúmulo, ou seja, instituições políticas e sociais que operem nessa lógica e com objetivos finalistas de largo prazo. Entendo que neste campo é perfeitamente aplicável um desenvolvimento dos estudos estratégicos, a partir de uma leitura crítica – e oposta – de Golbery do Couto e Silva e Carl von Clausewitz. Vale a ressalva que o estudo destes dois teóricos e práticos da guerra em seus distintos níveis não implica nenhuma aproximação ontológica dos mesmos. Vejo a Golbery como um dos artífices do golpe e da ditadura, e Clausewitz, por mais precisas que sejam as suas análises, foi e é (na perenidade de sua obra) um general prussiano. Por me posicionar no outro extremo da política, é óbvio que esta abordagem aqui é teórica e não trás de reboque nenhum contrabando ideológico. Bem longe disso.
O que se apresenta aqui é um extrato de teoria que parte da reflexão e da posição não diletante. Portanto, quem faz este tipo de trabalho se coloca como analista estratégico; formulador e participante, criando hipóteses e operacionalizando-as no real. Desde o princípio operando e analisando para um dos lados (vários) do(s) conflito(s) de classes e projetos de pátria, povo, terra e sociedade.
A correlação entre analista simbólico e analista estratégico
De um ponto de vista estritamente acadêmico, reconheço que o termo analista estratégico tem a correlação com analista simbólico, como que uma versão polivalente e civil do analista estratégico. O que muda também é a premissa ontológica, que subordina a epistemologia empregada, localizando a produção de pensamento e diagnósticos do analista simbólico com a intenção de equilíbrio entre Estado, Mercado e os diversos agentes coletivos da Sociedade Civil. Ou seja, o analista simbólico é a versão socialmente palatável para os poderes constituídos, do analista estratégico.
Reconheço que este perfil se contextualiza com a alocação de verbas para demandas que passam pelos saberes das ciências humanas e sociais, e da ciência política em específico, mas não necessariamente passam por mais recursos para as universidades. Ou seja, o trabalho de tipo consultoria tira o poder político da própria instituição universitária. Isto porque a demanda crescente é de pessoal especializado e polifuncional com capacidade para solucionar problemas reais e concretos, em geral, no menor espaço de tempo possível. Temas como desenvolvimento organizacional, planejamento estratégico, desenho de sistemas, formação e reorientação de recursos humanos, marketing e publicidade, sub-contratação de funções públicas, avaliação de conhecimentos e áreas correlatas; estão dentre as áreas para as quais se pode prestar algum tipo de consultoria e/ou projetos de assessoria de médio e longo prazo.
Indo além da premissa oculta
Sempre quando se aborda esse tema a polêmica salta. Entendo que é necessário ir além das premissas ocultas e sempre explicitar o universo ontológico (equivalente ao ideológico) a partir de onde se formula. Por isso, vejo que também exerce o analista simbólico, ou o estratégico, o necessário domínio das teorias dominantes e com maior peso gravitacional em cada um dos campos onde este atua. Reconheço esta função e venho buscando nesse esforço de difusão, tanto uma exposição tanto deste domínio, como da capacidade de utilizar parcelas de teorias adjacentes. Estas entram como complemento de áreas de estudo que a Teoria da Interdependência Estrutural das Esferas, aplicada na análise do papel da Organização Política no processo de construção do processo de Radicalização Democrática deve dialogar e problematizar.
Voltando à caracterização do analista simbólico, reconheço esta correlação com a do analista estratégico, admito toda esta funcionalidade e a partir dela me posiciono em condições e funções dentro das sociedades de classes existentes na América Latina. Conforme já disse antes, a frieza da análise também implica o posicionamento prévio, o que irá definir se uma predição está antecipadamente correta ou não. É a forma de racionalização usada por Golbery do Couto e Silva (nos livros Planejamento Estratégico e Geopolítica do Brasil) para a planificação, através de uma máxima. Eis a assertiva:
“O objetivo subordina o método, conforme as condicionalidades.”
Explicitando premissas e definindo as margens de confronto político
O que vemos hoje como norma hegemônica e muitas vezes não dita, é a premissa oculta, de um único e pretenso objetivo que se universaliza pela própria prepotência do chamado “pensamento único”. Em outras ocasiões nesse mesmo portal me dediquei de forma lateral a abordar a crítica ao pensamento único e a premissa oculta. Expomos três clássicos do neoinstitucionalismo e vemos como a premissa destes autores não está nada oculta. O ocultamento destas sob um suposto jogo de tabuleiro de soma zero poliárquica é fruto da hegemonia do pensamento neoliberal e neoinstitucional clássico do pós-guerra sobre a deformação do campo da ciência política. Dentro do universo mais estrito da ciência política, também fiz um debate com certo fôlego, polemizando com as concepções de Estado e democracia constrangidos pelo peso gravitacional das teorias econômicas, particularmente o neoliberalismo, operando como pólo de força por sobre a política e a ideologia declaradas. O problema da premissa oculta é permanente nestas abordagens.
Voltando à urgente necessidade de exposição das premissas do analista, digo que esta premissa não é total e menos ainda absoluta. Inicio usando o exemplo do analista simbólico como muito próximo do analista estratégico porque entendo ser este o ofício e a função de tornar tangível a imensa massa de conhecimento científico e acadêmico de modo a poder incidir na realidade. Portanto, cabe ao analista ir além da premissa oculta (no momento, ainda a neoliberal) e das regras aparentes e formais e incidir com todos os meios coerentemente articulados com suas finalidades diante do desafio de formular e incidir para transformar.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas da Unisinos (IHU)