14 de janeiro de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha
Neste quinto e último artigo da seqüência, concluo a série apresentando os três níveis de representação. Antes de seguir ressalto que é importante não confundir com os níveis de incidência, que são seis, e que decupados das Esferas Interdependentes, assim se apresentam em ordem alfabética: direito-jurídico; econômico; ideológico; militar; político e social. A intenção desta parte do trabalho é apresentar em forma discursiva o modelo geral de análise. Para isso, recorro aos tópicos e a representação geométrica, por considerá-la didaticamente superior às demais.
Inicio apontando os três níveis de representação:
a) Núcleo duro do capitalismo – corresponde ao nível sistêmico. Compreendemos por “núcleo duro” os elementos teóricos (entendendo-os como elementos constitutivos de uma teoria de médio alcance) o que dá sentido de existência e de caráter fundacional ao capitalismo. É parte deste núcleo constitutivo a propriedade privada; a exploração; o disciplinamento dos corpos; a modalidade de representação, administração e justiça; um sistema coercitivo e repressivo; e a existência de classes sociais. Ou seja, uma burguesia (em seu sentido genérico; neste caso a generalização que me parece mais apropriada é a do termo em inglês ruling class), trabalhadores (também em seu sentido genérico) e a distribuição de um número cada vez maior de pessoas no mundo do trabalho informal e na exclusão social. Esta exclusão das relações formais de trabalho e emprego gera noções e costumes distintos no consumo, na saúde, na educação, nas moradias e nos demais aos itens essenciais da sociedade contemporânea; a cada falta destes, sempre se vai produzindo subgrupos ideológicos.
b) Formações sociais concretas. São as formações sociais concretas que coexistem em uma mesma região, nações, são formas de vida, mas sobre um sistema de dominação hegemônica. Como uma contra cara dos elementos teóricos do capitalismo, é o conhecimento pragmático que não chega a ter um grande nível de abstração, mesmo porque na realidade não se encontram “modelos puros”. Os elementos constitutivos do capitalismo operam sobre todas estas formações.
c) Elementos gerais das conjunturas (e vida-cotidiana-social). É o momento atual, um tempo social determinado. Toma a mesma definição da conjuntura.
Este sistema de dominação capitalista, constituído pela exploração, a dominação político-burocrática e a opressão (onde se inclui a discriminação, a exclusão e a repressão) estaria composto por distintas esferas. Neste modelo, apresentamos três, que consideramos essenciais para a existência do sistema e que geram a interdependência entre elas. De modo transversal atua, no mínimo, mais uma esfera. As esferas de interdependência estrutural são: econômica; político-jurídico-militar; ideológica-cultural com o conseqüente disciplinamento dos corpos e indivíduos (idéias-representações- comportamento- “modo” de informação e as tecnologias de poder a ela unida). A esfera que é transversal e “atravessa” a todas as demais é a aplicação generalizada das Tecnologias Informacionais e Comunicacionais (TICs).
Formação social concreta e ideologia com mentalidade de câmbio: as matérias-primas da transformação
Toda esta constelação de esferas onde se localizam as estruturas de dominação que circulam pelo corpo social se encontra (é verificável) no que denominaremos vida-cotidiana-social. Como o propósito desta série e seu conteúdo é operacionalizar as potencialidades de incidência para acumulação de forças a partir de um trabalho político cotidiano, é necessária uma prévia análise das forças sociais que possuem graus de antagonismo. Este grau de antagonismo latente é a matéria prima para o trabalho de qualquer organização política com intenções de mudança. Dessa constelação, a organização política advogada nesse trabalho prioriza as que pareçam poder constituir forças sociais que tem graus de enfrentamento pontual ou geral com o sistema de dominação.
Já a esfera ideologia requer um desenvolvimento determinado de sua análise para que não fique delimitada na construção da figura de linguagem de super-estrutura e infra-estrutura. Já afirmamos antes em distintos textos desta difusão científica repito aqui a afirmação de que é o inconsciente (matéria prima do ideológico) como um objeto próprio, portanto único e indivisível. Assim estamos afirmando que a esfera ideológica não deve estar adjudicada na visão de que a mesma tem como “função” tão comumente de distorcer, mascarar a “realidade”, da “racionalidade”. Estamos em contra esse tipo de afirmação, e a vemos como falsa e perfeitamente falsificável conforme já demonstramos em diversos artigos do mesmo gênero neste mesmo portal. Compreendemos que as idéias têm um tipo próprio de materialidade, são tangíveis e palpáveis. São tão contundentes quanto uma medida econômica ou uma decisão política.
A aplicação e ampliação do conceito estratégico centrado no acionar da política
Apontamos ao longo do trabalho uma aproximação entre a episteme estruturalista, a dimensão ontológica libertária e analítica dos estudos estratégicos. Esse arsenal teórico-epistemológico é aplicado como ferramentaria conceitual a partir de um objetivo dado: a construção de um modelo organizativo e de processo político onde a luta reivindicativa ganha contornos de radicalização democrática, obrigando o Estado a ser responsivo e ao mesmo tempo acumulando força social organizada para um possível câmbio estrutural. Esse é um viés de estudo da mesma relação vista como objeto. A relação complexa é organização política – movimento popular – sociedade civil organizada – radicalização democrática – poder do povo organizado.
Em nenhum momento esgotamos as possibilidades e necessidades de outros tipos de trabalho e estudo, como por exemplo, um viés especificamente institucionalista para, de forma preditiva, apontar um desenho político que contemple esta multiplicidade de representações dentro de uma sociedade distributivista. O que apontamos sim foi uma proposta de núcleo duro de uma teoria centrada no objeto da política e da ciência política: as relações de poder entre instituições, ambientes e indivíduos. Neste trabalho, embora seja um sub-campo reconhecido da ciência política, a análise estratégica perdera sua centralidade e entra como suporte do acionar político.
Isto se deu porque, estas são as necessidades vistas para construir uma teoria de acumulação de forças, através da ampliação da democracia de forma substantiva, com possibilidade de ruptura partindo da ideologia e doutrina libertária aplicada no terreno social latino-americano. Também é preciso conhecer e interpretar com precisão e rigor a forma de funcionamento da sociedade de controle, as resistências diárias e aspirações do inconsciente coletivo.
Como modo operacional cotidiano, é necessário apontar para isto:
– resistência de base
– acumulação de forças pelo povo organizado
– projeto de Poder Popular através da Radicalização Democrática
Havendo esta compreensão no dia a dia, este processo para ser de longo prazo necessita obedecer a seguinte lógica de acumulação:
– Flexível o bastante para suportar alterações de conjuntura (aplicando variáveis táticas).
– Inflexível o suficiente para manter os interesses e objetivos estratégicos.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas da Unisinos (IHU)