31 de julho de 2010, da Vila Setembrina do Continente de São Sepé, Bruno Lima Rocha,
Introdução da série e o recorte histórico: Esta nova série de difusão científica aproxima o trabalho de duas vertentes. Uma, a explícita no titulo, aborda um problema da Economia Política, ou do poder político expresso na constituição do Estado no ocidente e as relações de força que derivaram no provedor de Bem-estar ou de Desenvolvimento (por um lado), e do provedor de recursos subtraídos da população para o capital privado (do outro). A outra vertente dessa nova série tem sua relação direta com as conjunturas macro-econômicas e a carga de ataque doutrinário ideológico, transformado em peça de marketing banal, mas de enorme penetração, advindas dos centros de poder da filosofia política de corte neoliberal (e, neoclássico e neoinstitucionalista). Assim, intentamos fazer, da forma mais didática possível, a ponte do debate teórico ainda de corte acadêmico com o arsenal teórico-metodológico necessário para adentrar nos embates pelas disputas de recursos, bens (tangíveis ou simbólicos), de circulação e distribuição de tudo o que é produzido em sociedade e, em decorrência, ganha a denominação de economia.
Ressaltamos que a visão de Estado aqui empregada não nos faz estatistas fervorosos, é justo ao contrário. Entendemos que a defesa da idéia de serviço público deve estar para além do estatismo e das disputas de tipo eleitoral-burguês. De imediato, a soma da pauta econômica com a leitura de quem se mobiliza, é garantir as políticas públicas e as ações distributivas para além dos governos de turno e dos oportunistas de plantão.
Aqui apresentamos as idéias-força e idéias-guia que pautam o debate do neoliberalismo em contra de um Estado de Bem Estar Social e sua versão latino-americana desenvolvimentista. Este último modelo de Estado com alguma base de regulação social e distributivismo impositivo atuava como o constrangimento estrutural que termina por condicionar ou animar os regimes democráticos (de tipo indireto) do pós- 2ª Guerra Mundial.
Utilizando a exposição de circunstâncias históricas analisadas segundo modelos gerais de regimes democráticos e vocações econômicas do Estado, a narrativa discorre sobre as premissas deste debate aplicado na sociedade brasileira contemporânea. A conclusão do embate de idéias, dentro das circunstâncias de vitória momentânea do neoliberalismo, implica na flexibilidade de direitos políticos, a limitação do Estado como regulador da sociedade e, as conseqüentes falhas ao aprofundar o exercício dos direitos políticos e as possibilidades de desenvolvimento sócio-econômico.
A regulação das forças produtivas através do Poder Político
Entendemos o momento contemporâneo, o Pós-Bipolaridade (a partir de 1989/1991), como posterior ao período de tempo histórico decorrido a partir do Pós-Guerra (1945-1989/1991). Especificamente nesta nova série, nos referimos aos embates teóricos, filosóficos e programáticos geridos no ocidente capitalista e que trata da conformação do Estado de Bem-Estar Social e da corrente de filosofia política organizada em torno da Sociedade de Mont Pèlerin.
O livro marco desta Sociedade é “O Caminho da Servidão” (Hayek, 2004; cuja obra original foi publicada em 1944), do austríaco Friedrich Hayek (1899-1992), pioneiro desta junto ao também economista Milton Friedman (1912-2006). A instância de discussão localizada em uma pequena cidade da Suíça conformou um verdadeiro centro nervoso do liberalismo em suas manifestações de políticas econômicas e filosofia política para países centrais.
Nessa perspectiva é fundamental compreendermos o papel de um centro decisório, do acúmulo de massa crítica, da política de alianças através de policy makers ocupando postos-chave em centros de saber, e futuramente, de decisão global. Para tanto, é relevante conhecer a caracterização da reunião primeira convocada dois anos após o fim da 2ª Guerra e em plena execução do Plano Marshall na Europa destruída pelo conflito bélico. Segundo a professora Paulani (2004), o movimento conhecido por neoliberalismo tem sua gênese orgânica em:
Na certidão de nascimento do movimento, o ano de registro é 1947, ocasião em que Hayek convoca, para uma reunião em Mont Pèlerin (Suíça), aqueles que compartilhavam seu credo. Dentre os que acorreram ao chamado, encontravam-se Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins e Ludwig Von Mises. O propósito da Sociedade de Mont Pèlerin era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases para um novo capitalismo no futuro, um capitalismo duro e livre de regras. Para esses crentes nas inigualáveis virtudes do mercado, o igualitarismo promovido pelo Estado do bem-estar destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos.
Segundo Mattos (2001), o chamado Estado de Bem-Estar Social, marcou período de prosperidade econômica e social. E, teve fatores de ordem econômica e ordem política agindo como determinantes deste período de prosperidade. Foi este modelo de arranjo macro-econômico combatido pelo neoliberalismo desde seu nascedouro. Os membros da Sociedade de Mont Pèlerin apontavam como alvo de suas críticas o pacto social e produtivo, que nos Estados Nacionais tiveram papel decisivo. Este modelo de Estado foi alvo dos neoliberais por duas razões:
– a implantação do Welfare State (e a posterior generalização de suas atividades);
– a expansão até então sem precedentes dos gastos públicos, o que de sua parte garantia a ampliação contínua da demanda agregada e criando horizontes favoráveis para
o cálculo capitalista do setor privado.
Ainda segundo este economista da Unicamp, “a maior participação dos Estados Nacionais nas economias capitalistas desenvolvidas manifestou-se também através da expansão do emprego público, em contexto de ampliação das atividades reunidas no Estado de Bem Estar Social.”
Na contra ofensiva dos liberais a este pacto dentro do capitalismo do ocidente, se configuram os marcos ideológicos e políticos para professar o pensamento econômico de seus fundadores. Para compreender a formação do pensamento econômico neoliberal, é importante a contribuição de Paulani (2004):
Depois da desastrosa experiência da crise de 29, vai ganhando força uma prática intervencionista do Estado que encontra sua matriz teórica na Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda, que Keynes publica em 1936. Cria-se, com isso, uma espécie de consenso a respeito da necessidade de certa regulação externa ao próprio sistema, que soma, à perda de espaço social já experimentada concretamente pelo liberalismo […]. As idéias implícitas no referido consenso, encontraram seu habitat natural no Estado do bem-estar social, no controle keynesiano da demanda efetiva e na regulação fordista do sistema e o capitalismo deslanchou tranqüilo por três décadas, crescendo de modo sustentado em todo esse período.
Nesse contexto, autores como Hayek e Friedman se destacaram no combate ao chamado “consenso keynesiano”. É importante compreender o significado desde consenso, arranjo das forças políticas, econômicas e sociais organizadas, que segundo Machado (2006) pode ser resumido em três orientações básicas:
1º) Defesa da economia mista, com forte participação de empresas estatais na oferta de bens e serviços e a crescente regulamentação das atividades do setor privado por meio da intervenção governamental nos diversos mercados particulares da economia;
2º) Montagem e ampliação do Estado do Bem-Estar (Welfare State), garantindo transferências de renda extramercado para grupos específicos da sociedade (idosos, inválidos, crianças, pobres, desempregados etc.) e buscando promover alguma espécie de justiça distributiva;
3º) Política macroeconômica ativa de manipulação da demanda agregada, inspirada na teoria keynesiana e voltada, acima de tudo, para a manutenção do pleno emprego no curto prazo, mesmo que ao custo de alguma inflação.
Na virada da década de ’70 para ’80, a corrente de pensamento econômico, filosófico e político conhecida por neoliberalismo vem a ser vitoriosa, a partir das vitórias eleitorais na Inglaterra e nos EUA, antes precedida pela experiência dos primeiros anos do governo de Pinochet, no exercício de sua ditadura militar no Chile. Na seqüência do fim da Bipolaridade, tal vitória se transforma em hegemonia em termos globais, influenciando nos desenhos institucionais do ente estatal em todo o ocidente. A contra partida do “consenso keynesiano” pode ser vista no chamado “receituário neoliberal” básico.
Considerações conclusivas
Somos bombardeados todos os dias por uma avalanche de tolices, de premissas falsas e absurdas tais como: concorrência perfeita, equilíbrio ótimo, competição que gera desenvolvimento, mão invisível do mercado e outras sandices. São apresentadas essas fantasias societárias como sendo “verdades científicas”. Assim, vejo que os primeiros passos para combater a linha de pensamento filosófico compreendido popularmente como neoliberalismo passam por destruir a sua visão “natural” da economia. Qualquer termo pronunciado como mantra pró-mercado afirmando estar tal ou qual governo de turno cumprindo ou não “as regras fundamentais da economia” não passa de asneira conceitual além de vigorosa peça de propaganda. Para tanto, também é necessário combater em escala micro a noção de empreendedorismo como um valor, sendo o empresário o herói social mais que retratado pela mídia comercial. Desnaturalizar, não permitir a reificação dos totens sagrados do pensamento delinqüente pronunciado por intelectuais propagandistas como Fréderic Bastiat (liberalismo clássico e furioso), Friedrich Hayek, Milton Friedman, Ludwig Von Mises dentre outros inspiradores de facínoras tais como os economistas pró-Pinochet conhecidos no Chile como “piranhas vorazes” é uma tarefa permanente em escala nacional e continental.
Toda premissa de acumulação privada de bens públicos é falsa, é um eufemismo para roubo com rubrica e carimbo. Este Continente sofreu e ainda sofre sob os efeitos dos Chicago Boys e seus herdeiros intelectuais, muitos deles em posições-chave do mercado financeiro, das autoridades monetárias de países latino-americanos ou então operando dos dois lados do balcão de negócios. Nestas negociações de mamatas, é onde o povo entra com a sobretaxa do imposto incidindo sobre salário e consumo e as grandes empresas (transnacionais ou não), aproveitam os recursos coletivos da sociedade em usufruto próprio de seu conselho de administração e seus acionistas majoritários. Essa é a fórmula absurda que permite aberrações como o financiamento para construir a Usina de Belo Monte ou o aporte de recursos para a compra da Brasil Telecom pela Oi. Para virar o jogo, debaixo para cima e passando longe da urna burguesa, é necessário compreender como pensa o fabricante de bens simbólicos supostamente “econômicos” e falsificar uma a uma suas mentiras com ares de revelação. A tarefa é grande, e esta breve série é mais um grão de areia nesse mutirão.
Bibligrafia Referenciada:
FRIEDMAN, Milton & Rose. Liberdade de Escolher. Rio de Janeiro, Record, 1981.
HAYEK, Friedrich August Von. O caminho da servidão. Rio de Janeiro, Bibliex, 2004
MATTOS, Fernando Augusto. Decomposição da taxa de crescimento do nível de emprego dos Estados Unidos e da União Européia desde o pós-guerra. Documento eletrônico localizado em, http://www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/200106111.pdf; arquivo consultado em 08 de junho de 2008.
PAULANI, Leda Maria. Neoliberalismo e retórica. O capítulo brasileiro. Documento eletrônico, em http://www.anpec.org.br/encontro2004/artigos/A04A015.pdf; arquivo consultado em 08 de junho de 2008.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos