Todd Stern, homem de confiança do governo Clinton-Obama, um dos principais negociadores da chantagem mundial encabeçada pelo Império em Copenhague e levada adiante da fracassada conferência de mudanças climáticas de Cancun.  - Foto:Treehugger
Todd Stern, homem de confiança do governo Clinton-Obama, um dos principais negociadores da chantagem mundial encabeçada pelo Império em Copenhague e levada adiante da fracassada conferência de mudanças climáticas de Cancun.
Foto:Treehugger

Cancun, Mudanças Climáticas e WikiLeaks

Cancún, México. Nesta semana que passou, ocorreram aqui em Cancún, sob o patrocínio das Nações Unidas, vitais negociações para reverter o aquecimento global provocado pelos seres humanos. Trata-se da primeira reunião de grande importância desde o fracasso da Cúpula de Copenhague do ano passado, e desenvolve-se ao final da década mais calorenta jamais registrada. Ainda que haja muito em jogo, as expectativas são poucas e segundo temos sabido graças aos cabos diplomáticos confidenciais publicados por WikiLeaks recentemente, os Estados Unidos, o maior contaminador da história do planeta, estão envolvidos no que um jornalista tem chamado aqui “um negócio muito, muito sujo.”

Um negócio sujo para valer. No ano passado em Copenhague, mal chegou à cidade, o Presidente Barak Obama conseguiu isolar do resto da cúpula a um seleto grupo de países, ao que só se podia entrar com convite, justo para negociar o que se deu a conhecer como o “Acordo de Copenhague.” Este acordo esboça um plano para que os países “se comprometam” publicamente a reduzir as emissões de carbono, ao mesmo tempo em que aceitam comprometer a algum tipo de processo de verificação. Também, segundo este acordo, os países ricos e desenvolvidos se comprometeriam a pagar bilhões de dólares a países pobres em via de desenvolvimento para ajudá-los a adaptar à mudança climática e para que tenham economias baseadas em energias ecológicas em seu caminho para o desenvolvimento. Isto até pode soar bem, mas na realidade o acordo foi desenhado para substituir ao Protocolo de Kyoto, um tratado vinculante em nível mundial e que conta com mais de cento noventa países signatários. Chama a atenção que os Estados Unidos nunca o tenham assinado.

Os cabos do Departamento de Estado estadunidense publicados por WikiLeaks ajudam a esclarecer o que sucedeu. Um dos principais críticos dos países desenvolvidos na etapa prévia à Cúpula de Copenhague foi o Presidente Mohamed Nasheed da República de Maldivas, um país formado por pequenas ilhas no Oceano Índico, que finalmente subscreveu o Acordo de Copenhague. Um memorando secreto do Departamento de Estado dos EUA, vazado através de WikiLeaks, datado 10 de fevereiro de 2010, resume as consultas que fez o então recentemente nomeado embaixador de Maldivas nos Estados Unidos, Abdul Ghafoor Mohamed. O memorando informa que durante seu encontro com o enviado especial adjunto dos Estados Unidos para a mudança climática Jonathan Pershing, o embaixador disse:

“A Maldivas gostaria que os países pequenos – como nós, por exemplo – que estão na primeira linha do debate sobre a mudança climática, recebam uma ajuda concreta por parte das economias maiores. Dessa maneira, outros países se dariam conta de que podem obter vantagens a partir de sua expressão de conformidade”. Mohamed pediu cinqüenta milhões de dólares para desenvolver projetos dedicados a proteger as ilhas Maldivas do aumento do nível do mar.

Pershing figura em um memorando relacionado ao de Maldivas, e datado uma semana depois, que refere a uma reunião que teve com Connie Hedegaard, Comissária Européia de Ação pelo Clima que desempenhou um papel fundamental em Copenhague, assim como o teve agora em Cancún. Segundo o memorando “Hedegaard sugeriu que os países da Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS, por suas siglas em inglês) ‘poderiam ser nossos melhores aliados’ já que precisam de financiamento.” Em outro memorando, datado 17 de fevereiro de 2010, informou-se que “HEDEGAARD respondeu que devemos fazer algo com respeito aos países que não estão cooperando, como Venezuela ou Bolívia.” As declarações provinham de uma reunião com o assessor adjunto de Segurança Nacional para Assuntos Econômicos Internacionais Michael Froman. O memorando continua dizendo: “Froman esteve de acordo em que precisamos neutralizar, cooptar ou marginar a estes e outros países como Nicarágua, Cuba ou Equador.”

A mensagem é clara: Se jogam o jogo ao lado dos Estados Unidos, receberão ajuda. Caso venham a se opor, receberão castigo.

Aqui, em Cancún, perguntei a Jonathan Pershing (em entrevista coletiva) e ao principal negociador estadunidense e enviado especial para a mudança climática Todd Stern a respeito dos memorandos e a respeito de se o papel dos Estados Unidos equivalia a suborno ou democracia: “Discute-se muito aqui, dentro e fora da cúpula, a respeito da coerção que se exerce tanto para que os países assinem o acordo como para castigar àqueles que não venham a assinar, como Bolívia e Equador. A pergunta que vai e vem é: ‘Isto é suborno ou democracia?’ Que podemos esperar disto? Quais são seus comentários a respeito das publicações de WikiLeaks?”

Stern respondeu: “A respeito das publicações de WikiLeaks, em si mesmas, não tenho comentários, é a postura do governo dos Estados Unidos. Em relação a sua pergunta mais ampla, lhe contarei um breve episódio. Tem de recordar-se uma das intervenções mais enérgicas, eloqüentes e fortes da noite final da Cúpula de Copenhague do ano passado, quando o ministro da Noruega, Eric Solheim, se pôs de pé depois de ter sido acusado diretamente de que a Noruega incorria em suborno por ser tão generosa em suas contribuições de assistência para diminuir (de modo paliativo) os efeitos da mudança climática. Solheim pôs-se de pé e deixou sem argumentos a quem tinha sugerido tal coisa, ao dizer-lhe que não podia, por um lado, pedir ajuda e expor uma sólida causa legítima de necessidade de assistência pela mudança climática; e por outro lado dar-nos as costas e acusar-nos de suborno. Se desejam acusar-nos de suborno, eliminemos então a causa de qualquer acusação de suborno, eliminemos o dinheiro. Estive completamente de acordo com ele nesse momento e o sigo estando agora.”

Perguntei-lhe: “Então o que pode suceder com os países que foram castigados? Bolívia e Equador…”

E Stern disse: “Passemos à próxima pergunta.”

O moderador da entrevista disse: “Acho que passaremos à próxima pergunta, por este outro lado da sala…”

Sim, esta pergunta referia-se aos países aos que Estados Unidos retirou o dinheiro de assistência destinado a minimizar os efeitos climáticos, como Equador e Bolívia, por opor ao Acordo de Copenhague. Tanto ele, como Pershing, como o moderador ignoraram a pergunta.

No entanto, Pablo Solón, embaixador de Bolívia para as Nações Unidas, sim tem uma resposta. Solón disse que os fatos falam por si mesmos: “Só posso referir aos fatos, porque uma coisa que posso dizer com respeito às publicações de WikiLeaks é que não contêm fatos, por tanto não quero julgar a nenhum país em base a isso, mas o que lhes posso assegurar é que têm cortado a assistência a Bolívia e Equador. Isso é um fato. Ademais disseram-no muito claramente: ‘Vamos cortá-la porque vocês não apóiam o Acordo de Copenhague.’ E isso é chantagem.” O Embaixador Solón não se mostra otimista com respeito ao resultado das negociações que se desenvolvem em Cancún.
Solón disse: “Os compromissos que se propõem neste momento implicam um aumento da temperatura de quatro graus Celsius. Isso é uma catástrofe para a vida humana e para a Mãe Terra”.

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

© 2010 Amy Goodman

Texto traduzido da versão em castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise. É livre a reprodução de conteúdo desde que citando a fonte.

Amy Goodman é a âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur.

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