Na disputa por espaço no espectro, as contradições do setor de rádios comunitárias são os maiores entraves para o desenvolvimento da luta em si.

Foto:

RESUMO

A essência deste artigo é debater o papel da mídia comunitária, especificamente das iniciativas constituídas de rádios comunitárias, como forma e movimento de empoderamento de povo e classe. Visa atingir tanto o debate no ambiente acadêmico, como incidir na elaboração de conteúdo e gestão coletiva das rádios comunitárias. Considerando que se tratam de um movimento de massa com bases desorganizadas, o esforço para implementar esta postura analítica e incidente torna-se a capacidade possível de testar a operacionalidade ou não dos conceitos, debates e análises a serem apresentadas. Dessa forma, pretende-se contribuir para efetivar dinâmicas de linguagem e gestão capazes de evidenciar a qualidade de experiências inspiradoras, capazes de articular pessoas, grupos e organizações em torno da apropriação social de meios e processos comunicacionais.

INTRODUÇÃO

(ou ainda: Para fortalecer a concepção de movimento popular nas rádios comunitárias)

O movimento de rádios comunitárias no Brasil é um fenômeno constituído no país desde os anos 80 do século passado, embora seus primeiros ecos remontem a década de 70. Desde a primeira transmissão de rádio livre que se tem notícia, no Espírito Santo, na década de 70, ao conceito mais recente de rádios comunitárias que amadurece ao longo dos anos 90, observa-se uma série de fluxos e refluxos, com a continuidade de velhos atores e a chegada de novos ao cenário da constituição do movimento no país. A retomada das atividades, com a renovação das expectativas para a aprovação de uma legislação para o setor e, conseqüentemente, o irrestrito funcionamento das rádios comunitárias, possibilitada devido ao acúmulo deste movimento e ao desenvolvimento de ações locais e posteriormente nacionais, através da criação de associações de produtores.

 

A AR LIVRE foi criada em 1994, no intuito de ampliar e unificar as lutas que as diversas rádios comunitárias no Estado do Rio de Janeiro vinham travando em suas experiências locais, e em 2000 passa a se chamar FARC (Federação das Associações de Radiodifusão Comunitária do Estado do Rio de Janeiro). Já em São Paulo, a ARLESP (Associação de Rádios Livres do Estado de São Paulo) é criada em 1991, como mecanismo de defesa contra as apreensões de equipamentos promovidas pelo extinto DENTEL.

 

A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO), por sua vez, foi fundada em 1996, durante o II Encontro Nacional de Rádios Comunitárias, devido à necessidade de uma articulação das rádios para priorizar lutas comuns em todo o país. Essa visibilidade nacional do movimento de rádios comunitárias passa, então, a ser trabalhada a partir de um outro ponto de vista que não o da simples experimentação, mas o da organização das experiências: pensar formato, linguagem, programação, participação da comunidade são temas de um cardápio mais amplo que começa a ser inserido numa lógica mais profissional do que experimental, mais organizada do que aleatória, mais competitiva do que agregadora.

 

Mas, ao contrário de outros setores do movimento popular, a confusão entre identidades afetou diretamente a constituição da forma organizada destes ativistas. Existem distintas motivações e projetos nas rádios comunitárias que levam a não menos diferentes iniciativas e articulações. A heterogeneidade é positiva, mas a falta de objetivo estratégico gera a profusão de posições mescladas.

 

Entre a estimativa atual do governo, através dos dados do Ministério das Comunicações, e a dos próprios ativistas de rádios em todo o Brasil, devem existir mais de 15 mil rádios, embora não seja um número capaz de se precisar. Neste montante, incluímos emissoras com outorga, com pedido de outorga, àquelas lacradas e apreendidas e também as rádios funcionando sem nenhuma garantia legal. Na média, uma emissora comunitária movimenta de 20 a 50 pessoas em seu funcionamento, envolvendo técnicos, diretores e produtores. O problema termina sendo conceitual, pois no que tange ao projeto e à motivação, as rádios efetivamente comunitárias se reduzem a uma minoria dentro do contexto geral. Boa parte das é composta por radioamantes – envolvidos por aspectos relacionados ao próprio meio – e não por militantes relacionados a outros diversos movimentos e ao próprio de rádios comunitárias. Boa parte dos animadores de rádios tem compromissos e participação social em vários níveis, que não necessariamente evidenciam uma participação política no sentido do antagonismo de classe.

 

Ainda assim, na estimativa mais modesta, o conjunto das rádios comunitárias movimenta a mais de 300.000 ativistas-comunicadores diretos. Estão na ponta da luta pela democracia na comunicação brasileira. Muitas vezes nem sabem onde se posicionam, e ganham maior consciência quando ocorre repressão da Anatel/Polícia Federal. Tipificando as emissoras de uma forma mais geral, temos:

– Rádios Comunitárias, mesmo não funcionando conforme o projeto tem a intenção de funcionamento democrático.

– Rádios Livres, emissoras que não estão em busca do amparo legal nem de recompor o tecido social. Ainda assim, têm importante papel ao confrontar o coronelismo eletrônico.

– “Picaretárias”, é a gíria empregada pela militância das rádios comunitárias para quando uma emissora de intenção comercial entra na brecha da lei, briga pela outorga, mas de fato funciona com todas as práticas das comerciais.

– “Neopentecostais”, são emissoras de pequenas igrejas neopentecostais, ou congregações de menor poder aquisitivo, ou mesmo grandes corporações religiosas sem um grande veículo de comunicação à sua disposição. Assim como as “picaretárias”, são um corpo estranho a partir dos parâmetros legais (conseguir a lei de regulamentação, não tenho) frutos de uma negociação entre o Minicom e o movimento de rádios comunitárias.

 

Conforme está no senso comum, as práticas de rádios comerciais incorporadas pelas “comunitárias” são: venda de espaço da emissora na programação (diferente da prática de apoio cultural ou patrocínio prevista na lei); vínculo de emissora tipo “chapa branca”, com relações de clientela com os poderes políticos locais; apoio cultural na forma de jabá, mandando um sem número de “abraços” e “parabenizações” para comerciantes da zona, sendo que muitas vezes, este jabá nem entra no caixa da rádio; promoção pessoal; intermediando práticas de assistencialismo radial, é comum vermos comunicadores de emissoras com outorga de comunitária lançando-se para vereador ou pleiteando alguma de apoio para eventos de ordem pessoal.

 

Infelizmente, o bairro e a periferia são coalhados de operadores político-religiosos. Em geral, os esforços vindos do tecido social organizado são canalizados por estes intermediários para fins de política mesquinha. Isto acontece com times de futebol de várzea, clubes de mãe e creches comunitárias, associações de moradores, pequenas instituições sociais locais e, catapultando tudo isso, rádios com outorga ou tentativa de conseguir a permissão de comunitárias.

1) Luta Popular X Sociedade Civil

 

O movimento de rádios comunitárias no Brasil tem na concepção seu problema de fundo. Por ser uma questão transversal, em tese, a atuação pela democracia na comunicação caberia a todos os movimentos sociais e instituições da sociedade civil, visto que é componente central para a viabilização de suas lutas. Sabemos, no entanto, que não existe conceito pronto e acabado, e a idéia de movimento popular está propositadamente entreverada com movimento social, sociedade civil, e o meio desta, o chamado terceiro setor. Um movimento popular constituído como movimento de antagonismo (ou seja, de reivindicação e combate e não complementar ao sistema), com participação mássica, filiação aberta e entidades de base pode ser bem aplicado como meta para a ABRAÇO, que se constitui como entidade majoritária das rádios comunitárias no Brasil.

 

Existe uma necessidade bastante crescente de posicionamento a partir de uma forma direta, com base na constituição de uma base militante a partir dos comunicadores das rádios. A capacidade de mobilização própria é uma necessidade na disputa por recursos e visibilidade, na qual se torna necessário levar gente para as ruas, com caras próprias, bandeiras, simbologias, disposição de luta e confronto a partir das demandas específicas em torno de cada experiência.

 

A manifestação coletiva implica em negociação coletiva. A luta popular na forma orgânica de um movimento de massas (ainda que desorganizado), necessariamente tem de ser materializado em uma forma direta de negociar e avançar em conquistas e direitos. A intermediação avulsa de políticos profissionais e arrivistas é um problema permanente. Estes operadores individuais, têm mais visibilidade e gravitação do que um sem número de emissoras que muitas vezes nem se reconhecem como pares.

 

Um ciclo possível de ser aplicado, para o nível público e massivo da luta seria o desenvolvimento de Frentes de Massas em Educação para a Mídia (na forma de seminários regionais e coletivos militantes por microrregião), a construção de fatos políticos (com ou sem conquista direta), além da negociação e conquista direta por meio de ativistas envolvidos em suas organizações.

 

Outro ciclo possível de ser aplicado, no campo da transmissão de rádio comunitária como forma de desobediência civil, é a articulação em torno de Emissoras comunitárias – Redes Estaduais a partir da Web, promovendo Redes Nacionais – Transmissão em rede e com alguma programação comum – Unificação pontual em momentos de comoção (lutas diretas) e eventos de importância, fazendo a ponte com iniciativas de outros movimentos sociais/populares.

 

Se cabe às rádios livres experimentar linguagens de modo mais autêntico, mesmo que desvinculado das comunidades, de seu público-alvo, de outro modo, cabe às comunitárias desenvolver pesquisas para levantar informações, inclusive, junto a sua audiência, para seu melhor aproveitamento e atuar no sentido de viabilizar uma legislação que permita a condução de suas atividades, seja por intermédio de ações parlamentares, seja por intermédio da desobediência civil, mas sem desvincular-se da perspectiva de um amparo jurídico.

 

Dentro do campo das entidades e instituições pela democracia na comunicação, há o problema de uma série de indivíduos e pessoas jurídicas auto-representadas, com pouca ou nenhuma preocupação de organizar a base dos comunicadores populares e menos ainda se submeter às decisões coletivas. Entre ONGs criadas em torno de individualidades (apelidadas de Indivíduos Não-Governamentais), lobistas e traficantes de influência, as bases populares ficam sem interlocução válida.

 

Uma situação distinta é a abertura de pessoas jurídicas como forma de canalização de recursos públicos para o controle direto do movimento popular. Tal é o caso do MST (que não existe como pessoa jurídica), as Associações de Cooperação Agrária (tipo ONG) e as cooperativas de produção do Movimento (ex: Coceargs e Concrab). Em uma medida mais modesta, no MNCR do Rio Grande do Sul, a Central de Comercialização tem como pessoa jurídica subordinada às decisões da Coordenação Estadual eleita a ATRACAR (CNPJ dos catadores organizados).

 

Considerando que cada emissora já é uma associação civil sem fins lucrativos, que cada estadual da Abraço é uma associação de mesmo tipo, tal e como a Abraço Nacional, portanto, o movimento em si já gerou as pessoas jurídicas necessárias para o lado institucional da luta. Assim, precisamos trabalhar o tal terceiro setor como um elemento tático, subordinado aos interesses de nossa luta como povo e classe. Infelizmente, boa parte das instituições e redes informais que existem no país, disputa protagonismo e recursos com a própria militância.

 

Considerando que não se pode esperar de outro o posicionamento fruto da correlação de forças, a disputa pela concepção de luta popular x sociedade civil é a contradição a ser superada na atual etapa da luta pela democracia na comunicação. A aliança visível é com os outros setores de movimento popular, compreendendo que é necessário ir além das concepções e práticas utilitaristas tidas como necessárias por boa parte dos dirigentes e militantes especializados dos movimentos, sindicatos e entidades classistas com as quais as rádios comunitárias se relacionam.

 

Por mais que não exista o consenso com a idéia de que rádio comunitária é parte essencial da luta popular no Brasil, o lado de lá assim o sabe e combate. Após o retorno da democracia indireta plena no país, e especificamente pós-Constituição de 1988, alguns movimentos e setores de classe foram mais intensamente reprimidos. Dentre eles, o de rádios comunitárias. Na média, temos 3 rádios apreendidas por dia nos últimos quatro anos. A repressão, processos, notificações, a liga com o mundo jurídico acontece na forma de conflito e contencioso. Ou seja, o que é uma fonte de problemas pode gerar a origem do acúmulo político necessário para mudar o tom do discurso e o tipo de prática. Poucos setores da luta popular brasileira tem tantas ocorrências de confronto e desobediência às autoridades. Por mais que entenda-se estar exercendo um direito social, o fato concreto é que o confronto com o Estado e a patronal do setor é cotidiano e regular.

 

A constituição de um movimento com este material humano implica numa radicalização de práticas a altura da radicalização democrática urgente no país, necessitando de uma estrutura de base fortalecida e federalizada. A seqüência deste artigo busca abordar um tipo-ideal de rádio comunitária com perfil popular e militante.

2) Linhas gerais para uma política de rádio comunitária com bases populares

2.1 – Política de comunicação

 

Para uma emissora comunitária funcionar é preciso que tenha uma diretriz coletiva, linhas gerais do lugar de partida, como alcançá-lo, onde se quer chegar e com quem fazer esta caminhada. O conjunto de orientações deve ser estabelecido pelo coletivo fundador da rádio.

 

Tudo pode e deve ser discutido, mas uma vez estabelecidas linhas básicas, a raiz da orientação e os princípios de funcionamento orientam a missão da rádio e não podem nem devem ser mudados. Um exemplo gritante é a presença de políticos profissionais na grade de programação da emissora, que joga todo o esforço coletivo no descrédito e abre margem para outros cabos eleitorais a reivindicar um espaço próprio. Se na fundação da emissora estas práticas já são vetadas de início, com a firmeza da militância é possível evitar a contaminação. Outros exemplos nocivos podem ser o vínculo com uma igreja ou religião em detrimento de outras, o jabá com bandas, músicos e comerciantes com vínculos diretos, a “amizade” com comunicadores de conduta duvidosa que trazem os vícios do “mercadão” para a rádio comunitária.

 

É interessante ocupar espaços em rádios comunitárias, ou rádios com estrutura maior (como as emissoras com licença de educativa) e buscando outorga de comunitária, para depois serem legalizadas sem perder a perspectiva de criar rádios comunitárias voltadas e vinculadas aos interesses do povo. Para isso é necessário definir políticas de comunicação capazes de buscar, dentre outras coisas, não reproduzir a estrutura de funcionamento de uma emissora comercial, em especial na incorporação de linguagens de “mercadão”, criando e incentivando a capacidade criativa e na busca de linguagens populares; traçar alianças com entidades de base e do movimento popular, gerando e reforçando um cordão solidário em torno de cada emissora efetivamente comunitária; usar do espaço e das ondas da rádio como uma ferramenta de luta popular.

 

A descriminalização das rádios comunitárias precisa ser defendida, pois não há outro interesse em legalizar as rádios que não seja o da defesa da integridade das rádios, embora a base legal implique na possibilidade de multar e censurar, a despeito do reconhecimento da utilidade pública da emissora comunitária. Na ausência dos pré-requisitos legais, o exercício do direito de liberdade de expressão e de antena já basta.

 

Com o advento das rádios comunitárias, a necessidade de um outro perfil de Estado começa a aparecer. Em outras palavras: um Estado que regule, evitando abusos, mas não inviabilize as atividades que se pretendam efetivamente comunitárias. Algo que ainda tem muito chão para ser construído, mas pode ser reconhecido durante uma briga de traficantes rivais entre Rocinha e Vidigal, quando o comandante do 1° Batalhão do Leblon se utilizava constantemente dos microfones da Rádio Comunitária da Rocinha para dirigir mensagens aos moradores daquela comunidade, no sentido de tranqüilizar ou informar ações importantes.

 

Nem a Anatel nem o Ministério das Comunicações representam as rádios comunitárias, que, como garantia do exercício de nossos direitos, contam, de um lado com os recursos jurídicos e do outro a prática da auto-defesa popular. Indo além, que o reconhecimento e a descriminalização venham juntas da ampliação da potencia dos transmissores, já que os 25 Watts homologados representam pouca potência se comparados ao potencial das rádios, capazes de contemplar 100 Watts para cima, adentrando em experiências de emissoras com vocação rural transmitindo em AM, praticando a interface com a internet, transmitindo on-line simultaneamente.

 

Por isso, todas as orientações e vontades políticas de uma emissora e também do conjunto das rádios comunitárias vinculadas a articulações mais amplas, em caráter nacional, como a da ABRAÇO, por exemplo, devem concordar com o Código de Ética da entidade, além de especificamente terem suas próprias Cartas de Princípios. Tal Carta, reavivada na participação e na firmeza da coordenação e das comissões, é o que garante a existência de rádios comunitárias e do povo.

2.2 – Estrutura de funcionamento

 

Uma rádio comunitária deve ter uma estrutura de funcionamento democrática, que permita a participação dos comunicadores, conselheiros e apoiadores nas decisões e na política da emissora, bem como das pessoas da comunidade de forma individual e mesmo desorganizada. Para isto é necessário montar uma estrutura de tomada de decisões e participação política, que pode ser contemplada com a criação de 3 instâncias distintas por emissora.

 

A maior e mais importante é a Plenária Geral da rádio. Nesta instância todos se encontram e traçam a política de comunicação a ser implementada. Dela participam as equipes produtoras dos programas, e todos os que militam de forma direta e indireta na rádio, como os membros do Conselho Gestor. É um espaço de democracia direta, onde tudo pode e deve ser discutido, desde que esteja de acordo com a Carta de Princípios da Rádio. A plenária deve ter a participação dos integrantes da rádio e da comunidade. Nela definimos o que deve ou não ser vinculado na emissora, as formas de financiamento a serem buscadas, que tipo de valores transmitir, a avaliação constante do trabalho da emissora, a divulgação e difusão da rádio, respostas aos ataques da repressão, enfim, como fazer frente ao monopólio da comunicação a partir de atuações específicas e em articulação com outras experiências.

 

Entre plenária e plenária, a divisão do trabalho se dá em comissões de propaganda, finanças, patrimônio, coordenação geral, cultura, técnica, autodefesa e quantas forem necessárias. Cada comissão tem autonomia limitada, dentro dos marcos de seu tipo de trabalho, cabendo à coordenação geral, eleita na plenária, responder pela emissora no dia-a-dia. Cada programa deve ter sua reunião de pauta, nela os comunicadores organizarão os assuntos a serem tratados, as músicas que serão tocadas, as entrevistas que irão ao ar, etc. Todos devem ter, socializar ou buscar o mínimo de conhecimento sobre todas as atividades que envolvem a prática da rádio, técnica, locução, produção, difusão, divulgação da emissora e política de comunicação.

 

De forma consultiva para os pormenores e resolutivas para as metas estratégicas, o conjunto das entidades de base, setores do movimento popular e todos os coletivos que tem funcionamento independente e apóiam e/ou participam da rádio devem ter um espaço de debates. A isto chamamos de Conselho da Rádio, um Conselho a ser chamado com alguma periodicidade, para reforçar as alianças de base, traçar o cordão solidário em torno da emissora, e fazer o vínculo da rádio com as lutas da classe na região onde esta atua. A autonomia de decisão é daqueles que participam diretamente da emissora, através das equipes dos programas, das comissões de trabalho e da coordenação geral. Estes militantes têm voz e voto na Plenária Geral e voz na coordenação. No Conselho Consultivo, através de delegação, todas as entidades participam e acontece um debate amplo e democrático. A situação ideal de enlace com o entorno da emissora, é que cada entidade representada no Conselho Gestor tenha um programa regular (no mínimo semanal) na grade da emissora.

2.3 – A divulgação da emissora

 

A política de divulgação de uma rádio comunitária tem nas entrevistas de rua, de casa em casa, com os vizinhos, a sua mais forte base e o diferencial de uma rádio convencional. Dar a voz à comunidade e fazer com que o povo escute a si mesmo como protagonista de seus próprios espaços. Pais escutarão filhos, irmãos escutarão irmãos, amigos escutarão amigos. E o próprio ato de sair na rua, garimpando ouvintes e abrindo o microfone já é a melhor propaganda da emissora.

 

As formas convencionais de fazer cartazes, panfletos, adesivos, faixas, etc não devem ser esquecidas. Atividades culturais e de lazer, como festas ou festivais de música com representantes e artistas locais são uma boa forma de divulgação. Cabe levar em conta a divulgação eletrônica, uma vez que mesmo nos bairros pobres o acesso a Internet já é bastante amplo, com uma considerável distribuição de lan-houses e cyber cafés.

2.4 – Finanças

 

A atividade publicitária nas rádios comunitárias não pode fazer com que estas se tornem reféns dos patrocinadores, como acontece com as emissoras convencionais, obrigadas a vincular o que é do interesse de quem lhes financia, nem mesmo depender da ajuda de políticos, partidos, governos ou igrejas, sob pena de perder sua autonomia como veículo comprometido com as demandas, os anseios, reivindicações e necessidades da classe e do entorno da emissora. A rádio comunitária não tem o papel de tentar vender produtos às pessoas, não estando comprometidos com o mercado, nem com lucros.

 

Todos os comunicadores trabalham de forma voluntária, acreditando na necessidade de seu povo ter um veículo de comunicação e da contribuição da comunidade através do sustento às iniciativas por meio de atividades culturais com o sentido de arrecadar apoio financeiro e pela venda de materiais de propaganda, aceitando, a partir da relação de vizinhança, um modo possível e mesmo solidário de apoio cultural, estes dos micro e pequenos comerciantes da comunidade e do bairro. É necessário ter toda a atenção com informais e cooperativas e não é preferível ir em busca de grandes redes que têm filiais na periferia.

 

Em nenhuma situação as rádios comunitárias podem vender horários de programação e/ou comprometer sua programação em troca de dinheiro, apoio cultural, jabá e nem qualquer outro benefício, muito menos buscando apoio para privilégios de forma direta ou indireta, devendo entrar os apoios para o conjunto da rádio, não para um programa específico ou a um comunicador em separado, e devem ser administrados pelo caixa coletivo, eleito em Plenária.

 

Este ponto é essencial para a transparência das relações internas da emissora. Antes de gerar mais desconfiança e problemas num ambiente onde são afetados diretamente vaidades e personalismos, é necessário apontar a luta comum como saída estrutural. Ou seja, levantar a bandeira do financiamento público, aplicando os recursos de 10% a 20% dos montantes gastos em propaganda oficial para financiar o monopólio. Esta verba, regulada por Conselhos Municipais de Comunicação Comunitária, sem a presença da patronal da mídia nem dos empresários de telecomunicações, é parte da bandeira histórica a ser levantada para a durabilidade de nossas entidades de base, ou seja, as emissoras.

2.5 – Autodefesa

 

As emissoras de rádio comunitária são passíveis de repressão, lacre e multa a qualquer momento. O fato de possuir ou não licença definitiva termina por ser irrelevante, a não ser nos casos de licença de emissora educativa. Isto porque, esta além de possuir fortes entraves burocráticos à sua aquisição, coloca a emissora dentro de uma camisa de força, sobre vários aspectos, desde a distância a ser percorrida pelo sinal de rádio, até o funcionamento interno da rádio. Por isso cabe uma forte política de autodefesa, baseada em diversos procedimentos, contando com o apoio de vizinhos, apoio jurídico de plantão, etc. Podem ser pensadas várias técnicas sendo que o mais importante é a decisão política de continuar transmitindo e de jamais entregar os equipamentos.

2.6 – Capacitação técnica

 

Não é possível que as pessoas que empreendem iniciativas de rádios comunitárias fiquem reféns de técnicos que, a todo momento, cobram para consertar equipamentos avariados. Também é preciso ser capaz de construir e/ou adquirir novos transmissores e antenas se os anteriores forem levados pela repressão. A parte técnica da eletrônica e da Web, deve ser um investimento constante de cada emissora e das próprias organizações. Uma possibilidade é gerar ajuda de custo para técnicos em escala de plantão; outra é estocar equipamentos de uso comum sob a responsabilidade das organizações regionais.

 

Cursos e oficinas de locução, produção e técnica de som, devem estar sempre sendo desenvolvidas em uma rádio comunitária, para isso deve-se buscar todo o apoio necessário, estudantes, profissionais, outras rádios comunitárias. Lado a lado com a capacitação deve estar a educação para a mídia e as inovações de linguagens. Falar com voz impostada, reproduzir gírias e costumes de emissoras comerciais é a materialização da presença do opressor dentro da mente dos comunicadores populares.

 

Na busca de um padrão, este pode ser o de qualidade de transmissão e freqüência na grade. Mas, a unidade técnica é de outra ordem, partindo da formação política, passando pela compreensão da luta pela democracia na comunicação e no resgate, reinvenção e autodescobrimento de nossa própria história olvidada.

3) Conclusão (ou ainda: Para construir rádios comunitárias pelo empoderamento popular)

Neste texto foram abordados temas iniciais diretamente relacionados com a luta pela democracia na comunicação e especificamente com a entidade com perfil popular e com tendências a ser de massas, a ABRAÇO. Busca-se construir outro passo nesta caminhada, dando seqüência ao esforço e dedicação de militantes inestimáveis nestes últimos 10 anos, contemplando-o como tarefa de todos os lutadores.

 

Estas palavras não têm a pretensão de serem exclusivas e menos ainda negar aquilo que os militantes do movimento em geral e das rádios comunitárias em especifico já vem produzindo, visto que, em tais iniciativas, conta-se com a virtude de estar inserido exercendo práticas populares. Cabe definir os campos e a formalização de uma teoria de luta popular pela comunicação comunitária. Canalizando o acúmulo do que se irradia e se recebe pelas ondas do rádio, é possível fortalecer a identidade da classe e do povo para quem pertence nossa luta e as emissoras constituídas.

 

Ainda existem vários temas importantes para abordar através de uma prática teórica militante e comprometida, como:

– Simbologia – reivindicar Landell de Moura e os mártires das emissoras comunitárias, a exemplo do que fazem o MST com seus ativistas, pela afirmação de símbolos populares nas ruas, ocupações da Anatel e noutras medidas de luta. Apresentá-los na forma de pancartas, o logo nas bandeiras, bonés e camisetas com o pioneiro do rádio no Brasil e no mundo;

– Espaço Público e Popular – cabe contribuir para um espaço público de comunicação e deliberação, fortalecendo o poder local da classe;

– Luta territorial – a identidade da periferia, do campo, dos trabalhadores e dos excluídos;

– Economia popular – autogestão, cooperativas e formas de resistir e subsistência coletiva (galpões, assentamentos, etc.);

– A Desobediência Civil como forma de resistência popular;

– Defesa de indústria “atrasada” – a capacidade de reposição e reinvenção de tecnologias analógicas deve estar lado a lado com a inovação, convergência e digitalização;

– Comunicação democrática X Utilitarismo de serviços – é impensável um movimento com democracia interna e comunicação verticalizada. Os processos comunicacionais são o espelho da capacidade de formulação, participação e resolução coletivas e democráticas. O utilitarismo só faz reproduzir as práticas autoritárias e de relações de dependência com direções isoladas;

– Luta específica e instrumento de luta de classes – com uma base real de 300.000 comunicadores populares, realizar uma relação transversal com demais setores de movimento;

– Aprendizado contínuo com as lutas latino-americanas (ex; Colômbia, Bolívia) – nosso Continente tem uma larga, presente e heróica história de comunicação popular e comunitária;

– Comunicação combinada – reconstruir a teia do tecido social através de comunicação popular combinada e multimídia. Desde uma rede de Dazibaos na forma de jornais mural em Postos de Saúde e Escolas Públicas, até uma lista de mensagens por celular;

– Frente de setores de comunicação – pela aplicação de praticas e alianças de democracia e classismo no interior do movimento de comunicação popular. A própria Frente pela Rádio e TV Digital, criada em abril de 2006, tem seus méritos de unidade, mas peca em coordenação e identidade. A diversidade louvável é aquela constituída no interior da maioria, do povo e da classe em suas mais diversas manifestações e interesses;

– A comunicação é o reflexo da estrutura política – cabe compreender que os processos comunicacionais são espelhos vivos da vida interna de uma entidade e movimento popular, levantando a bandeira da democracia na comunicação e aplicando-se na ponta da lança da luta pela radicalização democrática.

 

Para entender o papel do Estado em relação às práticas de radiodifusão comunitária, precisa-se entender historicamente seu posicionamento em relação à política de concessões, percebendo-se o trajeto até então desenvolvido uma mudança de perfil em favor das ações de mercado. Ressaltar a importância de uma política de radiodifusão pautada na diversidade e na pluralidade, bem como no envolvimento e no empoderamento popular, significa reconstituir o papel do Estado em relação a esse beneficiamento, que afeta não só a radiodifusão comunitária como também a comercial, implicando no entendimento do funcionamento político e econômico do setor como um todo.

Uma ampla composição de movimentos populares, tecendo redes cada vez mais amplas, horizontalizadas, descentralizadas, com base na participação plural e diversificada não pode abrir mão de um projeto dessa dimensão. As associações que se constituíram a partir desse irreversível fluxo de novas iniciativas precisam atuar de modo articulado para a compreensão de suas experiências mais específicas, suas rádios mais pontuais, em relação ao contexto mais amplo da construção da democracia na comunicação de nossos meios e as relações de poder derivadas desta outra correlação de forças sociais e políticas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANATEL concede freqüências provisórias. Agência Brasil, 01 abr. 2004. Rádio agência. Disponível em <radioagencia.com.br/site/detalhes.php?id_noticia=2559&id_area=1>. Acesso 13 abr. 2004.

BAYMA, Israel Fernando de C. Dados sobre a concentração da propriedade de meios de comunicação e o coronelismo eletrônico no Brasil. PT. 2001. Disponível em <pt.org.br/assessor/CONCENTRACAO.pdf >. Acesso 24 abr. 2004.

CABRAL FILHO, Adilson V. Democratizar a comunicação para democratizar a sociedade: um desafio, um mito. Disponível em <comunicacao.pro.br/artcon/democcom.htm> [site pessoal]. Acesso 01 mai. 2001.

________________________. Um mito de concreto. Disponível em <comunicacao.pro.br/artcon/mitocon.htm> [site pessoal]. Acesso 01 mai. 2001.

CE EXAMINA AUTORIZAÇÕES PARA FUNCIONAMENTO DE RÁDIOS E TVs. Agência Senado. 10 maio 2004. Disponível em <senado.gov.br/agencia/noticias/2004/5/not107.asp>. Acesso 10 mai. 2004.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Promulgada a 05 de outubro de 1988. 3ª ed. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora Limitada, 1988.

A ERA DO RÁDIO. Disponível em <microfone.jor.br/historia.htm>. Acesso 21 abr.2004.

AS FMs "AnêMicas" e os governos no Brasil. Preserve o rádio AM. Disponível em <preserveoam.hpg.ig.com.br/govfed.htm>. Acesso 19 abr.2004.

LEGISLAÇÃO brasileira sobre os meios de comunicação. Eleger. Disponível em <eleger.com.br/legislacao/constituicao/titulo08/capitulo05/index_html>. Acesso 15 abr.2004.

JAMBEIRO, Othon, RIBEIRO, Andréa, BRITO, Fabiano, SILVA Eliane C. da. O Estado Novo, o rádio e seus órgãos reguladores. XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Políticas e Economia da Comunicação. Campo Grande (MS), set. 2001.

LEI Nº 4.117, DE 27 DE AGOSTO DE 1962. Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações. Disponível em <planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4117.htm>. Acesso 25 abr.2004.

LEI Nº 9.472, DE 16 DE JULHO DE 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em <planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9472.htm>. Acesso em 25 abr.2004.

MONOPÓLIO do rádio FM favorece concentração de poder. Preserve o rádio AM. Disponível em <preserveoam.hpg.ig.com.br/radiomonopolio.htm>. Acesso 19 abr.2004.

MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio palanque. Instituto Gutenberg. Boletim nº 25, série eletrônica, mar.abr, 1999. Disponível em <igutenberg.org/radio25.html>. Acesso 15 abr. 2004.

NUNES, Marisa Aparecida Meliani. Rádios Livres: o outro lado da Voz do Brasil. 1995. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Universidade de São Paulo. Disponível em brasil.indymedia.org/media/2003/03/249584.doc>. Acesso 01 mai. 2001.

RÁDIO E TV: Perguntas e Respostas. Ministério das Comunicações. Disponível em mc.gov.br/rtv/ perguntas_resp/default.htm>. Acesso 26 abr.2004.

SEPARAÇÃO de AMs e FMs não é apartheid, É SEGMENTAÇÃO. Preserve o rádio AM. Disponível em preserveoam.hpg.ig.com.br/segmentacao.htm>. Acesso 19 abr.2004.

SIGNATES, Luiz. Políticas públicas de comunicação: alguns referenciais teóricos e práticos de um problema mais amplo do que se pensa. XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Políticas e Economia da Comunicação. Belo Horizonte (MG), set. 2003.

STANTON, Michael. A administração do espectro eletromagnético. Sociedade virtual. Estadão. Tecnologia da Informação. 30 dez. 2002. Disponível em estadao.com.br/tecnologia/coluna/stanton/2002/dez/30/183.htm> Acesso 20 abr. 2004.

STRAUBHAAR, Joseph, LaROSE, Robert. Comunicação, mídia e tecnologia. Tradução José Antonio Lacerda Duarte. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

TOMAZIELLO, Paulo Sérgio, TANNUS JÚNIOR José Jorge. A influência política na obtenção de concessões de emissoras de rádio no Brasil: o caso da Rádio Clube de Americana. XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Mídia Sonora. Belo Horizonte (MG), set. 2003.

THOMPSON, John. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Tradução de Wagner de Oliveira Brandão. Petrópolis: Vozes, 1998.

Autores

1 Professor do Curso de Comunicação da UFF, coordenador do EMERGE (Centro de Pesquisa e Produção em Comunicação e Emergência) e do Informativo Eletrônico SETE PONTOS (comunicacao.pro.br/setepontos). Doutor e Mestre em Comunicação pela UMESP e graduado em Comunicação Social pela UFF, habilitação Publicidade e Propaganda.

2 Doutorando e Mestre em Ciência Política pela UFRGS, e graduado em Comunicação Social pela UFRJ, habilitação Jornalismo. Coordenador do portal Estratégia e Análise e pesquisador do EMERGE (Centro de Pesquisa e Produção em Comunicação e Emergência).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *