Viamão,
Antes de iniciarmos o tema, é necessário expor algumas bases necessárias para compreender o seu correto desenvolvimento. O presente trabalho teórico se enquadra no estudo e análise estratégica no sentido amplo. A hipótese que trabalhamos de fundo, é a defesa interna aplicada no caso brasileiro atual. Isto é, vivemos um regime de democracia representativa em vias de consolidação (após 1985), onde os agentes da ordem (contra-insurgência) operam como reserva estratégica (última instância) contra os agentes de transformação da ordem (insurgência). Ou seja, as instituições políticas e sociais que exercem a vontade política de não-alinhamento, quebrando o pacto jurídico-burguês e o consenso democrático de concorrência por parcelas do poder real, segundo as definições da Agência Brasileira de Inteligência (Agência/ABIN), são potenciais geradores de políticas de confornto. Estes possíveis agentes são as organizações políticas e/ou movimentos populares com programas e/ou intenções de ruptura.
Especificando o agente, estas organizações trabalham a
O artigo é parte de um estudo ampliado, entrando no tema do partido político com intenção de rompimento da ordem constituída. Utilizaremos alguns dos conceitos recorrentes na literatura contemporânea, recortando as ferramentas de utilidade explicativa independente de escola ou matriz teórica.
O tema específico, o objeto de estudo é o treinamento de quadros de organizações políticas com intenções de ruptura. Este tema é, ao nosso ver, secundário na literatura política contemporânea. Em especial se tratando dos autores e escolas cujas origens estão nos países centrais e consagradas nas universidades de países periféricos como o Brasil. Esta falta de importância não é por acaso. Cabe a ciência social dos países centrais formular e servir de laboratório para suas políticas externas. Os centros de estudos da maior parte das universidades brasileiras, erminam por se contentar em reproduzir o conhecimento enquanto representação, difundindo as premissas que nos impedem de pensar caminhos autônomos e independentes para os países latino-americanos.
Voltando ao objeto do artigo, só é possível desenvolver o funcionamento do agente de ruptura da ordem, o partido político com esta intencionalidade, se observamos o elemento fundamental para seu funcionamento. Isto é, se estudarmos os quadros do partido. Estamos nos apropriando de uma idéia ampliada de quadro. Este não é apenas o membro de uma organização com funções de responsabilidade ou no manejo de aparelho burocrático. Mas sim e necessariamente o indivíduo que reproduz e leva adiante as distintas tarefas elegidas por uma organização política como fundamentais para sua missão institucional. Assim, entendemos o quadro de partido com intenções de ruptura , como um indivíduo com bom nível de treinamento para levar a cabo a polifuncionalidade, assumindo distintas tarefas de acordo com as bases institucionais a que pertence.
Por polifuncionalidade, entendemos que este quadro deva ser capacitado (ir se capacitando) para atender as distintas demandas apresentadas, tanto na interna da instituição como nas arenas onde este partido atua. O manejo de tempos distintos em arenas diferentes é uma abordagem necessária para este nível de responsabilidade. Em termos teóricos, isto significa que a arena eleita não é necessariamente a arena eleitoral e a competição por mandato através de voto. Sendo mais direto, de preferência que este partido/organização não atue nesta arena. Exercer estas responsabilidades implicam um determinado tipo de treinamento bem diferente do treinamento de elites políticas de tipo oligárquica, empresarial ou tecnoburocrática (e portanto pouco abordado pela literatura hoje produzida na área).
A apresentação necessita da definição de uma abordagem teórica. Assim, este artigo se filia a um ecletismo teórico, mantendo fidelidade ao objeto de estudo e não aos que estudam o objeto. Uma vez que compreendemos os conceitos como ferramentas teóricas, capazes de explicar, exemplificar e universalizar algumas categorias, utilizaremos algumas ferramentas necessárias que são apresentadas (genericamente) no próprio treinamento de pósgraduandos em Ciência Política. Cabe a ressalva de que o espaço de um artigo é uma abordagem limitada, portanto elegeremos categorias básicas para o treinamento do quadro deste tipo de partido.
Antes destas categorias básicas, faremos a necessária generalização daquilo que estamos denominando de partido de quadros com intenção de ruptura da ordem. Esta organização política é o espaço onde se desenvolvem as tarefas e missões orgânicas do quadro como membro dotado de direitos e deveres neste tipo de instituição.
Ao final, apontamos linhas conclusivas para desenvolver com maior profundidade o tema do treinamento de quadros. Este é o elemento central da reprodução e desenvolvimento institucional destas organizações políticas.
1) Caracterizando o partido de quadros com intenção de ruptura 1
Nosso ponto de partida é a abordagem da análise estratégica executada por uma instituição política que caracterizamos como integrativa (March & Olsen, 1996, cap.7) e de programa máximo. Isto significa uma opção de rompimento e saída (no longo prazo) do sistema de concorrência eleitoral (Hirschman, 1973, pp. 31-38) como uma condição necessária para tentar executar os objetivos programáticos (permanentes).
Para realizar qualquer objetivo permanente, é necessário, minimamente, um agente que se proponha a realizá-lo (vontade política coletiva e organizada). Uma vez que se trata de um objetivo coletivo (ou ao menos, extensivo a um grande número de pessoas), faz-se necessário um agente coletivo (a instituição) com o devido potencial de desenvolvimento para realizar aquilo que é sua missão institucional. A premissa é que o objetivo subordina ao método empregado, sempre lembrando que o método determina o processo pelo qual se pode ou não vir a atingir o próprio objetivo. Assim sendo, entendemos que uma organização tem de hierarquizar seus objetivos temporários e os métodos para atingi-los. Mesmo que não os atinja, deve agir de acordo com o objetivo permanente demarcado por esta organização.
Por permanente compreendemos como estratégico. Portanto, o objetivo permanente é o de longo prazo, necessitando para isto de uma série de fatores positivos. Estes tem de ir ao encontro tanto da vontade política orgânica como da oportunidade de exercer esta vontade para seus fins, tais como:
acumulação de recursos: recursos humanos, técnicos e materiais (nesta escala de prioridades)
expansão organizacional: capacidade de desenvolvimento interno de acordo com a necessidade de cada momento histórico vivido (Clausevitz, 1996, livro 8, cap.6 e Panebianko, 1982, cap.10)
K social (capital social): rede de relações sociais transformada em círculos concêntricos de apoio e influência (algo que é popularmente conhecido como inserção social ver, Bourdieu, 1979, cap.8)
gravitação política: influência sobre situações decisivas na vida coletiva de um país (ou de parte da população deste país)
conjunturas propícias: sequência de momentos (oportunidades) potencialmente favoráveis e ao menos parcialmente aproveitados
campo de alianças: alianças táticas (de concordância no programa imediato e/ou circunstancial) e estratégicas (de programa máximo, apenas realizável minimanente em outro regime, ou indo além, de vida em sociedade)2
fatos políticos: fatos políticos que podem ser de marcação de posição, resistência ou cumulativos, garantindo assim a presença política pública desta instituição política.
Considerando que se trata de uma organização política com intenção de ruptura da ordem, algumas condições estruturais são necessárias para que este partido tenha a chance de realizar parte de seus objetivos estratégicos. Estas condições são de crise do sistema político, ao menos em partes deste, especialmente no mecanismo da representação oficial. De modo que as contradições de classe e de dominação sejam percebidas por um número significativo dos setores de classe oprimida. Em temos reais, implica na descrença (não total mas majoritária) que soluções estruturais sejam possíveis sob qualquer forma de sistema econômico capitalista. Reconhecemos que o primeiro passo para as soluções de fundo é a percepção desta descrença aplicada no regime democrático de direito. Isso não significa uma dicotomia do tipo:
a) a favor da democracia X b) contra a democracia; ou então:
a) pelo regime democrático X b) pelo regime autoritário.
Tem sim o significado que este processo de descrença aponte para uma relação tática com o regime da legalidade jurídico-burguesa. Assim, os mecanismos de representação indireta (como as eleições para o Executivo e o Legislativo) não serviriam mais de escape e amortecimento para as contradições e demandas de fundo.
No caso específico da América Latina, área de abrangência máxima possível das generalizações deste artigo, o tema do desenvolvimento independente, é gerador de uma sociedade com bons indicadores sociais. A partir destas condições, pode ser gerador de uma democracia com participação mais substantiva. Portanto é considerado tão estratégico como o tipo de regime e sistema econômico do país. Não há determinância entre o que é mais importante, se um país com autodeterminação ou a forma institucional (regime político e sistema econômico) sob a qual esta independência vai se dar e desenvolver.
Tais premissas são para o modelo hipotético (ampliado) de partido de quadros. Definindo, um partido ou organização política que tenha critérios mínimos de ingresso, não tenha filiação aberta e uma escala de deveres e responsabilidades internas diferenciada. Este partido, na hipótese do artigo, têm intenção de ruptura. Apontamos assim duas condições estruturais necessárias para uma possível alteração da ordem constituída (legal e no jogo real):
– a compreensão das maiorias de que o regime político de democracia de direito não supera as contradições do subdesenvolvimento; compreensão destas mesmas maiorias de que o sistema econômico é determinante para esta justiça social;
– a mesma compreensão de que não há possibilidade de desenvolvimento justo sem a autodeterminação do país 3.
Levando em conta os fatores positivos, os de vontade e oportunidade política, somado à uma descrença de parcelas significativas das classes trabalhadoras e oprimidas de um país LatinoAmericano, estariam dados as condições mínimas necessárias para uma etapa de ofensiva deste partido de quadros. Para realizar esta ofensiva, outros dois elementos são minimamente necessários.
O primeiro não diz respeito aos agentes políticos. Estes são o conjunto de partidos que confluam para a opção de ruptura; mas sim a noção de que estas mesmas maiorias tenham a compreensão de que devem protagonizar este processo de descrença institucional e acumulação. Isto é popularmente conhecido por protagonismo popular. Uma vez que o modelo desenvolve a hipótese de partido de quadros como agentes políticos organizados, o canal de participação por excelência destas maiorias seriam os movimentos populares por categoria, sujeito social ou programa 4. Isto significa que estes movimentos têm de ter um programa de longo prazo e reivindicações estruturais que minimamente confluam para um programa popular generalizado. Exemplos de bandeiras comuns hoje poderiam ser: reforma agrária, reforma urbana, aumento do salário mínimo e política de preços subsidiados ou isenção para gêneros de primeira necessidade. Esta confluência é pré-condição para afirmar o tema do longo prazo. Caso sejam programas fragmentados, o protagonismo da ação coletiva se deteriora em função de ações com motivação individualista, quebra da unidade e atirando uns setores contra os outros.5
O segundo tem relação com a linguagem e ferramenta de intervenção utilizadas neste processo. Como se trata de um objetivo estratégico de ruptura, as contradições de classe, de distribuição de renda e poder decisório real devem ser percebidas pelas maiorias da população de um país. Simultaneamente, para não prevalecer uma dinâmica de reforma gradual e (possibilista(, que automaticamente reforçaria as medidas de curto prazo, este tem de ser um processo com caráter de confronto. Empregar uma linguagem política de conflito enquanto reivindicação e não de colaboração para um (bem-comum( generalizado. Isto porque o suposto (bem-comum( teria abrangência universal, portanto, não leva em conta as contradições apontadas. Isto é um esforço didático de expor as correlações de força como inerentes das relações políticas, aumentando a própria correlação de força do setor popular. Ao mesmo tempo esta correlação deve ir se manifestando de forma sistemática e crescente, de acordo com a capacidade de compreensão e reconhecimento por parte das maiorias. Em termos materiais isto significa o emprego de algum nível de violência política, sempre de acordo com o grau de motivação política dos movimentos populares organizados. Tal motivação implica que seu conjunto compreenda majoritariamente o tipo de ação direta violenta desenvolvida. Também é necessário o desenvolvimento da própria capacidade de resposta das instituições políticas de ruptura. Isto porque, a contra-resposta, a reação, é óbvia a ação repressiva por parte das instituições coercitivas do regime vigente (ex. polícias, forças armadas, serviços de inteligência e para-militares). O nível mínimo a ser empregado é o possível de ser desenvolvido e/ou compreendido pelo protagonismo dos movimentos populares.6
Por fim, a acumulação de fatores positivos e de motivação política devem co-existir e se manter em conjunturas de crise econômica e de legitimidade do regime vigente, suportando as contra-medidas das instituições oficiais, incluindo aí o aparato repressivo. Tanto o generalizado como o específico, neste caso, trata-se dos órgãos de inteligência. Em termos clássicos, o conjunto de partidos com intenção de ruptura e movimentos populares neste processo devem estar convencidos e com capacidade de convencimento de que os benefícios de realização de seu projeto e programa político superam os custo de repressão que são sistemáticos do regime (Dahl, 1997, pp.36,37). Havendo este grau de desenvolvimento, uma hipótese estratégica é uma (inversão do foquismo(7, apontando para uma política de confronto através de participação massiva e organizada.
A hipótese de conflito de tipo foquista (clássico( seria a sequência de:
Crise Política – Crise Militar – Impasse Militar – Solução Política8
Estamos apontando para a seguinte hipótese genérica:
Crise Econômica – Crise de Representação Política – Impasse Político – Impasse Social – Aplicação de recursos em nível social, militar e político de acordo com as condições de desenvolvimento de ambos conjuntos de jogadores (regime e anti-regime). É neste último momento que a hipótese de Dahl (1997, cap.1) se encontraria hegemônica por ambas grandes coalizões políticas, de classe e militares9. Justo neste momento é quando podem se conformar cenários múltiplos, que deixam a hipótese de vitória ou derrota em aberto.
No caso latino-americano seriam passíveis de hipótese:
quebras de unidade e hierarquia no interior das forças repressivas;
intervenções militares dos Estados Unidos (de forma direta ou indireta);
isolamento dos países limítrofes, dependendo do tamanho e poderio dos Estados em conflito interno, até mesmo a intervenção de vizinhos sob supervisão dos EUA;
criação de regimes de fato ainda que sob (guarda-chuva institucional( (como foi o governo Fujimori no Perú, 1992-2000);
crise econômica de proporção absurda, com circulação de várias moedas e aplicação de sistemas de trocas múltiplos (como aproximadamente hoje se desenrola na Argentina);
estabelecimento de territórios de não-controle e/ou de duplo poder sob controles variados (incluindo aí o crime de quadrilhas metropolitanas coordenadas, como hoje ocorre em favelas do Rio de Janeiro).
Vale destacar que nenhuma dessas hipóteses de cenário narrados acima assegura vitória certa. Mas, assegura apenas uma crise de regime e governabilidade em sentido amplo, o que pode levar à uma maior autonomia de ação e hegemonia do modelo de partido que abordamos. Esta parte do trabalho aponta então cenários e condições apropriadas para o desenvolvimento de instituições políticas integrativas (March & Olsen, 1997, cap.7), conformada por associados voluntários (ou seja, também são associações políticas voluntárias, ver: Fontes, 1996) e que são o nível político de um conflito com proporções sociais ampliadas. O nível social, neste modelo, também é composto por associações voluntárias, mas de caráter aberto e de massas.
Os objetivos estratégicos, as condicionantes estruturais e os cenários projetados nesta parte do artigo servem como pano de fundo para entrarmos no tema do tipo de treinamento apropriado para quadros que tem de cumprir este tipo de missão institucional. Estas são definições mínimas e com projeção operacional básica.
2) A respeito do tema do treinamento de quadros
Uma vez que este artigo trata da hipótese de desenvolvimento de um partido de quadros com intenção de ruptura da ordem constituída, as variáveis de desenvolvimento para este tipo de instituição política estão condicionadas por sua missão institucional. Como afirmamos na parte 2) do trabalho, estamos tentando generalizar um cenário de conflito social com protagonismo das maiorias de classe oprimida e trabalhadora. Esta hipótese automaticamente exclui soluções e processos de ordem (marxista ou clássica(, através de vanguardas esclarecidas de tipo armado e/ou de proselitismo político. Uma vez que a conjuntura de momento não possibilita visualizações precisas e de rigor quanto ao programa ideológico deste tipo de partido, tomamos a ousadia de apontar um (guarda-chuva ideológico genérico(. Algo que apontasse para uma ordem social com distribuição justa, independência nacional e democracia substantiva, participativa e com experimentalismos institucionais nesse sentido. Este tipo de organização, seria a versão atual (pós-bipolaridade) de uma soma de objetivos de (libertação nacional e democracia de cunho socialista( de acordo com a hipótese da parte 2), somados aos acúmulos de experiências atuais ou históricas na América Latina.
Através de raciocínio lógico binário, se a hipótese de (vanguarda auto-esclarecida( não é considerada, uma vez que esta mesma hipótese aponta dois eixos de mínimo denominador comum, os mesmos se tornam o alicerce da caracterização do tipo de instituição política que abordamos. Assim, para esta organização o nível político oficial, de concorrência através de eleições é no máximo considerado o plano tático de atuação. Experiências recentes na América Latina vêm provando e comprovando a inutilidade deste tipo de atuação para fins de ruptura. O mesmo é valido para ocupar espaços públicos e/ou ocupar espaços estatais de modo a torná-los públicos. Experimentalismos institucionais dentro do regime de legalidade são também considerados de forma tática e não-determinante para cumprir seu objetivo. Por exclusão, as saídas pela via de ruptura são estratégicas e prioritárias.
O tema do controle por parte dos partidos de esquerda sobre os movimentos populares, é o oposto do desenvolvido por Panebianko (ao generalizar a experiência da social-democracia européia, caps. 5 e 6). Assim, ao invés de ser inflexível para com sua própria base e transigir, a partir desta moeda de troca (o nível sindical e de massas), com os partidos da burguesia, este tipo de partido aponta para estruturas de democracia interna, tanto em suas instâncias internas como nos movimentos de classe os quais este incide e/ou hegemoniza10.
Em termos concretos, esta instituição política defende e aplica a democracia interna, a autodeterminação resolutiva e a independência dos movimentos populares em relação aos partidos de classe (incluindo ao próprio partido). Este espaço assegura a autonomia de classe social oprimida perante todas as instituições políticas agindo dentro e sobre ela. A democracia interna, serviria como prerrogativa contra a cristalização com tendências burocráticas ou de oligarquias (ver a caracterização sobre o tema, abordado por Michels em Panbianko,1982, p.36). Este é um dispositivo que de mecanismos e decisões impede a deformação burocrática tanto na interna do partido como nas estruturas organizativas nas instituições sociais (movimentos de classe e programáticos) onde este gravita11.
O binômio autonomia de classe social e democracia interna em todos os níveis aponta para uma discussão de fundo teórico e essencial para nos fazermos compreender. Trata-se da própria idéia de classe política e, uma vez que esta se constitua, as possibilidades de seu desenvolvimento atingir ou não tanto a democracia possível como a desejável pelos atores coletivos. Em tese, estaríamos diante das opções extremas de perpetuação sem renovação (a opção aristocrática) e renovação sem perpetuação (a opção democrática-revolucionária; para ambas ver Bobbio, 2002, cap.8). Haveriam mais duas possibilidades: uma se aproxima da aristocrática, transformando-a em oligárquica, ou seja, renovação para perpetuação. Outra teria o mesmo perfil, mas insistiria em perpetuação de missão com renovação de pessoal. Em outras palavras, o tema é o do treinamento como parte essencial da reprodução desejável por uma instituição política12. A discussão portanto se dá sobre o mecanismo a ser reproduzido e o tipo de treinamento necessário para cumprir uma missão institucional.
O mecanismo que tem de gerar quadros treinados para assegurar a democracia interna (em todos os níveis) e os objetivos de programa máximo. O programa máximo vai de em contra as soluções de ordem tática de programas mínimos, com reformas parciais ou favorecimentos à uma categoria em contra de outra (ver Przeworski,1998, cap.1). É aquele que deve ser proporcionado pela própria instituição política que advoga esta tese. Não há possibilidade teórica fora disso, e aí rigorosamente se descarta qualquer hipótese de definições de (falsa consciência( (Przeworski, 1986, p.81). Estas hipóteses seriam aquelas que se o indivíduo não cumpre aquilo que o partido advoga para a classe, ele se encontra no nível de consciência da classe em si e não na classe para si. Ou seja, o próprio partido já se auto-proclamou porta-voz dos interesses do povo ou da classe trabalhadora. Afirmamos que o comportamento de classe se adquire majoritariamente através de trajetória incorporada (habitus, ver Bourdieu, 1979, cap 8). Também se dá através de esforço para inserção e incorporação em outra classe que não a de origem13.
Este tipo de treinamento é fruto de pensamento estratégico e vontade política. Neste se reforça a capacidade de análise , ao identificar o jogo real e a arena prioritária onde este partido se lança). As identidades que geram coesão, não apenas a origem, mas a identidade de povo e classe. Os recursos técnicos necessários para o desenvolvimento próprio da instituição política, tais como o discurso e a linguagem política eleita para ser utilizada. Somados aos conceitos básicos (ferramentas de interpretação) que tem de ser comum a todos os quadros de um mesmo partido.
Entendemos que o tema do habitus também gera identidade e coesão. Tem relação, em sua maior parte, com as fontes de recrutamento e a inserção social. Por inserção entendemos como permanência e desenvolvimento institucional ao longo do tempo e em determinados espaços sociais escolhidos e possíveis. Também tem relação específica com o treinamento do membro já ingressado. Já os mecanismos coercitivos, executivos, deliberativos e com capacidade de sanção, tem relação com a estrutura interna e o desenvolvimento organizativo do partido.
Assim, o treinamento é neste caso hipotético, um processo com etapas fixas mas que se desenvolve de forma permanente. Seu objetivo é dotar de capacidades equivalentes as potencialidades dos membros plenos (com plenitude de direitos e deveres) de uma determinada instituição política com missão rigorosamente definida. O conceito chave deste treinamento, além dos conteúdos, é a equivalência entre os membros, buscando se atingir um patamar mínimo desejável pelo conjunto e com vias de crescimento de acordo com a necessidade e o planejamento estratégico da organização.
Vamos considerar que este partido hipotético aponte como necessário para realizar seu programa, dotar a instituição de quadros treinados e ambientados em espaços sociais populares. Não se trata especificamente de fábrica ou favela, mas um conjunto de espaços sociais a serem encarados como frentes de trabalho. Possibilidades organizativas são várias, seja por sujeito social excluído como mulheres, negros, indígenas ou juventude marginalizada; por categoria de trabalhadores assalariados ou por conta própria do campo ou da cidade (operários, biscateiros, catadores, bóias-fria); espaço geográfico excluído (associação de moradores de vila, periferia ou bairros operários) ou constituindo movimentos mais orgânicos e dotados de estrutura própria (como o movimento sem-terra, sem-teto, de trabalhadores desocupados). Enfim, neste artigo não cogitamos a hipótese de apontar um setor prioritário frente ao conjunto para ser trabalhado14(na intenção de organizá-lo). Considerando este tipo de setores a serem organizados, via inserção social, a ambientação dos militantes com responsabilidades (quadros) passa a ser o tema central.
Se consideramos antes que o treinamento político específico se dá na interna do partido e ao longo do tempo, e a ambientação com o meio social que se quer trabalhar é o tema central, então a determinância para o trabalho de partido passa a ser a gravitação em meios populares, e fundamentalmente, através da ambientação de seus quadros. Basta fazermos um exercício de hipótese mínima para chegarmos na seguinte premissa. Quem tem a melhor inserção em um determinado meio social são aqueles indivíduos cujas trajetórias, origens familiares, gostos, K cultural, K social e pertencimento geracional são oriundas deste mesmo espaço. Ou seja, quem tem o habitus de classe (já incorporado, como ponto de partida mínimo, o inverso do K social e do K cultural para o ingresso nas elites) existente nos setores escolhidos para o partido atuar15, poupa anos de treinamento (de ambientação) e de carga de informação necessários para neste espaço se inserir. A capacidade de interpretação destas relações sociais e de informação empírica cabe ao próprio partido gerar as ferramentas necessárias, via treinamento específico, e com aplicação interpretativa por seus quadros. Assim afirmamos que o habitus (em sentido amplo, de classe e povo) é uma característica fundamental para este tipo de partido se desenvolver através de seus militantes nestes meios inseridos.
Como o habitus é algo que se adquire ao longo do tempo, via trajetória, o tema essencial então é o recrutamento diretamente nestes mesmos setores excluídos onde se quer organizar. O treinamento político passa a ser tarefa do partido, agregando valor e orientação política normativa ao habitus já existente e que são trazidos via militantes destes meios socais. A integralização de habitus, ferramentas organizativas e interpretativas, somado com um conjunto de K social e cultural é próprio de uma instituição política integrativa e de tempo integral. Esta não é a afirmação teórica da necessidade de profissionalização da militância (visto que neste artigo trabalhamos com associações políticas voluntárias, portanto não de profissionalização proibida mas secundária e controlada), mas sim do reforço integrativo, como característica fundamental deste tipo de instituição.
A politização da vida social e cultural, agregando sentido coletivo e idéia de destino comum (a partir do pertencimento geracional e familiar) para um conjunto de militantes sociais, militantes políticos, quadros políticos e seus ambientes de gravitação é uma característica necessária para este modelo de partido. Diminuindo a distância entre a vida privada e a coletiva, dando idéia de pertencimento e destino coletivo através do trabalho político e social, o habitus e o esforço integrativo (instituição, com coesão política através da afirmação de valores, normas de conduta, além do programa partidário e dos interesses de classe) são tão determinantes para uma possibilidade de sucesso político como o são os temas de conjuntura e especificamente políticos (como campanhas, discurso, formas organizativas e de emprego de violência).
Isto aponta para uma outra característica, necessária como pressuposto teórico. O recrutamento, condicionado por habitus e vida política integrativa em tempo integral (para seus quadros, parcial para sua órbita), aponta para o modo endógeno. Instituições de tipo integrativo, com condicionantes de força (ex. o Exército Brasileiro) e ambiente externo adverso (como este partido hipotético, às voltas sempre com deserções, saídas individualistas, desemprego de seus membros e possibilidade repressiva) deveriam, nesta hipótese, ter um recrutamento (majoritário, não-absoluto) de tipo endógeno, através de laços de família ou amizade. A discussão entraria em temas mais próprios da organização, como lealdade, motivação e compreensão de objetivos coletivos. Mantendo a fidelidade com a discussão de teoria política específica, afirmamos que este tipo de condicionante é um inibidor, constrangindo elementos com motivações individuais vinculadas a alguma possibilidade de recompensa privada material (tipo free rider, ver Olson, 1999, caps. 2 e 3). Em termos de custos sociais, as sanções e condenamentos de seus pares, pode fazer com que um indivíduo (e por tabela seu núcleo familiar e aqueles de seu grupo de relações diretas) calcule que a motivação material não é compensadora o bastante para romper uma série de lealdades adquiridas e reforçadas ao longo do tempo.
O habitus poupa custos e esforços de sanções e de ambientação, mas não supera problemas de ordem de compreensão teórica e de mecanismo de funcionamento do ambiente político. Esta compreensão depende exclusivamente de treinamento, tanto teórico, como histórico e de vivência (experiência empírica analisada a luz da própria razão da instituição política) da maioria dos quadros. Saídas de curto prazo ou de ordem tática tais como encarar a participação eleitoral estratégica, as alianças de classes no plano eleitoral ou no outro extremo, alguma opção foquista também podem ser evitadas caso as ferramentas de interpretação e as políticas deliberadas pelo coletivo sejam permanentemente reforçadas e estudadas. Delegar a fidelidade as orientações ideológicas e partidárias apenas para a vivência individual ou ao mundo das idéias (e conjecturas do pensamento) não são suficientemente fortes para se contrapor à uma dinâmica que já é, desde o ponto de partida, hegemonizada pelas elites dirigentes de um determinado regime (neste caso, de democracia representativa)16. A compreensão da realidade (treinamento), os enlaces via inserção social do partido (através de seus quadros aí recrutados) e uma carga de experiências materiais e oportunidades políticas concretas formam um conjunto mínimo para ir mantendo e adequando uma instituição política para cumprir seu programa máximo de câmbio social e ruptura com a ordem constituída.
Um último aspecto necessário para o treinamento básico dos quadros deste tipo de partido, é a adequação para seus níveis de responsabilidades, das arenas prioritárias para o partido se lançar na vida política onde este se afirma. Por exemplo, o nível eleitoral sendo considerado como tático, secundário ou mesmo negado, aponta para este partido outras arenas diferentes das esferas legais de concorrências por parcelas do poder. Além de uma análise conjuntural permanente e (afiada(, é a aplicação desta análise no nível social que pode ser definitiva para o sucesso ou não (ou ao menos da continuidade do trabalho) do trabalho deste modelo de partido.
Um observador externo,que não compreenda os objetivos estratégicos de uma determinada instituição política, tende a ver este tipo de partido como (suicida( (caso analise pela via do comportamento político) ou (infantil( (numa compreensão mais precária de evolucionismo político). Mas, se o jogo político prioritário para este partido é a arena do poder real (as relações de força em uma sociedade de classes e do controle social das elites do regime por sobre uma maioria excluída), então há equivalência de propósito e conduta política de acordo com o programa e análise deste tipo de partido (para uma discussão mais precisa de (suicídio( político no campo legal-eleitoral ver Tsebelis, 1998, cap.5). Ao inverso do modelo de análise tradicional, o que entendemos pode vir a ocorrer não é uma contradição de interesses mais aguerridos da base partidária em contra dos acordos centrais de uma elite dirigente (como os casos tratados por Panebianko e Tsebelis, a exemplo dos partidos trabalhistas e social-democratas europeus).
Entendemos como maior a possibilidade de ocorrência de uma determinação coletiva não ser aplicada por quadros individuais, por motivações de recompensa material, coação de suas bases (necessidades diretas), recompensas individuais e falta de rigor analítico. Para superar este tipo de problema crônico, são necessários todos os fatores de constrangimento citados acima, somando a isso medidas disciplinares (coação organizativa, punitivas e de sanções morais) que variam de acordo com o tipo de defecção sofrida e dos limites orgânicos do partido em questão17. É óbvia a correlação entre o nível de confronto com o regime, a carga de violência empregada e o nível punitivo esperado como fator de disciplina interna. O peso da gravitação e legitimidade social adquirida, pode também vir a dotar os movimentos sociais nesta órbita de uma instância de legalidade própria, atuando como mecanismo de coação coletiva de acordo com a institucionalidade acordada em coletivo (com variados graus de participação e deliberação).
Retornando ao tema da análise política de qual a arena que se joga e se lança um determinado partido, esta só pode ser compreendida e analisada caso se conheça ao objetivo estratégico do partido e o grau de compreensão e fidelidade que seus militantes e quadros têm em relação a seu próprio objetivo. Entendemos assim que o treinamento inicia e se complementa na análise estratégica em sentido amplo, isto porque este modelo de partido tem como missão institucional uma incidência política dentro e através de um conflito de classe de longo prazo. Como dissemos no início do artigo, este pressuposto teórico o objetivo subordina ao método e este se desenvolve de acordo com as necessidades de momento adequadas para acumulação de fatores positivos para o objetivo de longo prazo.
3) Apontado Conclusões
Antes que nada é bom recordar que este é um trabalho de aproximação ao tema do treinamento de quadros. O modelo de partido a ser estudado é justo o contraponto do que a literatura coloca como modelo, ou ao menos justo o oposto do verificado em nosso próprio treinamento. Assim, o diálogo realizado é com o contraponto, instituições políticas agregativas, com hierarquias burocráticas profissionalizadas e participando da concorrência por parcelas de poder legal-constitucional. Hora nenhuma tivemos a intenção de ser normativos no sentido de afirmar que o modelo de partido X é melhor que o modelo de partido Y. Tal tipo de afirmação não resiste a nenhuma análise de rigor.
O que sim procuramos começar a fazer é um estudo teórico, com rigor interpretativo com tanta intensidade como o que a literatura (pela qual somos treinados) aplica para os modelos majoritários. A tentativa é de buscar modelos aplicado em hipóteses passíveis de serem pensadas para e na América Latina, levando em conta os fatores determinantes que isto implica (e que já foram abordados na parte 2) do texto).
O treinamento que um modelo de partido tem de aplicar é aquele de acordo com suas necessidades estruturais e objetivos políticos (escalonados em tempo e prioridade). Uma vez que este modelo de instituição política buscaria promover um protagonismo de setores populares, é fundamental para seu sucesso organizativo a presença física e ideológica nestes meios. Isto nos leva a compreender o conceito de habitus como fundamental. Ou seja, o recrutamento deve ser voltado para aqueles que são legitimados nestes meios, isto é, sejam detentores do habitus da classe e segmentos que se quer organizar. Esta hipótese não é exclusiva, mas poupa custos de informação e esforço de treinamento (para inserção social de elementos oriundos de classe média ou setores universitários) que podem levar anos.
Não se pode entretanto delegar a capacidade de fazer política apenas e tão somente às origens e trajetórias dos quadros de uma organização. A trajetória é um ponto de partida para a aplicação do pensamento estratégico, sempre de acordo com os objetivos da instituição. Buscando um modelo complexo de análise, os fatores de treinamento tem de ser somados ao recrutamento (já dotado de habitus) e capacitação analítica. Isto no que diz respeito ao treinamento de formação conceitual e de ambientação no meio que se quer organizar. Fica em aberto neste artigo os temas de treinamento técnico ou de aplicação político-técnico, tão prementes e necessários para qualquer instituição política (tenham o modelo e finalidade que tiverem) como os acima relacionados.
Por fim nunca é demais ressaltar que uma instituição política deste modelo depende determinantemente do bom trabalho de seus quadros. Isto nos leva a uma discussão clássica de virtú política, contemporaneamente analisada sob o conceito de qualidade da liderança política. Este tema como o político-técnico ficam para a continuidade deste estudo. O que sim podemos afirmar na conclusão deste artigo é que o mesmo esforço empregado por indivíduos ou segmentos desfavorecidos para obter mobilização (e ascenção social, porque a mobilização não precisa necessariamente ser para cima) são empregados no sentido inverso. Ou seja, várias categorias analíticas são válidas para este tipo de modelo de partido, desde que se leve em conta que o modelo implica um objetivo distinto do abordado pela literatura.
Compreendemos que os temas em ciência política são impostos pelas necessidades e anseios da realidade ao redor dos centros de estudo. Assim, vemos este tema como de crescente necessidade num cenário latino-americano e brasileiro de mudança de modelo (neoliberal) e com limitações óbvias de possibilidades de democracia substantiva pela concorrência eleitoral18.
Bruno Lima Rocha, doutorando em Ciência Política no PPG Pol, UFRGS, Viamão, revisão completa em agosto de 2005
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BOBBIO, Norberto. Ensaio sobre ciência política na Itália,Brasília, Editora UnB, 2002. cap. 8
BOURDIEU, Pierre. La Dinstinction. Paris,Minuit, 1979. cap. 8
DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo, EdUSP, 1997. cap. 1
FONTES, Breno. A estrutura organizacional das associações políticas voluntárias. RBCS, no. 32, ano 11, outubro de 1996. São Paulo.
HIRSCHMAN, Albert. Saída, Voz e Lealdade. São Paulo, Perspectiva, 1973. cap.2
MARCH, James & OLSEN, Johan. Rediscovering institutions: the organizational basis for politics. New York, Free Press, 1989. cap. 7
OLSON, Mancur. A lógica da ação coletiva. São Paulo, EdUSP, 1999. caps. 2 e 3
PANEBIANKO, Angelo. Modelos de Partido. Madrid, Alianza Editorial, 1982. caps. 1,4,5,6,9,10,11 e 12
PRZEWORSKI, Adam. Le défi de l(individualisme méthodologique à l(analyse marxiste. In BIRNBAUM, Pierre & LECA, Jean. Sur l(individualisme. Paris, Presses FNSP, 1986
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo, Cia. das Letras, 1998?. Cap. 1
TSEBELIS, George. Jogos Ocultos. São Paulo, EdUSP, 1998. cap. 5
LITERATURA COMPLEMENTAR
ANGUITA, Eduardo & CAPARRÓS, Martín. La Voluntad, tomo II. Buenos Aires, Norma Editorial, 1998. parte 24
BEAKLINI, Bruno. O Grampo do BNDES: o diálogo da ABIN com a mídia oficiosa. Rio de Janeiro, UFRJ/CFCH/ECO, monografia de conclusão de curso em jornalismo, 2001. Introdução Metodológica
CARTOLINI, Nestor. MRTA – Peru, uma reportagem. Montevideo, Recortes. 1997
CLAUSEVITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo, Martins Fontes, 1996. livro 8, cap. 6
GUEVARA, Ernesto. A Guerra de Guerrilhas. São Paulo, Edições Populares, 1987a
GUEVARA, Ernesto. Textos Revolucionários. São Paulo, Edições Populares, 1987b
MARIGHELLA, Carlos. Escritos. São Paulo, Livramento, 1979
MARIGHELLA, Carlos. Minimanual do guerrilheiro urbano. Lisboa, Assírio & Alvim, 1975
HEMEROGRAFIA COMPLEMENTAR
página oficial da ABIN: www.abin.gov.br
Notas
1 Neste artigo tomamos também referências breves de literatura suplementar, apenas para nos referendar em ferramentas (conceitos) e experiências já validados por concretos.
2 Esta é uma ampliação (profana( da idéia de campo de Bourdieu. Consiste num campo político e social de alianças entre atores reconhecidos por seus respectivos pares e concorrentes. Ex1: aliança no campo social consiste em programas comuns entre distintos segmentos e setores de classe oprimida, demarcado por fatos políticos compartilhados (como campanhas reivindicatórias unificadas). Ex2: aliança no campo político pode se dar ao compartilhar uma frente de trabalho e ter acordo de procedimento e programa entre duas instituições políticas (duas organizações concordariam em elevar os níveis de conflitividade e emprego da violência política a partir de um mesmo movimento social onde estas organizações atuam com gravitação).
3 Carecendo de uma definição contemporânea de desenvolvimento independente com justiça social, uma vez que o fim da Bipolaridade deixou esta hipótese em aberto e em descrédito, apontamos apenas um desenvolvimento com vocação produtiva, infra-estrutura e tecnologia próprias, havendo simultaneamente distribuição de renda, participação política em temas determinantes para o conjunto do país, liberdade de reunião e associação, fora dos marcos regulatórios internacionais (ex. FMI, BID, GATT) e com política externa não-alinhada com o atual mundo Unipolar (com os EUA como potência militar quase-absoluta e hegemônico e termos políticos e econômicos).
4 Estamos apontando hipóteses ampliadas de relação entre partido e massas, buscando ir além das apontadas por Panebianko (1982, caps. 5 e 6) nos casos (clássicos para o ocidente( como o dos partidos de oposição social-democratas, socialista revisionista, trabalhista e eurocomunista da Europa do oeste.
5 Uma discussão dos problemas de coordenação, de ordem teórica e já clássica e com parâmetros genéricos (para a realidade de países centrais) do tema pode ser vista em Olson (1999, cap. 2)
6 Outras possibilidades apontariam para uma hipótese de (vanguarda armada(, cuja variável mais conhecida na América Latina é denominada por (foquismo(. Abordagens clássicas deste tema se encontram em Guevara (1987a, e 1987b) e Mariguella (1975 e 1979).
7 Esta é uma primeira tentativa de ensaio ao inverso do modelo foquista citado na nota acima.
8 Vale a observação de que este modelo, embora não fosse foquista, foi o ocorrido na guerra de libertação nacional da Argélia (1954-1962). No caso cubano (1957-1959), a etapa final foi de vitória militar.
9 Obs. algumas aberturas de reforma e solução parcial negociadas são um recurso permanente por parte de qualquer regime e não podem nunca deixar de ser levados em conta. Regimes autoritários são mais fáceis de galvanizar uma oposição contra si, o inverso ocorrendo com conflitos sócio-políticos em regimes com canais de participação institucionais ainda abertos.
10 Para superar o nível de mera especulação, indicamos como literatura suplementar a entrevista com o comandante do Movimento Revolucionário Tupac Amaru/Exército Revolucionário Tupacamarista (MRTA) Nestor Cerpa Cartolini (Cartolini, 1997). Nesta publicação se expôem as experiências de democracia direta e participativa desenvolvidas no Frente San Martín no final da década de 1980 até o início dadécada seguinte,nesta região de selva há 1000 kms da capital do Perú, Lima.
11 Uma abordagem clássica de tipificação de modelos e formas de desenvolvimento se encontra em Panebianko (1982, caps. 4, 9 e 10), para a relação com o entorno do partido e as áreas de controle e inserção, ver o mesmo Panebianko (1982, cap. 11). O tema do controle e da burocracia é desenvolvido neste mesmo clássico, Panebianko (1982, cap. 12).
12 Para uma discussão e crítica do tema da classe política em Michels, ver Bobbio (2002, cap.8, e com precisão pp.225-227)
13 Este conceito é reconhecido pela tradição de esquerda como opção de classe. Um termo leninista em desuso é suicídio de classe, bastante utilizado para setores estudantis universitários com possibilidade de ascenção ou mobilidade social através da graduação, ou então para a parcela deste setor que vai para a universidade receber treinamento para renovar a perpetuação.
14 No texto citado de Bourdieu (1979, cap. 8), a referência do habitus é o da classe operária francesa do final dos (60 e início dos (70. Neste artigo, apontamos uma variedade de setores de trabalho porque o exemplo de partido a ser analisado não é o Partido Comunista Francês (como o faz Bourdieu), mas um modelo de partido a partir da flexibilização e desregulação das relações de trabalho, desenvolvendo-se em países latino-americanos, com índice alto (mais de 50% em muitos dos casos) de desemprego e economia informal.
15 Absolutamente não estamos afirmando de forma estrutural-determinista que indivíduos de setores excluídos, caso tenham o treinamento e a incorporação, não possam ter mobilidade social. O que sim afirmamos é que a regra vale tanto para cima (mobilidade de incorporação nas elites) como para baixo (inserção de indivíduos com origem e habitus de classe média em setores populares). Motivação política e oportunidade via institucional (ex. bolsas de estudos, para cima; trabalhos de extensão universitária ou via pastorais sociais, para baixo) podem alterar de forma individualizada esta norma, mas geralmente exemplificando a própria regra.
16 Para uma discussão precisa da participação eleitoral da social-democracia européia ver Przeworski (1998?,pp.39-44). Como não tratamos neste artigo demomentos de ruptura mas sim de trabalho no longo prazo sob regimes de democracia representativa sem distribuição de renda (América Latina), apenas apontamos a discussão de (reforma ou revolução(, nesta obra de Przeworski, pp.44-51. Neste trecho do livro, é fundamental ver como a carga de compromissos adquiridos antes de eleições majoritárias (como por exemplo um programa de transição nacional-estatista, como o promovido por Allende, Chile, 1970-1973), uma vez que este é impossível de realizar dentro da legalidade, exclue outras possibilidades rupturistas, já que a ferramenta de organização de classe (o partido) está compartilhando parcelas de poder do governo central, dentro do regime burguês, e com responsabilidades policlassistas.
17 Em conjunturas mais acirradas, algumas organizações do gênero chegam a ter organismos jurídicos onternos, aplicando punições mínimas até extremas. Uma boa discussão de experiência jurídica partidária dentro de um outro regime se encontra em literatura suplementar, abordando as instâncias do gênero nos Montoneros argentinos, 1968-1980 (ver Anguita & Carrapós, 1998, parte 24).
18 Estamos nos referindo a pouca margem de manobra vista na eleição presidencial de 2002, tomando como exemplo os acordos pré-traçados com o FMI, através da reunião e compromisso público assumido pelos quatro principais candidatos junto ao presidente atual, e através deste, junto ao organismo de regulação econômica global.