Em Porto Alegre, durante a Greve Geral de 1917, os trabalhadores organizados em torno da Federação Operária e sob coordenação da Liga de Defesa Popular, chegaram a fazer experiência de poder popular - Foto:
Em Porto Alegre, durante a Greve Geral de 1917, os trabalhadores organizados em torno da Federação Operária e sob coordenação da Liga de Defesa Popular, chegaram a fazer experiência de poder popular
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Bruno Lima Rocha

30 de dezembro de 2008,

O processo decisório na política é complexo. Alguns politólogos o comparam a um jogo de variáveis e probabilidades matemáticas. Outros, da escola histórico-estrutural (a qual me filio) compreendem a decisão como um recorte de conjuntura, uma janela de possibilidades, sendo parte de processo histórico mais amplo. O modelo de análise se completa no exemplo do Jogo Real da Política, o somatório das regras formais e informais, reais e legais. Para ser levado em conta na hora da decisão política, um setor social precisa ter e poder demonstrar sua própria força. Toda decisão política é fruto de correlação de forças e do posicionamento de agentes coletivos organizados. O simples reconhecimento do outro como legítimo interlocutor é uma conquista.

Há menos de quarenta anos atrás, o senso comum dizia que no Brasil não havia racismo e a causa das mulheres pertencia à vida privada. Se isto mudou, não foi graças à sensibilidade dominante, mas a organização dos maiores interessados. Na virada do século XIX para o XX, o mesmo ocorreu com o sindicalismo. Quando os primeiros sindicatos surgem no Brasil, “a questão social era um caso de polícia”. Os organizadores do mundo do trabalho eram vistos pelo Estado como uma “flor exótica”. A república dos oligarcas os acusava de pregar sentimentos de ódio de classe contrários “a harmonia social brasileira”. Nunca é demais lembrar que a idéia de sindicalismo combativo, fruto das sociedades de apoio mútuo, amadurece no país logo após a abolição da escravatura. Portanto, esta “harmonia social dos bons tempos” era a da mão de obra escravizada, na relação diária com a tortura, chibata, pelourinho, tronco, senzala, rebelião, capoeira e quilombo.

A classe trabalhadora urbana brasileira nasce no sincretismo do cortiço com o chão de fábrica, aproximando usos e costumes de origem africana e imigrante. Foi um longo e árduo caminho de quase cinqüenta anos até a Carteira de Trabalho e Previdência Social em 1932 e as Consolidações das Leis Trabalhistas em 1943. Portanto, por quase meio século, toda decisão de governo levava em conta apenas a capacidade de protesto e ação direta da força organizada dos sindicatos. Para chegar à conquista dos direitos básicos os trabalhadores brasileiros organizaram federações operárias, tomaram as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre em greves gerais e prepararam uma Insurreição em 1918. As entidades sindicais enfrentaram as Leis Celeradas, o Campo de Concentração da Clevelândia, a repressão em massa e os navios-prisão de triste memória. Após a repressão veio o reconhecimento. A perda da autonomia foi fruto da presença política e da ação de governo. O Estado se viu obrigado a reconhecer os trabalhadores como agentes sociais importantes e cedeu à pressão pelos direitos essenciais.

Passados mais de cem anos, a vida sindical mudou e a questão central continua. A capacidade dos trabalhadores influírem nas decisões do país depende de sua auto-organização e não dos postos-chave que ocupam no governo de turno. Este é o conflito permanente do sindicalismo com a política oficial. É uma equação simples. Quanto maior a presença nas instituições políticas, mais participação coadjuvante em decisões governamentais. Ou, quanto maior a independência de classe, mais influência social terão os sindicatos e melhor a posição dos trabalhadores no Jogo Real da Política.

Este texto foi originalmente publicado em minha coluna mensal para de a Revista Voto, Dezembro de 2008.

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