Em setembro do ano passado, o mundo teria ficado estarrecido com a opinião do trader independente Alessio Rastani, que em entrevista à BBC disse que o que importa no ponto de vista dos operadores do jogo é quando aparece uma oportunidade de ganhar dinheiro, seja com “crises” ou não, que ele sonhava com uma recessão assim há três anos.
Além disso, Rastani foi sincero o suficiente para vislumbrar algo que os países se recusam a enxergar, principalmente pelas relações de poder que estão em volta: “Os governos não mandam no mundo, o Goldman Sachs manda no mundo. E o Goldman Sachs não se importa com esse plano de resgate [da Grécia] e nem os grandes fundos”.
Já foi tratado ao longo dos textos produzidos para o Instituto Humanitas Unisinos - IHU sobre o quanto os agentes do capital financeiro circulam por vários setores importantes, dos meios de comunicação às maiores instâncias de poder financeira (Federal Reserv e Banco Central Europeu), com grande destaque para o Goldman Sachs, que apesar de ter ganho muito com a “farsa com o nome de crise” a ponto de liderar um mercado oligopólico de bancos agora ainda mais reduzido, ele continua a agir e ser a referência para que os problemas sejam “resolvidos”.
A frase anterior de Rastani deixa uma verdade curiosa no ar. O Goldman participou como consultor do governo grego e ajudou a maquilar os números do país para que este pudesse ter condições de entrar na Zona do Euro. Apesar disso, a responsabilidade nunca foi repassada a um banco que apostava contra o seu cliente, justamente por ter informações totais de que aquilo não daria certo no futuro. Pelo contrário, o atual presidente do Banco Central Europeu, Mário Draghi, foi presidente do Goldman por muitos anos, e o próprio presidente grego, Karolos Papoulias (Nova Democracia – centro-direita) admite que fará o possível para cumprir com as pendências frente os bancos – muitos deles situados na Alemanha.
Se os bancos são “muito grandes para falir”, o Goldamn Sachs nunca cogitou esta hipótese porque ganhou muito com a falência de outras empresas e, principalmente, de muitos países, sempre estando próximo, seja para emprestar ou para prestar “consultoria”.
Porém, para quem acha que a financeirização está longe do Brasil, cujo mercado possui regras mais rígidas, fica um fato curioso, encontrado no site “Memória Globo”:
“Para auxiliar na renegociação, a equipe da Globopar contou com dois assessores financeiros e dois assessores legais: o Houlihan Lokey Howard & Zukin Capital, um banco de investimentos norte-americano especializado em processos de reestruturação, e a Goldman Sachs, com quem o grupo mantinha uma relação de longa data. A assessoria jurídica foi contratada junto aos escritórios da Debevoise & Plimpton e do Barbosa Müssnich & Aragão” (grifos nossos).
Só para explicar o que é chamado de “financeirização da mídia”, com a abertura do mercado dos meios de comunicação, também como reflexo da aplicação de políticas neoliberais na década de 1980, as empresas de comunicação criaram as holdings para tomar conta das ações destes grupos no mercado financeiro.
No final da década de 1990, com a sequência de “crises” nos países subdesenvolvidos, inclusive no Brasil, o câmbio passou a ser flutuante, com o dólar se desvalorizando ano a ano. As Organizações Globo investiram pesado no mercado de TV fechada e tiveram pouco retorno, necessitando de empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social em 1999 para a Globo Cabo.
Em 2002, o mercado ficou temeroso com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do país – apesar da “Carta aos Brasileiros” já denotar a coalisão com setores bem distantes do início do Partido dos Trabalhadores. O dólar chegou à casa dos R$ 4,00. As empresas brasileiras, caso das Org. Globo, tinham dívidas em dólares mas a receita era em reais, o que causou sérios problemas, já que passaram a dever quatro vezes mais que antes.
Por conta disso, as Organizações Globo quase perdem o controle sobre a sua principal empresa, a Rede Globo de Televisão, mas conseguiram negociar para que não houvesse intervenção sobre ela, contando com a ajuda do Goldman Sachs para isso. A TV entrou como garantia das dívidas da hoding Globo Participações S.A. e a família Marinho teve que se desfazer de bens extra-mídia (imóveis, etc.) e se afastar ainda mais dos negócios da TV fechada.
Até hoje o maior grupo comunicacional do Brasil, um dos maiores da América Latina e do mundo, tem que tratar com cuidado suas dívidas, renegociando prazos quando possível. O atual momento brasileiro é bem melhor que fora do país, mas a financeirização deste setor pode gerar reflexos num plano futuro.
É bem provável que o onipresente Goldman Sachs continue a prestar consultoria para a Globopar, e para tantas e tantas empresas de grande porte no Brasil, da mesma forma que fez e faz com países mundo afora, cujo sistema de “portas giratórias” o garante nos postos-chave da economia mundial. O que Rastani falou e surpreendeu a apresentadora da BBC parece cada vez mais assustador quando olhamos para a realidade próxima e vemos que realmente um só banco pode mandar e desmandar no mundo.
*Texto originalmente publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos.