10 de julho, coletivo NIEG
"Recorrendo a uma analogia, imaginemos que o banco central de um país seja uma torneira, os bancos comerciais, outra, e a economia, uma banheira. A primeira torneira, dentro do sistema atual, existe simplesmente para suprir a necessidade da outra, que por sua vez enche a banheira de água. Se a água não continuar correndo da segunda torneira (consequentemente da primeira também), a banheira esvazia e a economia entra em colapso. Logo, a segunda torneira deve manter-se sempre aberta", explica o Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo (NIEG), no artigo que descreve a origem da dívida pública.
Segundo o NIEG, "aqui está a contradição do sistema: ele precisa se manter em dívidas para funcionar. Os juros precisam continuar existindo e retroalimentando a segunda torneira, de forma a mantê-la aberta. Os impostos pagos pela população e pelas empresas acabam por retornar a água para a primeira. Logo, para que os juros continuem a existir, pessoas, empresas e governos precisariam continuar a emprestar dinheiro dos bancos privados".
Muito se ouve falar, pouco se sabe. A questão é que a origem da dívida pública está muito longe dos olhos do povo, mas está intrinsicamente ligada às suas contas e empréstimos bancários. A situação é tal que sempre que cidadãos ou empresas realizam empréstimos de capital em um banco, contribuem também para o aumento da dívida pública de seus países. Contudo, o que se apresenta para nós como um paradoxo, possui, na realidade, uma lógica de funcionamento bastante simples, que tem cerne e gênese em agentes econômicos privilegiados do mundo capitalista: os bancos privados.
Cada país possui um banco central, cujo papel principal seria abastecer o Estado com o capital do qual necessita para manter o bem estar da sociedade e a estabilidade da economia. Por vezes, porém, principalmente por questões políticas, esse poder é usado para gerar vantagens. Políticos emprestam do banco mais capital do que o suportado, ocasionando inflações.
Para evitar tais situações, assinou-se entre os países europeus em 2007 o Tratado de Lisboa, cujo artigo 123 proíbe empréstimos de capital, por parte dos bancos centrais, aos Estados europeus. Segundo o artigo: “é proibida a concessão de créditos [...] pelo Banco Central Europeu ou pelos bancos centrais nacionais dos Estados-Membros, [...] em benefício de instituições, órgãos ou organismos da União, governos centrais, autoridades regionais, locais, ou outras autoridades públicas”.
A criação de tal lei embasava-se simplesmente na afirmação de que países não possuíam capacidade o suficiente para lidarem com empréstimos junto a seus bancos centrais.
Esse tratado relegou aos bancos centrais a posição de simples reguladores do capital, pois já não os era permitido emprestá-lo. Deste modo, os governos passaram a recorrer à única alternativa que lhes foi deixada: tomar empréstimo dos bancos privados. Tais bancos possuem uma elevada capacidade de criação de moeda, visto que lhes é permitido dispor para empréstimo um número seis vezes maior do valor real que possuem em cofre – por mais que na prática esse valor acabe sendo bem maior –, o que também lhes confere a capacidade de lançar capital não só para os governos, mas também para empresas e cidadãos. Os juros de bancos privados são, entretanto, altíssimos, fazendo com que os devedores paguem um valor muito superior ao que lhes foi emprestado. Isso os obriga a contrair novas dívidas para que possam quitar as antigas, as novas dívidas possuem novos juros, causando uma “bola-de-neve” de crescimento infinito.
Muitas vezes, porém, a reserva de crédito da qual os bancos privados dispõem não é suficiente para suprir toda a demanda do país. O valor permitido para empréstimo é regulamentado pelas taxas de reservas bancárias, que permitem que o crédito emprestado atinja no máximo seis vezes o valor disposto em cofre. Aqui nos deparamos com a questão mais paradoxal de toda lógica de funcionamento do sistema: na medida em que os bancos privados não dispõem de capital o suficiente, é permitido a eles recorrer aos bancos centrais. Ou seja: emprestam moeda dos bancos centrais para então emprestá-los ao governo, às empresas e aos cidadãos. A economia, em vez de ser suprida com moeda do banco central, é alimentada somente com dinheiro de bancos privados, que emprestam dos primeiros.
Recorrendo a uma analogia, imaginemos que o banco central de um país seja uma torneira, os bancos comerciais, outra, e a economia, uma banheira. A primeira torneira, dentro do sistema atual, existe simplesmente para suprir a necessidade da outra, que por sua vez enche a banheira de água. Se a água não continuar correndo da segunda torneira (consequentemente da primeira também), a banheira esvazia e a economia entra em colapso. Logo, a segunda torneira deve manter-se sempre aberta. Aqui está a segunda contradição do sistema: ele precisa se manter em dívidas para funcionar. Os juros precisam continuar existindo e retroalimentando a segunda torneira, de forma a mantê-la aberta. Os impostos pagos pela população e pelas empresas acabam por retornar a água para a primeira. Logo, para que os juros continuem a existir, pessoas, empresas e governos precisariam continuar a emprestar dinheiro dos bancos privados.
A origem da dívida pública é uma simples equação de poder. Bancos privados vão continuar a existir e a segunda torneira não fechará até que seja substituída pela primeira – num modelo de manutenção e maior controle do Estado. A banheira continua a aumentar, porém o espaço que está tomando é limitado, ainda mais se considerarmos que a falta de pagamento de taxas e impostos, cada vez em maior quantidade e maior valor por conta da “farsa com o nome de crise”, em meio a um profundo desemprego, impede que as pessoas possam pagar os empréstimos e as taxas governamentais, não enchendo a principal torneira da relação e impedindo o funcionamento regular do mercado.
Não vai ser alimentando um setor bancário que a solução aparecerá. Afinal, enquanto “bons” recursos são passados para a banca, esta segue infestando o mercado de títulos podres, que caem nas mãos da população, que se endivida e acaba por gerar um bloqueio na circulação de recursos que, na prática, não existem.
Nota: as pessoas interessadas em participar do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo (NIEG) podem nos encontrar todas as quintas-feiras, a partir das 18 horas, na sala do Grupo de Pesquisa Cepos (ao qual o Núcleo pertence), 3A318, 3º andar do Centro 3 (prédio A), Ciências da comunicação, Unisinos.
O telefone de contato é o geral da Unisinos (51 3591-1122) no ramal 1320, pedindo para falar com Bruno, Anderson, Ivan ou Diovana, sempre a partir das 14 horas (2ª a 6ª).
Ressaltamos que todos os textos desta coluna são de autoria coletiva, sendo responsabilidade do conjunto dos membros do NIEG-CEPOS. E-mail: nieg.cepos@gmail.com – www.grupocepos.net
*Texto originalmente publicado no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).