O filme mostra a imposição de regimes econômicos neoliberais através do choque coletivo, realizando analogias difíceis de serem assistidas. No início do documentário a escritora faz uma analise do conceito por ela utilizado. Segundo Klein “o estado de choque não é apenas o que acontece conosco quando acontece algo ruim, e sim o que acontece quando perdemos a nossa narrativa, quando perdemos nossa história, quando ficamos desorientados. O que nos mantêm orientados, fora de choque, é a nossa história”.
Nos anos ‘50, estudos promovidos pela CIA, em convênio com instituições psiquiátricas canadenses (forma ao Canadá pois realizar os mesmos testes nos EUA seria ilegal) mostraram que a terapia do choque diminuía a capacidade de raciocino, fazendo com que as pessoas regredissem, ficando impossibilitadas de tomar qualquer atitude. Esta forma científica de tortura foi usada durante guerras (a exemplo das guerras não convencionais do Império contra a América Latina), crises e desastres naturais, operando como demonstração de crueldade sistêmica, amansando resistências de modo a preparar os povos a tolerarem o avanço dos mecanismos para privatizar e desregulamentar bens públicos.
A obra demonstra de forma cabal como as idéias têm conseqüências, sendo o mentor do neoliberalismo, o economista Milton Friedman, o principal responsável pelas “torturas” em escala societária. Este intelectual, formador na Escola de Chicago, é o principal alvo de críticas da escritora Naomi Klein. Não sem razão.
Um dos exemplos dados no documentário é o Chile. O país foi laboratório do neoliberalismo, experiência “bem sucedida”, executando o sistema previdenciário com uma calculadora financeira, operada por ex-alunos de Friedman (daí o apelido de Chicago Boys) e assassinando, matando, desaparecendo, violando, violentando, saqueando e torturando com a outra pata, diretamente comandada pelo general Augusto Pinochet.
Outros exemplos dados no filme, posteriores ao caso do Chile, são a Argentina (na Era Menem, sendo que o desmonte começa quando José Alfredo Martínez de Hoz foi ministro de Economia da ditadura); incluindo-se no rol de exemplos do “choque”, ao governo anti regulador do republicano Ronald Reagan EUA (1981-1988) e da conservadora Margaret Thatcher na Inglaterra (1979-1990).
Esta doutrina (tortura mental, bombardeio midiático, rolo compressor ideológico) econômica produz desemprego, pobreza, aumenta o abismo social, pois concentra o capital nas mãos de corporações e enfraquece o poder estatal. Um dos artifícios da doutrina nefasta é mudar o foco quando as pessoas estão muito concentradas em algumas emergências, com preocupações em defender seus bens. Um cidadão em aflitos fica de olhos vendados e acaba diminuindo seu ponto de vista, apavorando-se da perda do mínimo, termina por entregar tudo (tal como a parábola dos nazistas entrando em Varsóvia, Polônia). Por isso usa-se dos desastres da natureza e de terrorismo psicológico sobre a população. Nestas horas, aproveita-se para “ajudar”, oferecendo convênios, empréstimos (como o do RS junto ao Banco Mundial) e o que parece um “auxílio” torna-se caminho de mão única rumo ao despenhadeiro societário, reforçando as teses de “não há alternativa” e de “pensamento único” pró-mercado. A regra é sempre a mesma, e funciona. Escondem-se as relações causais, oculta-se as premissas de pensamento aplicando equações e modelos matemáticos como tradução de teoremas das ciências sociais e passa a ser “saber técnico” quando na verdade trata-se de disputa por recursos coletivos.
A Doutrina do Choque é documentário essencial para compreender o quanto o neoliberalismo afeta a esfera econômica. O mesmo procedimento faz desta doutrina o principal argumento para legitimar a farsa com nome de crise, enfraquecendo as possibilidades do estabelecimento de uma política voltada para o bem da sociedade.
Nota:
Como participar: as pessoas interessadas em participar do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo (NIEG) podem nos encontrar todas as 5as, a partir das 18 horas, na sala do Grupo de Pesquisa Cepos (ao qual o Núcleo pertence), 3ª 318, 3º andar do centro 3 (prédio A), Ciências da Comunicação, Unisinos.
Texto originalmente publicado no site do Instituto Humaitas Unisinos, 16/05/2012