Um dos conceitos mais aplicados pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo - NIEG para entender a “farsa com o nome de crise”, e até que explica a utilização dessa premissa para analisarmos os acontecimentos provocados pelos agentes do capital financeiro no mundo, é o de “portas giratórias”. As portas giratórias são uma analogia consagrada pela análise política dos EUA para entender como se dá a formação de elites dirigentes num sistema onde não há uma tradição nobiliárquica e tudo passa por treinamento, relações e, obviamente, ponto de partida na pirâmide social.
Além de uma ótima metáfora para tratar de bancos, as “portas giratórias” significam que se podem analisar os principais agentes de mercado, o Estado, a Academia e até os representantes escolhidos pela Indústria Cultural para falar sobre a economia, a política e temas de decisão-chave em sociedade e se chegará a vários nomes que partem das mesmas premissas: desregulamentação, privatização e cortes de investimentos sociais. Ou seja, roda, roda e se entra em ambientes sob o comando dos “mesmos”.
Para se ter uma ideia, de forma geral, acredita-se que o que se denominou como neoliberalismo – que veio a substituir o Estado de Bem-Estar Social nos países desenvolvidos – começou com as eleições de Margareth Thatcher como primeira-ministra britânica, em 1979, e de Ronald Reagan como presidente dos Estados Unidos, em 1981.
Mas se lembrarmos que se trata de uma aplicação teórica, com forte teor ideológico, deve-se considerar que os defensores de ideias liberalizantes são de muito tempo, como comprovam os “deuses” criados para justificar a exclusão de qualquer controle estatal sobre diversos setores econômicos durante as décadas de 1980 e 1990, especialmente.
Os primeiros textos, e até reuniões (da Sociedade de Mont-Pèlerin), com proposição de um mundo sem o controle estatal se dão logo após a Segunda Guerra Mundial – isso sem considerar outros momentos históricos, com estouros de bolhas específicas, como no crack de 1929 e a transformação do negócio dos bancos em algo sólido e aborrecido. A este avanço da presença estatal na esfera da produção, demanda de oferta de trabalho e sobre a autoridade monetária, seguiu-se uma insanidade como a Conferência de Viena, quando em plena avançada nazista, intelectuais judeus (de direita) estavam mais preocupados com o papel do Estado na economia do que com a guerra de extermínio promovida pelo III Reich (à época ainda aliado das potências. Por sorte o nazismo foi derrotado na 2ª Guerra Mundial e, para o Ocidente, aplicou-se outra saída para o capitalismo de então.
A outra opção - forjada no New Deal de Franklin Delano Roosevelt e “motivada” pela pressão de sindicatos e movimentos populares em fúria pela Grande Depressão - foi mais propícia para o período histórico. Seguir o modelo de desenvolvimento apelidado de keynesianismo significava possibilitar a reconstrução total dos principais países do mundo (através do Plano Marshall e de um pacto social propiciado pelos partidos comunistas da linha de Moscou), com benefícios iniciais a diferentes classes sociais até mesmo como forma de criar novos mercados consumidores, ainda que com liderança estadunidense (e a difusão de seus produtos, inclusive bens culturais).
Os primeiros livros sobre o assunto – fazendo críticas ferozes contra a distribuição impositiva e os preços subsidiados do modelo keynesiano - datam da década de 1950. Um dos principais defensores do neoliberalismo, não tratando neste termo (e sim da economia neoclássica matematizada e “pura”), foi o estadunidense Milton Friedman que pedia a aplicação imediata de uma Grande Estratégia com: isonomia impositiva, taxando em igualdade de grandeza a ricos e pobres; livre circulação de produtos industrializados; e proibição dos governos defenderem e protegerem seus parques industriais. A ideia de preço era superior a de remuneração (uma demência ao estilo de um axioma de demanda perfeita!), assim, o preço do valor trabalho também seria ditado pelo “mercado” e não por uma base legal.
A gestação da besta deu-se no ovo da serpente. O programa de convênio entre estudantes chilenos e a Universidade de Chicago é de 1956. Em 1965, a experiência se expande para toda a América Latina, com participações significativas de estudantes de Brasil, Argentina e México. Enquanto o programa durou, um em cada três alunos de graduação em economia pela Universidade de Chicago era latino-americano. Vem daí o famigerado termo “Chicago boys”.
O golpe militar chileno encabeçado pelo general Augusto Pinochet foi em 11 de setembro de 1973. Neste regime, com ênfase nos seus primeiros oito anos, o receituário macroeconômico derivava da matriz teórico-epistemológica de Friedman e do economista e filósofo austro-húngaro Friedrich Hayek. Até a reunião anual da Sociedade de Mont-Pèlerin, em 1981, ocorreu no balneário de Viña Del Mar. Ou seja, a previsão de “prognóstico” de Friedman levou vinte anos para ocorrer e quase uma década a mais para afirmar seu modelo. O tempo de espera foi proporcional ao “apetite” destas pessoas em tomar quase tudo para si e os seus. Para os cúmplices civis das ditaduras militares no Continente, operadores da macro-economia em função de retirar do patrimônio coletivo as riquezas nacionais. No Chile, a ferocidade desta gente era tamanha, que os economistas de Pinochet (em geral lotados ou recém egressos da Universidade Católica) eram conhecidos como “piranhas vorazes”.
Passados trinta anos e o feitiço entorna o caldeirão da bruxaria. A “farsa com nome de crise” sofreu dos mesmos males da aplicação das portas giratórias na América Latina. Sobre uma espécie de mão invisível, membros que protagonizam o pensamento neoliberal se articulam e tomam posições estratégicas no governo e mercado financeiro, garantindo a desregulamentação e medidas de apoio financeiro Estado/bancos. Teoria essa que é comprovada com a votação do pacote “salva bancos” de 700 bilhões em 2008 nos EUA, onde Henry Paulson (ex - presidente da Goldman Sachs) à frente do Tesouro Estadunidense leva à votação – supostamente fraudulenta – um pacote que salvaria os bancos e garantiria a estabilidade financeira. As portas giram e segue quase tudo na mesma no Império. Embora keynesiano no discurso, Barack Obama manteve vários dos intelectuais delinqüentes de Wall Street (como nos comprova o documentário Inside Job (2) de Charles Ferguson, 2010, com narração de Matt Damon), não por acaso “renomados” economistas (titulares em seus departamentos), conselheiros de empresas operadoras no “jogo do capital financeiro” (titulares e também conselheiros de fundos de investimentos de risco em sua série de “produtos exóticos”) e figuras carimbadas na mídia corporativa em suas editorias “especializadas”.
Notas:
1.- O Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional e da Cultura do Capitalismo (NIEG) se reúne na sala 3A318, no campus Unisinos São Leopoldo, todas as 5as às 18 horas. As reuniões são abertas a todas e todos, não importando o curso ou a condição de ser estudante, formado, funcionário ou docente. O NIEG é parte integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos), com sede na mesma sala de reuniões, atendendo no ramal 1320 e no domínio www.grupocepos.net Todos os textos desta coluna são de autoria coletiva, sendo responsabilidade do conjunto dos membros do NIEG-CEPOS. E-mail: nieg.cepos@gmail.com.
2.- Os filmes Inside Job e Margin Call, serão exibidos e debatidos no Instituto Humanitas Unisinos - IHU nos dias 9 e 15 de maio. Para saber mais confira http://bit.ly/HOXwyO4-