Antes de prosseguir no tema, cabe uma ressalva. Não há justificativa alguma e de nenhuma ordem que possa defender a ideia de presença de tropas estrangeiras em um país soberano. Menos ainda se estas não vierem na forma de Missão da ONU e, o mais grave, resultarem em uma versão sofisticada do Big Stick, da aplicação da Doutrina Monroe como diplomacia dos canhões para a América Latina. O cerco a Amazônia Continental opera a partir de países clientes dos EUA e que são parte tanto da América do Sul como do subsistema de defesa do Caribe-Antilhas, como é o caso da Colômbia. Alegando combater o narcotráfico, o Comando Sul dos EUA vem operando desde o final dos anos 80, aumentando esta presença ano a ano, resultando em uma verdadeira ocupação indireta do território amazônico.
Bertha K. Becker, geógrafa e pesquisadora de referência nos temas da Amazônia afirma que, “o Brasil virou uma ilha cercada de ‘localidades de operação avançada’ por todos os lados, com instalações norte-americanas apoiadas pela União Europeia” (BECKER, 2005, p. 79). Não se sabe o número total de postos de operação estadunidenses na região, pois muitos são criados com fins distintos, como Centros de Operações para Desastres e centros para ajudar as operações de paz da ONU, e outros não se tem nem mesmo confirmação do envolvimento norte-americano, como a pista de Marechal Estigarribia, no Paraguai, uma das pistas mais extensas da América Latina.
Estas bases são justificadas geralmente como parte de programas de cooperação para o combate ao terrorismo e narcotráfico, e formam um cerco estratégico – com tropas terrestres – ao redor da Amazônia Legal brasileira, o que possibilitaria uma intervenção militar dos EUA. Soma-se a este fator, a implementação de radares e equipamentos militares e a tentativa de estabelecer acordos militares bilaterais com países vizinhos ao nosso.
Felipe Piletti, outro pesquisador de referência no tema, nos aponta que, “de acordo com relatórios do Centro de Inteligência do Exército referentes à presença dos EUA na América do Sul, (...) os militares norte-americanos teriam construído diversas pistas de pouso próximas à fronteira brasileira, além de terem implantado radares e bases militares, e virem prestando assistência militar e treinamento às forças dos diversos países da região (PILETTI, 2008, p. 60)”.
Com base nessas afirmações, Becker (2005, p. 79) reconhece que “o Brasil tenta impedir esse cerco com várias respostas, como com a criação do Ministério do Meio Ambiente e o projeto Sipam (Sistema de Informação para Proteção da Amazônia)”. Assim, dentro da estratégia de segurança do país, o Brasil procura prevenir-se ao se certificar de que temas como a degradação do meio ambiente, a disputa por territórios indígenas e o narcotráfico, entre outros, sejam propriamente administrados e não venham a ser utilizados por potências externas como argumento de “ingerência brasileira sob o seu território” para viabilizar uma violação de sua soberania.
Entretanto, mesmo que se possa minimizar a possibilidade de uma intervenção, ela nunca se torna nula. Tendo isso em mente, também faz parte da estratégia de defesa do Brasil a promoção de treinamentos de resistência em território amazônico, com o intuito de treinar as Forças Armadas para suportar por um longo período de tempo qualquer invasão à região.
Neste âmbito é que foi desenvolvida pelo Estado-Maior do Exército (EME) a Doutrina Gama, na qual são estipulados métodos de resolução de conflitos para a Região Amazônica. A doutrina é dividida entre Gama-C (Convencional), referente a métodos de combate a serem utilizados contra forças semelhantes ou inferiores, e Gama-R (Resistência), contra uma potência de poder militar muito superior à brasileira. Segundo o major do exército, Marcelo Pagotti João, à Doutrina Gama-R fundamenta-se na guerra de resistência à invasão, baseada em ações não-convencionais de pequenas frações internadas na selva. Vencer o inimigo caracteriza-se pelo seu desgaste psicológico e moral, devido ao tempo prolongado do conflito e ao grande número de baixas que ele terá, pulverizando o seu poder de combate e minando sua vontade de lutar.
Com esta nova doutrina e emprego, o modelo de desenvolvimento também passaria por alterações. A preservação da cobertura vegetal torna-se central para a possibilidade de defesa, logo, a expansão desenfreada e criminosa de projetos agropecuários ou de abertura de novas terras agricultáveis sem controle ecológico e preservação dos biomas nativos, torna-se, de fato – no médio prazo –, uma ação contra o interesse nacional em todos os sentidos.
Não obstante, além da possibilidade de intervenção direta por parte dos EUA, o Estado brasileiro também se preocupa no sentido de que as ações e políticas adotadas pela potência americana para com a Região Amazônica tendem a provocar o transbordamento de conflitos externos para dentro da Amazônia brasileira. Um dos exemplos mais claros da situação mencionada trata-se do Plano Colômbia, um acordo bilateral entre Colômbia e Estados Unidos. Para precaver-se destas possibilidades, o Estado brasileiro entende como fundamental o engajamento da população local e nativa com a estratégia nacional além de uma série de medidas de defesa territorial e controle de tráfego fluvial e aéreo, cujas bases necessitariam, de uma ampliação considerável.
Conclusão do autor
Entende-se que, defender tanto a integridade territorial da Amazônia Legal assim como a preservação de seus biomas e das formas de vida das populações locais (extrativistas, quilombolas, originários e ribeirinhos) é a garantia tanto da soberania nacional como das possibilidades concretas de um desenvolvimento autônomo e sustentável para a Região Amazônica e suas áreas limítrofes.
Henrique Roht é estudante de relações internacionais (Henrique.roht@gmail.com)
Referências ultilizadas
BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. São Paulo, Estudos Avançados, USP, v. 19, n. 53, p. 71-86, 2005.
PILETTI, Felipe. Segurança e defesa da Amazônia: o exército brasileiro e as ameaças não-tradicionais. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, 2008.