Isso acontece principalmente por dois motivos, o primeiro é a natureza das forças paramilitares pró-Assad, e pela estrutura coercitiva do YPG, principalmente na figura de sua força policial cantonal, a Asayish (Segurança em curdo) que opera nas regiões em que o YPG controla na Síria. O choque entre estas duas forças, ainda que já pacificado, mostra que a aliança entre o Governo e as regiões autônomas ainda é frágil.
A NDF, como já foi escrito anteriormente, é composta por cidadãos de inúmeras situações socioeconômicas, abrangendo desde o ex-trabalhador industrial até o criminoso convicto. Essa disparidade de origens leva ao recrutamento de indivíduos pouco confiáveis para executar as tarefas impostas à NDF, que são mais notoriamente a manutenção do território recém seguro pela SAA (Exército Sírio) e por outros grupos paramilitares pró-Damasco.
O que agrava esse problema é o fato de que considerável parte do quadro, tanto de praças e oficiais são compostas por criminosos e contrabandistas, muito deles com laços muito próximos do clã Assad, que no governo de Bashar se aproveitaram das medidas liberalizantes, e que via contrabando e extorsão adquiriam poder suficiente para integrar a NDF em posição de comando. Desde o início da Guerra Civil as populações sunitas do país chamam os quadros da NDF de Shabiha (nome dado para os contrabandistas e bandidos que trabalham para a família Assad), que em árabe significa “fantasma”.
O fato de uma parte do soldo da NDF ser pago na forma de pilhagem incentiva o comportamento criminoso por parte destes milicianos. Uma outra forma de obter-se rendimentos é pela extorsão ás populações que necessitam passar pelos diversos pontos de controle. Ainda que o Governo afirme publicamente que combate este comportamento, pouco ou nada é feito para coibir estas ações, principalmente se implementadas em regiões habitadas por Sunitas ou outra minoria marginalizada, como nas regiões curdas de Al-Hasaka e no norte de Aleppo.
Os Curdos (a esquerda do Curdistão), que possuem uma relação tumultuada com o governo central em Damasco, se equilibram no plano geopolítico, no tênue entendimento entre os Estados Unidos e a Rússia na coalizão anti-ISIS, tem como característica principal a governança descentralizada, que inclusive inclui a sua força policial, a Asayish, que possui pouco mais de 4 mil combatentes (homens e mulheres) em seu efetivo. Esta corporação se organiza de maneira similar com o YPG, mas focado em patrulha dentro das regiões controladas pelos curdos, mais focada em procurar supostos informantes ao invés de se engajar na linha de frente.
O incidente mais recente entre os curdos e as forças pró-Assad aconteceu em meados de Abril do presente ano nos arredores e no centro da cidade de Al- Quamishili na província de Al- Hasaka. Neste incidente, as forças da NDF desrespeitaram o acordo de cooperação entre Damasco e Rojava, e tentaram tomar o controle de alguns checkpoints nos arredores da cidade. Em represália, a Asayish tomou o controle da prisão local, prendendo cerca de 20 milicianos no local.
Após uma semana de confrontos, uma delegação de oficiais russos, enviados de Damasco e representantes das regiões curdas chegaram ao local e começaram as negociações para encerrar o conflito e retomar a normalidade na região. Depois de alguns dias de negociação, obtêm se um acordo entre as partes em que o regime de Damasco se retiraria da maior parte da cidade, e em troca, a Asayish soltaria os presos e devolveria a prisão para o controle do governo.
Esse incidente aponta que a relação Damasco-Rojava ainda é muito frágil, mesmo com o governo apoiando o YPG com munição na região, e cooperando com as ações russas pró-curdos. Essa fragilidade é fruto da desconfiança mútua e do pensamento de manter a relação entre as duas partes como um “acordo de interesses” ao invés de tentarem (principalmente o governo Assad) negociar com um pensamento mais a longo prazo e priorizando a unidade nacional sob bases justas de representação.
O próximo teste para esta “aliança” é a corrida por Al-Raqqua, em que o YPG e as forças governamentais (SAA, NDF e RuAF) competem para ver quem expulsa o DAESH de sua capital de facto e por tabela, da Síria. A importância desta campanha é tanta, que o vencedor desta disputa irá ter uma margem de barganha muito maior que os seus concorrentes em negociações futuras, principalmente agora com a falência do cessar- fogo de fevereiro, chancelado por Washington e Moscou.
Pedro Guedes é graduando em relações internacionais na Unisinos – E-mail: pedro_0141@hotmail.com