Documentos de defesa do Brasil
Antes de analisarmos os documentos, cabe deixar explícita a compreensão do conceito-estratégico por parte Ministério da Defesa (MD) brasileiro. Para tanto, compreende-se que “gradualmente ampliou-se o conceito de segurança, abrangendo os campos político, militar, econômico, psicossocial, científico- tecnológico, ambiental e outros” (PND, 2012, p. 13). Ou seja, deve-se considerar que as ameaças à região não compreendem apenas assuntos que envolvam as Forças Armadas, de forma que a defesa nacional também deve ser planejada ultrapassando o eixo militar.
O primeiro documento analisado, do qual foi retirada a definição acima, é a Política de Defesa Nacional (PDN). A PDN foi documentada oficialmente em 1996 e, em 2005, reformulada sob responsabilidade do Ministério da Defesa (MD) brasileiro, que, por sua vez, foi criado em 1999, com o objetivo de exercer a direção conjunta das Forças Armadas, antes divididas em seus próprios ministérios. Atualmente este documento também teve o seu nome alterado para Política Nacional de Defesa (PND).
Conforme consta em seu texto, a PND é o documento condicionante de mais alto nível do planejamento de ações destinadas à defesa nacional e, voltado essencialmente para ameaças externas, estabelece objetivos e orientações para o preparo e o emprego dos setores militar e civil em todas as esferas do Poder Nacional, em prol da Defesa Nacional.
Soma-se à PND, a Estratégia Nacional de Defesa (END), criada em 2008, que organiza e define as diretrizes do que deve ser feito para que sejam atingidos os objetivos estipulados previamente na PND, sendo o principal deles a garantia da soberania nacional. Ambos os documentos foram revisados e atualizados em 2012, data em que estipulou-se que sua manutenção deve ser realizada a cada quatro anos, e também foi criado o terceiro e talvez mais importante dos documentos mencionados até agora, o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN).
O conteúdo do Livro Branco brasileiro tem extensão maior que a PND e a END e, segundo o Ministério da Defesa, “é o mais completo e acabado documento acerca das atividades de defesa do Brasil. Abrangente, visa esclarecer a sociedade brasileira e a comunidade internacional sobre as políticas e ações que norteiam os procedimentos de segurança e proteção à nossa soberania” (Ministério da Defesa, portal, 2015).
Estes são os três principais documentos de defesa do Estado brasileiro, e a sua relação com o estudo proposto não se dá somente por tratarem de defesa, mas por suas versões atuais serem também uma representação da gradual mudança na percepção do principal foco de ameaça à segurança nacional. Os documentos apresentados corroboram com a ideia de que as fronteiras do norte do Brasil devem compor, atualmente, o cerne das atividades de defesa do Estado, desvanecendo-se, aos poucos, o receio da uma violação do território nacional nas fronteiras do sul, como se pensava anteriormente.
Nesta perspectiva, as ameaças à Região Amazônia, identificadas pelo governo brasileiro, estão presentes na PND, na END e no LBDN, e compõe, em síntese, a lista abaixo.
Cobiça ou foco da atenção internacional no grande potencial de riquezas e biodiversidade da Floresta Amazônica;
Concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres;
Crime organizado nas fronteiras, responsáveis por delitos fronteiriços e ambientais
Instabilidade regional, causada principalmente por ilícitos transnacionais, responsáveis também por provocar o transbordamento de conflitos nacionais para os demais países da região;
Uso não autorizado do espaço aéreo nacional;
Ameaças de naturezas distintas, como o narcotráfico, tráfico de armas e pirataria, agravados com a globalização;
Deterioração das condições sociais, energéticas e ambientais como consequência da crise econômico-financeira internacional;
Degradação do meio ambiente.
Destarte a constatação de diversas ameaças à região, percebe-se nos documentos o cuidado do Estado brasileiro em não especificar, em nenhum momento, a natureza dessas ameaças. Este cuidado está ligado ao fato de que a própria política de defesa compreende que “convém organizar as Forças Armadas em torno de capacidades, não em torno de inimigos específicos. O Brasil não tem inimigos no presente. Para não tê-los no futuro, é preciso preservar a paz e preparar-se para a guerra” (END, 2012, p. 58).
Não basta, portanto, apenas a análise dos documentos citados para identificar com clareza quais são as atuais ameaças à Amazônia brasileira. Acrescentar-se-á, doravante, um reconhecimento mais detalhado e específico, no âmbito regional e global, conforme planejado, das ameaças que levaram a inclusão dos itens acima na formulação das políticas de defesa do Estado.
Antes de finalizar esta etapa do estudo, contudo, adianta-se que as principais preocupações do Estado brasileiro giram em torno da possibilidade de uma violação de sua soberania por parte dos EUA. Tal temor é fundamentado com base nas ações e políticas adotadas pela Super Potência, dentre as quais é identificado, mas não limitado apenas a este item, o estabelecimento de diversas bases americanas na região amazônica ou ao seu redor. Justificadas geralmente como parte de programas de cooperação para o combate ao terrorismo e narcotráfico, ou seja, qual for a justificativa utilizada, estas bases formam um cerco estratégico – com tropas terrestres – ao redor da Amazônia Legal brasileira, o que possibilitaria uma intervenção militar dos EUA.
Dentro da estratégia de segurança do país, o Brasil procura prevenir-se ao se certificar que temas como a degradação do meio ambiente, a disputa por territórios indígenas e o narcotráfico, entre outros, sejam propriamente administrados e não venham a ser utilizados por potências externas como argumento de “ingerência brasileira sob o seu território” para viabilizar uma violação de sua soberania.
Enfim, sabe-se que, mesmo minimizando a possibilidade de uma intervenção, ela nunca será de todo nula. Tendo isso em mente, também faz parte da estratégia de defesa atual do Brasil a promoção de treinamentos de resistência em território amazônico, com o intuito de treinar as Forças Armadas para suportar por um longo período de tempo qualquer invasão à região.
Henrique Muller Roht – estudante de Relações Internacionais da Unisinos
(henrique.roht@gmail.com)