Neste âmbito, possivelmente a ameaça mais desafiadora para os países do norte andino seja o controle do narcotráfico e a fragmentação territorial derivada dos santuários defendidos por grupos insurgentes. As organizações político-militares remanentes do conflito colombiano, a saber, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) e o Exército de Libertação Nacional – União Camilista (ELN-UC), estão operando há mais de 50 anos e, de fato, dominam parte da extensão soberana sob o governo de Bogotá. Estas organizações taxam a economia em escala do narcotráfico (assim como a direita para-militar o faz, agrupadas sob a bandeira supostamente extinta das Autodefesas Unidas de Colômbia, AUC), em especial cobrando tributos da produção e beneficiamento da folha de coca em pasta base (caso da FARC), ou apenas a circulação de mercadorias legais e ilegais (caso do ELN). Tal problema focando no ambiente doméstico colombiano será tratado em momentos posteriores. Neste apenas caracterizaremos o problema desde a ótica brasileira.
O narcotráfico, pode ser encarado como uma agricultura empresarial em larga escala provendo mercados consumidores de alto poder executivo, focado nos EUA, mas disseminados em mercados secundários, abastecidos com derivados desta droga com distintos níveis de refino e mescla industrial. No caso da segurança amazônica, além de se tratar de comércio ilegal de substâncias psicoativas ilícitas, o tráfico de drogas estimula a ocorrência de outras atividades ilegais que ameaçam a segurança na região, como o contrabando de armas e matérias primas, crime organizado, para-militarismo e uma economia de guerra a retroalimentar as duas guerrilhas colombianas. Vale observar que a economia do tráfico irriga a vida econômica formal de Colômbia, Peru, parte da Bolívia e ao menos a metade do México, onde a liquidez depende ou da entrada de narcodólares ou de “planos de ajuda”, como a intervenção dos Estados Unidos diretamente sobre a vida cotidiana de México e Colômbia, sob o paradigma da securitização continental.
Efeitos no Brasil da economia ilegal do narcotráfico e nova realocação de cultivo
No Brasil, a questão representa um grave problema social e estrutural. O agente da Polícia Federal especialista no combate ao narcotráfico, Francisco Garisto, afirma que há, historicamente, um grande envolvimento de políticos, policiais federais e agentes do serviço de inteligência do Estado brasileiro, entre outros, na cadeia do tráfico. Garisto chega a comparar a corrupção do sistema brasileiro com o da Colômbia, local de maior concentração do narcotráfico regional, dizendo que aqui é apenas menos violento (GARISTO, 2000). Em adição, conforme relatório das Nações Unidas de 2015, o consumo de drogas poderosas no Brasil, como a cocaína, aumentou consideravelmente desde 2010, chegando a três vezes o nível médio do consumo global. (UNODC, 2015).
No que concerne a participação da Região Amazônica neste cenário, estima-se que tenha se tornado essencial ao narcotráfico internacional na década de 80, embora já fosse conhecida, como local de plantio de substancias psicoativas ilícitas há algum tempo. Na época, a droga comumente comercializada era a maconha, e o ligeiro aumento do tráfico na região se dá, em grande parte, devido aos esforços norte-americanos em eliminar a produção da droga no México e na Jamaica, durante a década anterior, sem diminuir, no mesmo passo, a demanda pelo produto.
Desde então, a Colômbia passa a ser a principal produtora e fornecedora de maconha nas américas. Todavia, a cocaína logo atinge maior importância no mercado de drogas internacional, elevando em paralelo a relevância de outros dois Estados, Bolívia e Peru, nos quais era comum a produção dessa nova droga. Por mais que, inicialmente, a Colômbia não tivesse capacidade de produzir cocaína por conta própria, devido às condições climáticas e geográficas , o país ainda era responsável pelo refino da pasta colhida na Bolívia e no Peru, transformando-a no produto final. Além disso, neste período, as organizações narcotraficantes existentes na região, ou as que surgem com este novo cenário, já haviam aprendido a se adaptar aos ataques perpetrados pelos agentes estatais. O aprendizado operacional, a adaptação ao transporte em novas rotas, o controle do tráfego aéreo e marítimo clandestino e a corrupção estrutural de países caribenhos (como o Panamá durante o governo de Manuel Noriega) ampliaram a escala do tráfico e seu alcance em diversos países e camadas sociais distintas.
Em parâmetros atuais, o relatório anual do United Nations office on Drugs and Crime (UNODC) demonstra que praticamente 100% do plantio mundial de cocaína, equivalente a 120,8 hectares (cerca de 170 campos de futebol), está localizado na Colômbia, Peru e Bolívia. Em 2013, os indicadores mostravam que Peru e Colômbia representavam juntos cerca de 80% do total do cultivo de cocaína, ou seja, 50 hectares cada, ao passo que na Bolívia o volume era menor, apenas 20 hectares do total. (UNODC, 2015, p. 51).
A transição da maconha para a cocaína como a principal droga comercializada e produzida em larga escala na região caracteriza também um marco estrutural para o negócio. A alta rentabilidade da atividade faz com que os grupos envolvidos cresçam e também aumente a parcela da sociedade envolvida no narcotráfico. Para Oliveira (2007, p. 84), “a Região Andina tornou-se, de certa forma, o centro do narcotráfico no continente por ser a única fornecedora de cocaína, um dos psicoativos ilícitos mais consumidos nas Américas e no mundo”.
Os demais países andinos serviam, na década de ’80 e na de ’90, na maior parte do tempo, como região de trânsito do narcotráfico. O Brasil, por outro lado, além de participar ativamente na movimentação e distribuição das substâncias ilícitas, na lavagem de dinheiro, também tinha um papel diretamente ligado a cadeia do narcotráfico, o de fornecedor de insumos químicos para o refino das drogas, como éter e acetona, entre outros (GARISTO, 2000). Na cadeia de valor do tráfico em escala internacional, o Brasil fornecia os insumos industriais em uma escala só compatível com a dimensão da economia brasileira.
E assim se manteve o cenário do narcotráfico na Amazônia por um longo período. Contudo, devido às novas empreitadas de guerra às drogas, promovidas principalmente pelos EUA na década de 90, houve a descentralização e reestruturação dos grupos outrora monopolizadores do tráfico, os quais foram forçados a se dividir em diversas redes e a dividir o seu mercado para evitar que fossem facilmente rastreados e desmantelados. Este é o momento em que vivemos hoje, com maior presença dos cartéis mexicanos - como distribuidores – e a pulverização dos plantadores, dividindo assim a cadeia de valor deste agronegócio ilegal em escala planetária e com incidência sobre sociedades latino-americanas inteiras.
Henrique Roht é graduado em relações internacionais da Unisinos (henrique.roht@gmail.com)
Referências:
GARISTO, Francisco Carlos, O Comando Delta, FHC, Ciro, Lula e Garotinho, tudo a ver, No.66, setembro de 2002, pp.20-21.
UNODC, 2015, Relatório Anual