Agosto de 2015, Pedro Guedes
Iniciado em meados de 2012 dentro do contexto da primavera árabe, o conflito sírio se transformou de uma série de protestos contra o governo ao ponto de tornar-se uma sangrenta guerra de atrito, o que acarreta em milhares de vítimas. Isto leva a existência de milhões de refugiados, o que, segundo as Nações Unidas é a maior crise humanitária do Século XXI.
Antes de analisar o conflito, e suas implicações política, social, econômica, geopolítica e militar; é necessário identificar os principais atores envolvidos nessa espiral de caos e morte que levou a desintegração de um dos regimes mais estáveis da região. Nesse primeiro momento, serão apresentadas as facções e sub-facções que apoiam o regime Assad.
O primeiro ator a ser aqui explicitado são as Forças armadas Sírias, sendo atualmente a espinha dorsal do regime, subdivididas em Exército, Força Aérea e Marinha. O Exército é a força mais numerosa e mais importante, com aproximadamente 150.000 soldados segundo o ISW (Institute for Study of War, think tank de estudos bélicos sediado em Washington, D.C.), mas seriamente afetada por quase cinco anos de guerra civil. Por ser um exército do tipo conscrito (alistamento obrigatório), sofre da falta de homogeneidade, abrigando desde unidades veteranas como a 42ª Brigada da 4ª Divisão Blindada a unidades improvisadas, criadas com quase todo o efetivo advindo da conscrição.
Com esse panorama, o aproveitamento do Exército em combate varia muito, vindo a permitir parcialmente o avanço dos rebeldes do Exército Livre Sírio (FSA) e dos grupos jihadistas. Além dos problemas de mão-de-obra, o Exército Sírio sofre com a falta de suprimentos como munição e a qualidade do equipamento empregado nos combates, que varia de T-55/T-62 (tanques de guerra) nas forças blindadas mais fracas até as versões do T-72 que são utilizadas pelos regimentos de elite (a já citada 4ª Divisão Blindada) que ficam estacionados nos arredores de Damasco.
A Força Aérea Síria, que atualmente possui um papel cada vez mais importante no conflito, possui cerca de 80.000 mil homens, contando os reservistas. A aviação síria vem realizando operações de suporte às forças legalistas em terra com ataques aéreos contra as forças rebeldes e se necessário, prover a proteção do espaço aéreo contra uma possível agressão de algum Estado estrangeiro. O desconhecimento generalizado destas operações se dá também porque a mídia ocidental cita mais a Força Aérea Síria pelo uso de armas improvisadas, como as famigeradas bombas barril (dispositivos improvisados lançados do alto de helicópteros, também contra alvos civis).
Como o Exército, a Força Aérea também sofre com o problema da falta de mão-de-obra, principalmente por necessitar de pessoal qualificado, aliada com a falta de peças para a manutenção de suas frotas de caças Mig-21 e Mig-29, os carros-chefes das operações de suporte, como também para a sua frota de helicópteros Mi-24 e Mi-8, o que afeta seriamente a sua capacidade operacional. O suporte de peças de reposição seria feito pela Rússia como potência protetora e aliada do Irã, mas o volume desta ajuda não está a contento.
A Marinha Síria é a menor, menos equipada e a menos utilizada na Guerra Civil Síria, O baixo volume de emprego pode ser explicado pelo fato dos combates ocorrerem mais no interior do país, o que permite aos aproximadamente 5.000 soldados dessa força uma maior tranquilidade, mas não menor atenção. Seu equipamento consiste em poucas embarcações, principalmente 2 fragatas datadas da década de 50 e 2 submarinos também da mesma época, ambos recebidos da antiga União Soviética. Basicamente, os únicos pontos estratégicos de defesa da Marinha de Assad são a proteção das duas bases russas no Mediterrâneo (Tartuz e Lataqia), oriundas dos acordos do primeiro governo deste clã (de Hafez Assad ainda com a antiga União Soviética). Hoje estas bases consistem em importante ponto de projeção da força russa para as reservas de gás no mar Egeu, além de rotas marítimas com a Ilha de Chipre, cuja república grega opera como uma lavanderia de capitais oligarcas russos.
Dentre os inúmeros grupos milicianos que ajudam o regime Assad na Guerra Civil, caberia destacar dois, o NDF (National Defense Forces) e o Hezbollah, mais conhecido e operando como um partido político-religioso-militar a partir do Líbano. O NDF começou o seu processo de estruturação ainda no início dos protestos, a partir do alistamento de pessoas por empresários pró-Assad ou pelas forças de inteligência. Conforme o conflito se alastrava, o governo equipava a NDF e provia treinamento, junto com a ajuda financeira promovida pelo governo iraniano. Com o temor cada vez maior de ser morto ou torturado pelos rebeldes, e o recebimento de salário em dia ao entrar na organização; uma parcela considerável dos homens em idade de serviço militar prefere se alistar na milícia ao invés de se alistar nas forças regulares.
Dentro da estratégia dos generais sírios, a NDF se ocupa dos papeis de suporte às ações do Exército e a posterior ocupação dos territórios recém-conquistados, o que lhe permite se ocupar da pilhagem dessas regiões como pagamento complementar. Como é típico de forças irregulares, estas ações geram alguns problemas para o Governo Sírio como as ações criminosas perpetradas pela NDF. No norte do país, os milicianos da NDF também realizam as funções da infantaria regular, dado ao melhor preparo e moral elevado em comparação com os soldados conscritos, o que realça o estado de dificuldade em que se encontra o Exército sírio.
O outro ator relevante que apoia o regime sírio é o movimento Hezbollah (Partido de Deus, de base xiita), que a partir da fronteira com o Líbano presta ajuda militar direta, com soldados e veículos pesados, servindo com unidade de infantaria especializada, principalmente nas regiões montanhosa de Al- Zabadanni (fronteira com o Líbano), ou como infantaria regular. A relação entre o regime Assad e o Hezbollah é umbilical, sendo que o regime financiava e provia suporte logístico antes da Guerra Civil, onde a Síria servia de intermediário entre o Irã (principal mantenedor) e o Hezbollah.
Ainda que seriamente debilitadas, as Forças Armadas da Síria e seus aliados se mostram capazes de resistir aos ataques das facções rebeldes, ainda que ao custo de abandonar grandes parcelas de seu território. Tal é o exemplo da região de Al Hasakah, que sob os cuidados da população curda ainda permanece formalmente vinculada ao Estado sírio, visto que a esquerda do Curdistão optou por uma existência confederativa e manutenção da integridade territorial. Outra escolha do governo Assad é fortificar-se em áreas de maior população como Damasco e Homs, evitando assim o avanço jihadista sunita contra importante contingente demográfico. Esta condição – de domínio parcial e guerra de posições - faz com que o conflito se alastre até o presente momento.
Pedro Guedes é acadêmico do curso de Relações Internacionais