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História, memória e historiografia.

DEMETRISTAS E CASSALISTAS NA FABRICAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA: ALEGRETE NA TRANSIÇÃO DO IMPÉRIO PRA REPÚBLICA

Elaboração própira.

Líderes operários em Alegrete

A desilução com a República e a influência dos partidos da elite na formação da classe operária em Alegrete. Ex cassalistas e demetristas na origem do partido socialista e na organização operária.

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Professor Me. Anderson Romário Pereira Corrêa

São Borja, 16 de outubro de 2016.

1. Introdução

Na transição do Império pra República o marceneiro Eduardo Mallmann e o jornalista Fredolino Prunes travaram um debate na imprensa de Alegrete sobre a questão do Partido Republicano Rio-grandense – PRR, o Socialismo e o Movimento Operário (CORRÊA, 2010,p.134). Fredolino Prunes se identificava como socialista e dizia a Eduardo Mallman que o lugar dos socialistas era junto com o PRR e não na oposição fortalecendo a oposição (monarquista e liberal). Fredolino Prunes, além da tentativa de “aliciar” Eduardo Malmann para as fileiras do PRR, acusava-o de ser “Gasparista”. Ser Gasparista significava ser monarquista. Eduardo Mallman foi um dos fundadores do Clube Republicano em Alegrete em 1882, aderindo ao socialismo entre 1897 e 1898. (CORRÊA: 2010,p. 87 e 159) Nessa demarcação do campo político e ideológico, o jornal “Echo Operário”, publicado em Rio Grande, aponta na edição de 20 de março de 1898 indícios relevantes da origem dos primeiros socialistas e organizadores do movimento operário na cidade de Alegrete oriundos e com trajetórias nos partidos da elite. O jornal “Echo Operário” assim destacou essa guinada em direção ao socialismo na cidade de Alegrete: ”Vemos velhos honrados como o nosso, até venerável mesmo, presidente da Mútua Proteção, que para garantirem solidariedade aos companheiros operários, rompem, por uma vez, todos os laços que os prendiam a velhos partidos políticos (...)”(CORREA, p.131). Nessa época Jorge Felipe Krug era o presidente da Mútua Proteção.

 

2. Desilusão operária com a República

De acordo com Adhemar Lourenço da Silva Jr. devido ao bipartidarismo da cultura política rio-grandense no período da República Velha, existiu a tendência da oposição política (os federalistas) de incorporar ao seu campo todas as propostas divergentes do castilhismo-borgismo (PRR) (SILVA JR., 1996, p.06). O autor enfatiza ainda que esse bipartidarismo parece não ter papel relevante nas análises feitas sobre o movimento operário da República Velha. Existia um pensamento que afirmava que a disputa entre os partidos da “grande política”, entre republicanos e federalistas, apenas marginalmente afetava a “pequena política” operária. A historiográfica que privilegia um “dever-ser” da classe trabalhadora, que bane de sua análise qualquer posição operária que venha em defesa dos partidos políticos da época, esteve vigente até pouco tempo (SILVA JR., 1996, p.06). Segundo essa concepção de historiografia, os momentos de radicalização e desorganização da grande política seriam momentos privilegiados de emergências públicas das demandas operárias (SILVA JR., 1996,p.06). A historiografia do movimento operário buscava encontrar a “verdadeira” consciência de classe, nunca a “falsa”, proveniente da burguesia ou da elite política (SILVA JR., 1996,p.06). Ainda de acordo com Silva Jr., a historiografia do movimento operário rio-grandense destaca a bipolaridade no movimento operário no RS, como sendo uma disputa entre anarquistas e socialistas, inexistindo referências aos colaboracionistas (amarelos). Isso acontece porque as análises historiográficas, na busca do dever-ser, privilegiam somente as correntes com “ideologias” operárias (SILVA JR., 1996, p.07). Beatriz Loner argumenta que alguns pesquisadores, como João Batista Marçal, tenderam a superdimensionar a influência dos alemães na evolução do movimento operário rio-grandense. Essa posição atribui aos alemães o papel de protagonistas da criação das primeiras associações e no surgimento da social-democracia no Rio Grande do Sul. De acordo com Beatriz Loner, novos estudos apontam um maior número de militantes nacionais ou portugueses e indicam a opção pelo socialismo depois de um caminho que passou pela desilusão com a República (LONER, 2010,p.508). As primeiras lideranças do movimento operário podem ter passado por uma espécie de “estágio republicano”. Primeiramente esses militantes passaram por experiências republicanas no desenvolvimento de sua “consciência de classe” (com exceção para os nãos nacionais ou por viverem em comunidades de imigrantes com outras experiências associativas) (LONER, 2010, p.115). Teoricamente, este trabalho está ancorado nos postulados de E.P. Thompson, no fazer-se da Classe Operária, que valoriza a trajetória e as experiências dos sujeitos sociais (trabalhadores), que a classe não é um dado econômico, mas que é, sim, fruto de uma construção política e cultural com ênfase nas suas experiências (THOMPSON, 1987.p.09s). Questiona-se o seguinte: apesar dos sobrenomes de origem germânica, será possível afirmar que a origem da classe operária em Alegrete é menos obra de militantes de origem germânica, e sim, de militantes desiludidos com a República e que passaram pelos partidos tradicionais da elite? Pretende-se verificar se existe a possibilidade da “grande política” ou da política dos “partidos tradicionais” ter influenciado na formação da classe operária de Alegrete e da Fronteira do Rio Grande do Sul, no final do Século XIX. Existem fortes indícios de que alguns líderes e dirigentes do movimento operário alegretense tenham tido experiências nos partidos tradicionais e que se “desiludiram” com a República.

 

3. O movimento operário e os trabalhadores no início da República

No final do Império e início da República, durante as décadas de 1880 e 1890, a jovem “classe operária” iniciava suas experiências de organização e luta. Nesses primeiros tempos, as primeiras organizações uniam patrões e empregados em diferentes tipos de entidades, como por exemplo, as organizações mutualistas. Os socialistas defendiam a existência de candidatos e representantes dos operários entre os deputados. Chegaram a defender a candidatura de políticos ligados aos partidos de elite tradicional. Durante os primeiros anos da proclamação da República, aconteceu a decepção com o novo regime. Isso resultou num lento e processual afastamento dos operários em relação aos partidos da elite tradicional, mas não sem antes passarem a apoiar elementos dissidentes. A Revolução de 1893 possibilitou a ascensão da classe operária como sujeito político. Com a Guerra Civil de 1893, acirram-se as disputas entre os partidos da elite tradicional pela simpatia dos trabalhadores. Essa conjuntura possibilitou a existência de movimentos reivindicatórios e grevistas. Depois de 1895 duas correntes tentavam hegemonizar a luta operária: os que priorizavam o envolvimento com partidos e os que defendiam a organização dos trabalhadores. Nesses primeiros anos da organização dos trabalhadores, não havia uma definição clara entre patrões e empregados, e estava agrupado no que pode ser chamado, segundo Beatriz Loner, “grande bloco de interesse do Trabalho” (LONER, 2007, p.502). Ainda de acordo com Loner as classes proprietárias de Pelotas foram iniciadas com a fundação do Centro Agrícola e Industrial em 1887, na luta contra a tarifa especial que significava preços mais baixos para os produtos importados no estado, solicitado pelos comerciantes de Porto Alegre. Isso prejudicava os setores manufatureiros e industriais de Rio Grande e Pelotas (LONER, 2007, p.502). Em Pelotas houve a formação do Congresso Operário em 1889, transformando-se na Liga Operária em 1890 (LONER, 2007, p.503). Em 1889, em Porto Alegre, criou-se a Liga Agrícola e Industrial, com a intenção de lutar contra a “tarifa especial”. Tinha a intenção também de discutir a criação de outro partido. Suas propostas eram: “(...) protecionismo, vias de comunicação, extensão do direito do voto, imposto equitativo, policiamento. Defendiam e apoiavam a República como forma de governo. Não foi possível estabelecer relação com o programa da Liga com o Manifesto do Partido Operário, publicado em 1890, que continha os pontos descritos acima e outros, entre estes, dois que lembravam o socialismo que eram a regulação da transmissão de bens por herança e o imposto sobre a renda.” (LONER, 2007, p.503). No início do ano de 1890 a tarifa foi eliminada. A Liga continuou mobilizada contra os “Bancos de Emissão”, que eram parte da política econômica de Rui Barbosa que gerou grande inflação no país. O ministro Demétrio Ribeiro ajudou no fim da “tarifa especial” e demitiu-se pouco depois, por não concordar com a política financeira, tornando-se, assim, um político muito popular entre os trabalhadores (LONER,2007, p.504). Alguns acontecimentos do mês de maio de 1890 podem ter contribuído para aproximar os setores do trabalho e os republicanos. Um desses acontecimentos foi a manifestação popular que terminou em depredação do Banco de Emissão de Porto Alegre. No mesmo mês, alguns dias mais tarde, aconteceu uma desastrada ação policial na dispersão da comemoração republicana do dia 13 de maio. Uma das vítimas da polícia, atingido por arma de fogo, foi o líder republicano João de Barros Cassal, presente nas manifestações de rua. No enterro das vítimas desse último confronto estavam presentes representantes da União Operária, da Liga Agrícola e Industrial e da União Republicana. Nesse período, governavam o Estado elementos “entristas” que vinham dos partidos da monarquia (LOVE, 1986. p.45; LONER, 2007, p.504). A Liga Agrícola Industrial – LAI – com a influência dos republicanos, também sofreu as consequências das disputas internas do Partido Republicano Rio-grandense. Quando surgiu a Dissidência Republicana, a LAI também se dividiu. A dissidência liderada por Demétrio Ribeiro e Barros Cassal, opondo-se à liderança de Júlio de Castilhos, influenciou no surgimento da dissidência na LAI, vindo a surgir o Centro Operário no final do ano de 1890. Formavam o Centro Operário elementos dissidentes, como Guelfo Zaniratti, Nicolau Tolentino da Soledade e outros partidários dos dissidentes (LONER, 2007, p. 504). Segundo Beatriz Loner, era provável que o Centro Operário possuísse maior adesão dos trabalhadores, pois: “(...) comparativamente, o Centro Operário parecia ter mais força, manifestada tanto nos cerca de 300 operários que compareceram a sua assembleia de fundação, quanto em suas ligações com o interior, pois caberia a este coordenar a formação de uma chapa operária para as eleições da constituinte estadual, além de tentar formar uma espécie de federação das ligas no estado.” (LONER, 2007, p.504). Entre os anos de 1888 e 1892 criaram-se e extinguiram-se Ligas e Uniões em várias cidades do interior: Pelotas, Santa Maria, Bagé, Uruguaiana e Rio Grande (LONER, 2007, p.504). De acordo com Loner, boa parte das ações e mobilizações das Ligas e Uniões tinha um cunho político. No início de 1890 a articulação entre as ligas ampliou-se. Essa articulação, segundo Loner, pode estar na origem do Partido Operário que apresentou chapa de candidatos a membros do Congresso Constituinte, com oito nomes. Dessa chapa foram eleitos “Ismael Simões Lopes, proposto pela liga de Pelotas, e João Steenhagen, da liga porto-alegrense, inseridos no conjunto dos candidatos do Partido Republicano” (LONER, 2007, p. 505). Porém, tanto Ismael Simões Lopes e João Steenhagen eram correligionários de Castilhos e capitalistas/industriais e pouco fizeram pelos operários. (LONER, 2007, p. 505). Adhemar Lourenço da Silva Jr., ao referir-se também aos candidatos socialistas ao Congresso Constituinte, identifica a mesma situação apresentada por Loner. Os socialistas do jornal Gazetinha de Porto Alegre, a partir de 1890, propugnavam por um representante genuíno dos operários entre os deputados, mas depois de algumas experiências com candidatos que em tese deveriam defender os interesses dos operários e nada fizeram, teceram severas críticas a essa situação. Houve uma negociação frustrada com o Partido Liberal (Gasparista) e o com o PRR (que propôs inclusive a criação do Partido Operário e um representante na Assembleia) (SILVA JR, 1996, p.08). Ainda de acordo com Adhemar, essa situação: “fez com que os operários organizados passassem a priorizar seu envolvimento com os partidos políticos: enquanto alguns passaram a apoiar a dissidência republicana (cassalistas), outros tornaram-se federalistas, afora a pequena parte que retirou-se descrente dos intentos organizativos.” (SILVA JR, 1996,p.09) Loner, parafraseando Joan Bak, destaca que é possível encontrar uma maior autonomia entre os operários comprometidos com a dissidência, que tentavam organizações autônomas e na ideia do Partido Operário, com postura diferenciada, daqueles comprometidos com o PRR, que eram mais submissos à orientação Castilhista (LONER, 2007, p.506). Nas eleições de maio de 1891, a oposição articulou-se e formou o partido Republicano Federal. Era a união da União Nacional (antigo Partido Liberal) com os dissidentes do PRR. Neste pleito os candidatos tiveram uma votação expressiva, sendo que o Partido Republicano Federal foi vitorioso em algumas cidades, como o caso de Alegrete, Bagé, Dom Pedrito, entre outras cidades. Em novembro de 1891 Júlio de Castilhos foi derrubado do poder e assumiram o governo do Estado 12 presidentes, período que foi de novembro de 1891 a junho de 1892. O último governo foi o de João de Barros Cassal, período conhecido por Governicho (FRANCO, 2007, p.132). Com a guerra civil de 1893, acirrou-se a disputa entre os partidos da elite tradicional pela simpatia dos trabalhadores. Rudiger (1991) aponta que em 1893 o jornal “Rio Grande”, vinculado aos dissidentes federalistas, transcreve um documento, o “manifesto” redigido por Augusto Vinhares em nome dos trabalhadores da capital federal, do proletariado do Rio de Janeiro (RUDIGER, 1991, p. 38). Ainda de acordo com Rudiger, “Com esse gesto, a facção cassalista procurava instrumentalizar os termos do pacto político proposto ao proletariado pelo PRR” (RUDIGER, 1991, p.39). Rudiger afirma que a cisão entre os republicanos se estabelece entre as duas facções. (castilhistas e dissidentes demetristas e cassalistas). No cerne estava a ideia do progresso econômico com a incorporação do proletariado a sociedade, como alternativa ao liberalismo político (RUDIGER, 1991.p.39). A conjuntura proporcionou a irrupção de movimentos grevistas nas cidades de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas (RUDIGER, 1991, p. 40). Assim escreve Rudiger: “A situação de beligerância radicalizou esse tipo de consideração. A partir de 1893, as manifestações da dissidência procuraram colocar na margem de manobra dos revolucionários a perspectiva de levar o operariado a tomar uma posição diante dos acontecimentos” (RUDIGER, 1991, p.39). A partir da “paz” de 1895, duas correntes socialistas predominavam na “pequena política operária”. Uma enfatizava a importância do partido socialista, o partido operário; a outra defendia a importância das associações de trabalhadores. Depois do congresso operário de 1898 houve uma ruptura entre esses dois grupos de socialistas. Os que priorizavam o partido eram chamados de “mestres intelectuais” e os que priorizavam as associações profissionais, congregados no “imaginário” Clube Socialista Carlos Marx, eram acusados de semearem ódios desnecessários entre patrões e empregados, entre outras “máculas”. Entre essas máculas estava o fato de se envolverem com a “grande política” e serem, na verdade, antigos cassalistas. Esses antigos cassalistas eram acusados de fazer na Liga Operária Internacional a mesma campanha dissolvente que fizeram na União Operária ou Centro Operário e no Grêmio Dramático Boêmios (SILVA JR., 1996, p.10s). Segundo Adhemar (1996, p.10s), era complexa a situação vivida pelos próceres da organização operária no Rio Grande do Sul, mesmo que seu socialismo estivesse associado mais a uma postura moral, persistia a ideia que advogava a necessidade de um partido político operário. A única burguesia existente no Rio Grande do Sul, naqueles tempos, era a “burguesia da vaca”. Essa burguesia da vaca, mesmo lutando entre si na Revolução Federalista, permitiu, através de fissuras, a eclosão das demandas públicas do movimento operário, que obstavam a constituição de uma terceira via partidária, vinculada, por exemplo, a II Internacional (SILVA JR., 1996, p.09). De acordo com Rudiger (1991, p. 38), a Revolução de 1893 possibilitou a ascensão da classe trabalhadora como sujeito político no moderno Rio Grande do Sul, e acrescenta ainda:“Nessa conjuntura de agitação, criavam-se condições favoráveis para a irrupção de incidentes, abrindo espaços para uma possível instrumentalização política do proletariado pela oposição em armas” (RUDIGER, 1991, p.40). Demetrismo e Cassalismo podem ser identificados com a prática política alinhada às posições de Demétrio Ribeiro e Barros Cassal que não concordavam com o Castilhismo e defendiam uma República voltada para o interesse do “Bloco do Trabalho”, com liberdade de imprensa e organização, etc.

 

4. A conjuntura local: Alegrete

Haviam passado três dias da Proclamação da República e na cidade de Alegrete ninguém suspeitava do acontecido. No dia 18 de novembro de 1889, o Conselho Municipal foi notificado do acontecimento através de um telegrama do Visconde de Pelotas. O Conselho Municipal aderiu unanimemente à nova forma de Governo. Dos seus nove conselheiros, três esboçaram algum gesto de repúdio (ARAUJO FILHO, 1908, p.67). Durante a transição da monarquia para o regime republicano, antes da aprovação da nova constituição federal e estadual, o município foi governado por juntas. Porém, depois da nova constituição, inicia-se um período revolucionário, governado também por juntas. A Primeira Junta (nomeada pelo governo provisório) de 08 de janeiro de 1890 a abril de 1890. A Segunda Junta (nomeada), de abril de 1890 a 15 de junho de 1890. A Terceira Junta (nomeada), de 15 de junho de 1890 a 11 de novembro de 1891. A Quarta Junta (Revolucionária), de 11 de novembro de 1891 a 18 de junho de 1892 (ARAUJO FILHO, 1908, p.88). Durante a Revolução de novembro de 1891, improvisaram-se vários regimentos e batalhões, sendo um do comércio. Os patriotas do comércio eram comerciantes e caixeiros da cidade organizados voluntária e militarmente para a revolução. O Batalhão do Comércio era comandado por Manoel de Freitas Valle Filho, estancieiro e comerciante, sendo posteriormente intendente e vice-presidente do Estado (ARAUJO FILHO, 1908, p.74). Em 1891, com a dissolução do Congresso Federal por Deodoro da Fonseca e no Rio Grande do Sul a deposição de Júlio de Castilhos, a cidade de Alegrete também acompanhou esses movimentos com a deposição da Terceira Junta Municipal, a de 11 de Novembro de 1891. No lugar dessa Terceira Junta Municipal foi aclamada outra Junta Revolucionária. Durante quinze dias houve exaltação com atos autoritários e antidemocráticos. O Governo do Estado mandou sustar alguns atos discricionários. De acordo com Araújo Filho,“O povo do município, capitaneados por vários chefes, reuniu-se e apresentou-se pronto a sustentar a revolução” (ARAUJO FILHO, 1908, p. 72). Durante a Quarta Junta Revolucionária, de 11 de novembro, comemorava-se o fim da ditadura que caíra e em seu lugar estava inaugurado o Governo Provisório Revolucionário. Luiz Araújo Filho narra esses acontecimentos: “O 18º Batalhão saindo do quartel tomou parte dos festejos confraternizando com o povo e com as forças de patriotas que se haviam reunido, formando uma coluna de cerca de 3.000 homens (...)” (ARAUJO FILHO, 1908, p.73). O autor acrescenta mais detalhes a este momento: “O conjunto dessas forças irregulares, na passeata de confraternização que fizeram pela cidade, apresentava o mais bizarro aspecto, pela promiscuidade de militares com paisanos, pela diversidade de fardamentos e pela quase completa ausência de armas entre os patriotas, muitos dos quais traziam estoques, espingardas de caça e facões” (Idem, p.74). Entre os dias 26 e 27 de novembro de 1891 alguns soldados do 18º Batalhão saíram armados à rua e agrediram várias pessoas. Assaltaram um hotel, fizeram grande tumulto pelas ruas e agrediram um cidadão português. Por força desses atos houve alarme e pânico na cidade e no dia seguinte, pela manha, o povo em massa compareceu a Intendência exigindo medidas extremas contra as praças do 18º Batalhão. A Junta Revolucionária exigiu a retirada imediata do 18º Batalhão (forças militares federais).Enquanto esperava a retirada do 18º Batalhão, as forças patrióticas ocupavam as circunvizinhanças do quartel, em atitude de ameaça, de recorrer ao extremo da luta. O Batalhão se retirou no dia 27 às 16 horas da tarde e de imediato, Vasco Alves Nunes Pereira assumiu o comando da Guarnição com o 1º corpo revolucionário e uma ala do Batalhão Revolucionário Patriotas do Comércio foi guarnecer a ponte que dá acesso à cidade (ARAUJO FILHO, Luiz, 1908.p.78) A Junta Revolucionária de novembro de 1891 perdeu o apoio popular e foi deposta pelo povo em fevereiro de 1892. Uma nova Junta Deliberativa foi instituída sendo composta por Israel Gonçalves dos Santos, Carlos Nunes Ribeiro e Lucio Adão Krug. A Junta Revolucionária Deliberativa ficou na administração até junho de 1892 quando Júlio de Castilhos retornou ao governo do Estado e foram reencaminhados às administrações dos municípios os intendentes antigos.O discurso de retorno de João Benicio da Silva diz que um dos erros graves de Júlio de Castilhos foi deixar o Estado entregue a um partido sem apoio na opinião pública, de tradições antipáticas e que caiu na condenação popular (ARAUJO FILHO, p.84). Essa última Junta administrou o município até 10 de dezembro de 1892, quando foi eleito o Intendente Severino Antônio da Cunha Pacheco, que assumiu em 1893 (ARAUJO FILHO, p. 87). Em 18 de março de 1893 a cidade foi atacada e tomada pelas forças Revolucionárias Federalistas (1ª e 2ª Brigadas Federalistas) iniciando-se a Revolução Federalista em Alegrete, com vários combates e batalhas. A principal Batalha aconteceu no Inhanduí a 03 de maio de 1893. Em janeiro de 1894 a cidade achava-se ocupada pelas forças revolucionárias de Joca Tavares (ARAUJO FILHO, p.106). A partir de 1895 e 1896 a situação política pareceu voltar a “normalidade” e em 1897, com a “pacificação”, João Benicio assumiu a Intendência Municipal de Alegrete.

 

4.1 As lideranças operárias

Na dissertação “O Movimento Operário em Alegrete: a presença de imigrantes e estrangeiros (1897-1929)” destaca-se o quadro com os nomes dos operários que fizeram parte da “direção” das organizações operárias da cidade de Alegrete entre os anos de 1897 e 1929. Identificamos duas gerações de “dirigentes” do movimento operário. Um primeiro grupo, ou geração, vai de 1897 a 1915 e a outra geração de 1915 a 1929. Ao total são 55 nomes de “dirigentes” sendo que da primeira “geração” são 28. Para esse artigo elaborou-se um quadro com os nomes dos operários que fizeram parte da “primeira geração” dos dirigentes das entidades de trabalhadores, destacando-se, em negrito, os nomes que foram encontrados em diversas fontes e que estavam envolvidos na “grande política” na transição do Império para a República.O quadro, publicado como magem em anexo ao texto, apresenta o nome dos líderes operários e o ano em que seu nome figura na diretoria das associações operárias.

 

4.2 “Operários” alegretenses na transição dos regimes

Analisando a conjuntura de transição do Império para a República, identificou-se a presença de alguns dirigentes do movimento operário no final da década de 1890 em acontecimentos políticos desse período. Em 1881 Lúcio Adão Krug e João Pedro Krug figuram entre os Conselheiros que assumem o Conselho Municipal de Alegrete. Em 1882 Lucio Adão Krug é presidente do Conselho. Prestam juramento para o quatriênio de 1883-1887, além de sete conselheiros, entre eles Lucio Adão Krug e Eduardo Mallman. Em 1883 o juiz de Paz do 1º Distrito era Luiz Adão Krug. Em 1884 Pedro Antero Krug era nomeado segundo suplente do juízo municipal e de órfãos do segundo distrito. No juramento do Conselho em 1887 estavam Eduardo Mallman e Luiz Laydner Sobrinho. Eduardo Mallman e Lucio Adão Krug estão presentes na origem do Partido Republicano Rio-grandense, em 1882, em Alegrete. Os mesmos são eleitos Conselheiros municipais no final do Império. Em 1891 Germano Bohngahren foi nomeado membro da Junta Municipal por ato do presidente do Estado (Gal. de divisão Cândido José da Costa). Durante os fatos que se seguiram, logo após a proclamação da República, Lúcio Adão Krug figurava entre os conselheiros municipais (hoje vereadores) (ARAÚJO FILHO, p.67). Na Junta Municipal, que teria o papel de preparar a transição política da monarquia para a República, dentre os componentes da Junta estava Jorge Felipe Krug (ARAUJO FILHO, p.71). No Relatório da Junta Revolucionária de 11 de novembro de 1891aparecem as ações dessa Junta, assim resumido: Resolve “Elevar o cidadão Manoel de Freitas Valle Filho ao posto de tenente coronel, comandante do Batalhão de Patriotas do Comércio desta cidade.” Para Capitão Comandante de Companhia Eduardo Mallman, para Alferes Felisbino Antunes Maciel e para o Batalhão Patriota do Comércio, Capitão ajudante João Tillet e Alferes quartel Mestre Fredolino Prunes. Em suas “memórias” (PRUNES, 2001, p.45) José Fredolino Prunes relata aspectos da profissão de gráficos e da dissidência republicana em Alegrete no início da República. Nas memórias de Fredolino, ele seu pai, José Celestino, e seu irmão Lourenço faziam a composição do jornal Gazeta de Alegrete, os três como empregados, e recebiam uma remuneração que mal dava pra comprar os alimentos necessários para subsistir, ainda que atrasasse o pagamento numa caderneta em um comércio. Fredolino escreve que a crise no Partido Republicano se deu por motivos relacionados à escolha dos candidatos para a Constituinte (PRUNES, p.45). Organizou-se a dissidência republicana chefiada por Demétrio Ribeiro, Antão de Farias e Barros Cassal. A dissidência influiu diretamente no espírito do redator do jornal Gazeta de Alegrete, José Celestino Prunes (pai de Fredolino).Também contribuiu para isso o fato de seu cunhado, João Tillet, que era guarda-livros da firma Freitas Valle e Cia (de Manoel de Freitas Valle) ter aderido a dissidencia. João Tillet era cunhado de Demétrio Ribeiro e irmão da mãe de Fredolino Prunes. Avolumou-se a corrente demetrista. Iniciando-se a Revolução Federalista, a maioria da dissidência aderiu à Revolução (PRUNES, p.45). José Fredolino Prunes narra assim a participação dos Prunes na Revolução de 1893: “Alegretenses da classe média e mesmo de classes mais humildes juntaram-se a revolução. Eu e meu irmão Lourenço, na iminência de sofrer agressões, apesar dos rogos e lágrimas de nossa mãe, acompanhamos os dissidentes republicanos, aos quais se ligara meu pai. E assim seguimos para a revolução, servindo-se Lourenço de um cavalo que possuía, tendo por arreios uma sela, e vestindo ele próprio uma blusa de brim, calças e pala de lã. Consegui arreios e protegia-me com um poncho de pano, o qual me abrigava durante o sono. (...) e seguimos a percorrer as coxilhas com um bando armado, sofrendo desde o primeiro dia toda sorte de sacrifícios, penúrias e mais um rosário de coisas incríveis”(PRUNES, p.45). Eduardo Mallman e outros passaram pelo PRR e foram para a dissidência, depois formaram o Partido Socialista e organizaram a Associação Operária Mútua Proteção. Fredolino Prunes ao que tudo indica tem o início de sua trajetória como a de Mallman, também vai pra dissidência, ajuda a organizar os trabalhadores em Quaraí e retorna pro PRR. Nas páginas do Jornal Social, fica evidente a disputa entre o Social e a Gazeta de Alegrete, Mallman e Olavo Cabral contra Celestino Prunes, Fredolino e o promotor Adelio Nogueira. É interessante a manifestação de Olavo Cabral nas páginas do Social sobre a acusação dos castilhistas imputada aos socialistas da Mútua Proteção: “Afirma –cynismo! – que trata-se na S.O (Sociedade Operária) de simples exploração para engrossar fileiras do gasparismo, do cassalismo, ou de outros caprichos pessoais”. Diz Olavo Cabral: “Protesto contra infundada acusação. Jamais se trata na Mutua Proteção de interesses opostos a classe trabalhadora” (CABRAL, 1899, p. 03). Olavo Cabral diz que os primeiros convites para as primeiras reuniões para organizar os trabalhadores em Alegrete foram feitas pelos socialistas, e que na Mutua Proteção não tem somente socialistas, mas que os elementos mais esclarecidos o são (CORREA,2009, p.130). No processo movido pela Promotoria contra Mallman e o Social o advogado de Mallman é João de Barros Cassal. No Júri em Alegrete em 1899 aconteceu um tiroteio e algumas pessoas morreram (CORREA,2009, p. 130).

 

5. Considerações Finais

Pelos acontecimentos narrados é possível concordar em parte com Adhemar Lourenço da Silva Junior quando ele afirma que toda oposição ao castilhismo era absorvida pelos federalistas. Isso ficou demonstrado no caso de Alegrete, entre 1897 e 1899, na disputa política travada entre o Social e a Mutua Proteção contra a Intendência e a Promotoria. Foi possível identificar no mínimo seis “dirigentes” operários que vieram da dissidência republicana. De acordo com o que foi exposto, o presidente da Mutua Proteção, Jorge Felippe Krug, abandonou os “velhos partidos tradicionais” e passou para o socialismo. Isso mostra que a “referência política” dos operários organizados na Mútua Proteção era um militante pertencente ao grupo dos dissidentes (demetristas/casalistas).Como afirmou Beatriz Ana Loner para os casos de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, em Alegrete ficaram demonstrados que alguns dirigentes do movimento operário e do socialismo alegretense passaram por um “estágio” na grande política e se “desiludiram” com a República. Como escreveu Francisco Ricardo Rudiger ( 1991 ) para Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, onde ele afirma que a “Revolução Federalista” foi um acontecimento que influenciou o “nascimento” da classe operária no Rio Grande do Sul, isso pode ser afirmado também para Alegrete, onde a ação de militantes operários advindos do Demetrismo e do Cassalismo construiu o movimento operário na cidade. Quando o militante socialista, professor Olavo Cabral, afirma que na Mútua Proteção não existem somente socialistas, mas que os elementos mais “lúcidos” o são, será que entre estes não estão Eduardo Mallman, Jorge Felippe Krug e outros que vieram da dissidência republicana, ou seja, das fileiras dos federalistas? Assim como alguns militantes que vieram da dissidência e organizaram o movimento operário em Alegrete (e em Quaraí) ficaram na oposição ao castilhismo, temos o exemplo de Fredolino Prunes que retorna ao seio do PRR.

Referências

CORRÊA, Anderson Romário Pereira .Movimento Operário em Alegrete: a presença de imigrantes e estrangeiros (1897-1929). Dissertação de mestrado. Porto Alegre: PUCRS, 2009.

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Intendência de Alegrete. Relatório circunstanciado de todos os atos administrativos da Junta Revolucionária de 11 de novembro de 1891.

FLORES PINTO, Paulo Estivelet (Org). Ideias Políticas de Demétrio Ribeiro. Porto Alegre: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, CORAG, Letra & Vida,2011.

FRANCO, Sergio da Costa. O Partido Federalista. In: República Velha (1889-1930). Passo Fundo. Meritos, 2007. V.3.t.1.

FRANCO, Sergio da Costa. (Org.) Dicionário Político do Rio Grande do Sul (1821-1937). Porto Alegre: Suliani Letras & Vida, 2010.

LONER, Beatriz Ana. O Movimento Operário.In: República Velha (1889-1930). Passo Fundo: Méritos, 2007.v.3 t 1. (Coleção História Geral do Rio Grande do Sul)

LONER, Beatriz. Anos 90. Porto Alegre, v. 17, n. 31, p. 111-143, jul. 2010 LOVE, Joseph. O Regionalismo Gaúcho. Editora Perspectiva, SP. 1986.

PRUNES, José Fredolino. Notas para a história da imprensa na Fronteira do Rio Grande do Sul. In: MARÇAL, João Batista. “Gazeta de Alegrete”, os Prunes e seus Jornais. Contribuição para história da imprensa no RGS. Porto Alegre, 2001. Acervo particular de João Batista Marçal.

RUDIGER, Francisco Ricardo. O proletariado gaúcho e a Revolução Federalista. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v.XVII,n.1, p.37-46, julho, 1991.

SILVA JR, Adhemar Lourenço da. A Bipolaridade Política Rio-grandense e o Movimento Operário (188?-1925). Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXII, n.2,p.5-26, dezembro 1996.

THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária. Rio de Janeiro. Paz e Terra.1987.

Fontes primárias

CABRAL, Olavo. De uma vez por todas! SOCIAL, 10/09/1899. p.03

CLUBE REPUBLICANO DE ALEGRETE. Livro Atas. 1882. (Arquivo Histórico do rio Grande do Sul)

CONSELHO MUNICIPAL DE ALEGRETE, Livro de Juramentos de Posse dos Conselheiros. Ano 1887. (Arquivo Histórico da Câmara de Vereadores de Alegrete)

Processo Crime: 3337; 1º Cível e Crime Alegrete. Maço: 103; Estante: 69; Ano: 1899. Autor: A Justiça; Réu: Eduardo Mallmann. (APERGS).

RELATÓRIO DA JUNTA REVOLUCIONÁRIA, Alegrete, Janeiro de 1892. (Arquivo Histórico do rio Grande do Sul)






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