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Sobre História
História, memória e historiografia.

Alegrete e a Revolução Farroupilha: entrevista com Moacyr Flores.

Acervo pessoal de Anderson R. P. Corrêa.

O Historiador Moacyr Flores logo após a entrevista.

Entrevista gravada com o Prof. Dr. Moacyr Flores, por Anderson Romário Pereira Corrêa e Milena de Souza da Silva. A entrevista aconteceu no Gabinete de Pesquisas de Moacyr Flores no Pós-Graduação da PUCRS, no dia 28 de agosto de 2007. O assunto abordado na entrevista foi: O Alegrete e a Revolução Farroupilha e a cultura gaúcha (História e mito).

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Por Anderson Romário Pereira Corrêa.
Alegrete, 11 de setembro de 2009.
Hoje completam-se 173 anos da proclamação da República Rio-grandense.

Pergunta Anderson: Considerando que a cidade de Alegrete, comemora os 150 anos de emancipação política, qual relação o senhor destaca entre a Revolução Farroupilha e o Alegrete? Resposta do Prof. Moacyr Flores: A participação de Alegrete é como terceira Capital, quando a Revolução já estava no fim, quando ela já estava em decadência, porque ela começa entrar em declínio em 1839.Aí é uma questão de fazer a anistia. Não houve tratado de paz nenhum, apenas a anistia.
Alegrete então é a última capital e onde vai acontecer a Assembléia Constituinte. Nessa Assembléia Constituinte vai haver um choque entre os exaltados chamados farroupilhas, o outro grupo de moderados,chefiado por Bento Gonçalves da Silva.
Na realidade Bento Gonçalves não queria a Constituição, tanto é que ele protelou a reunião da Câmara dos Deputados dizendo que tinha que reformar a casa; pintar a casa.. Até que os Deputados resolveram entrar e fazer a Assembléia. Bento, então, resolveu colocar as tropas do exército junto à Assembléia. Os deputados protestaram, dizendo que isso aí era um abuso do poder. Bento disse que não, que era para defender a liberdade de discussão. Na realidade ele não queria dividir o poder. O projeto de constituição, um projeto liberal avançado para a época, em que existiria o controle do poder executivo através do legislativo. Portanto, o presidente o Bento Gonçalves, na época, perderia seus poderes discricionários, e isso ele não pretendia. O bloco que quer e defende essas mudanças todas é dos farroupilhas, dos exaltados que é o Paulino da Fontoura, ameaçado de morte. Os deputados que apóiam Paulino também se retiram e quando estão tomando um chimarrão, a tropa do exército entra no pátio e atropela os que estão chimarreando. Eles sem garantia de vida, sem fazer as reuniões, se retiram da Assembléia e com isso, não se discute mais o Projeto de Constituição.
P. Anderson: Tem alguma coisa a ver com a morte de Paulino?
R. Moacyr Flores: Claro que tem que ver com a morte de Paulino, porque como ele era o mais exaltado e inimigo pessoal de Bento Gonçalves. Antes da revolução os dois já eram inimigos,. Então o Paulino é atacado, no meio da rua, em frente a casa dele. Ele é socorrido por escravos (isso é interessante), são os escravos que vem e socorrem-no, e também correm com os assassinos e vem a morrer devido aos seus ferimentos.
O Onofre Pires da Silveira Canto, que era primo de Bento Gonçalves, e também fazia parte da oposição – oposição á Bento Gonçalves- desafia Bento. Chama o Bento Gonçalves de ladrão da honra e ladrão da pátria por ter traído os princípios liberais. Lemos toda a carta de Onofre Pires, nós vemos que ele está chamando de ladrão da honra e ladrão da pátria, de ter traído os princípios políticos revolucionários. Não por roubo de gado, roubo de cavalo, nada disso,bem clara a carta do Onofre Pires que era alfabetizado (tem um grupo que diz que ele era analfabeto, não era não). O Onofre Pires era alfabetizado. Era primo do Bento, portanto, conhecia bem o Bento. Os dois vão duelar e o Onofre Pires termina morrendo de gangrena. Nada daquilo de que estava arrependido e que Bento o deixou sangrar. Nada disso, ele morreu de gangrena. Aqui na época, por motivo dos ferimentos, a maioria morria porque não havia antisséptico. A morte por gangrena era quase certa, por quem tivesse ferido em combate ou com arma, seja lá qual for.
P. Anderson: Sobre a Constituição que seria votada em Alegrete?
R. Moacyr Flores: A Constituição ficou apenas no projeto, não chegou a ser plenamente discutida. É uma pena, porque ela tem alguns princípios interessantes. Mas ela manteve a escravidão porque fala em cidadãos livres. Se fala em cidadãos livres é porque haveria escravos. E outra coisa, quando ela fala de quem vota, dá a idade , dá o sexo masculino e também diz: os cidadãos livres. Portanto, está se estabelecendo uma categoria de livres, porque existe uma de escravos. Depois vem lá: que escravos menores não votam; libertos não votam, portanto é um projeto de constituição que mantém a escravidão. O interessante são as atribuições ao Poder Legislativo e o medo, que a gente nota nos artigos, da ditadura do Poder Executivo. E me parece que essa luta continua até hoje, o que nós temos no Brasil, na realidade é um choque entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo. È o que vem acontecendo até hoje, começou em 1823 e continua até hoje. A gente vê que é a maneira que o executivo tem de se manter ...Agora estão aí, com medidas provisórias. Mas medidas provisórias isso aí deveria ser a medida exclusiva do legislativo e não do executivo. Então, me parece que ainda não conseguimos separar politicamente as atribuições do legislativo e do executivo.Para mim toda a origem do conflito político no Brasil, e o fato de não termos partido político até hoje, o que nós temos são grupos de interesses, que jogam entre o executivo e o legislativo.
P. Anderson: Existia relação entre os republicanos “gaúchos” com os republicanos platinos (Prata)?
R. Moacyr Flores: A Revolução está dentro de todas aquelas revoluções que estão acontecendo no mundo inteiro. É uma revolução liberal. Agora, é evidente que revolucionários platinos ingressam do lado farroupilha e ingressam do lado imperial; que ambos utilizaram platinos na luta. Mas isso não quer dizer que tenham uma orientação política platina. Eles precisavam de acordo com Rivera com Oribe, por causa do porto de Montevidéu. Então eles têm que estabelecer uma relação. Foi muito difícil a relação com Oribe, porque ele seguia mais as proibições do Império enquanto que o Rivera fazia jogo duplo. Rivera assinou quatro tratados com a República, mas também aceitou dinheiro do Império para perseguir e não dar guarida aos revolucionários. Eu diria assim: que há apenas uma coexistência entre fronteiras, não chega a ser uma influencia, agora as idéias liberais são as mesma no Uruguai, na Argentina, no Brasil, na França, na Inglaterra, elas são de todo o mundo. Elas não são produzidas aqui nem no Uruguai, são produzidas no mundo inteiro.
P. Anderson: Existiu a participação de imigrantes na Revolução Farroupilha (em Alegrete), ...algum inglês, italiano? Por Alegrete ser capital farroupilha?
R. Moacyr Flores: Olha, assim especificamente na cidade não sei, mas na Revolução sim. Há um bando de mercenários lá em Montevidéu, que se empregam tanto de um lado, quanto do outro, e nós vamos ter do lado farroupilha até 39, um mercenário que só deu prejuízo a Revolução, que foi Joseph Garibaldi. Inclusive existe documentação histórica que mostra que no ataque de São José do Norte, Garibaldi que estava encarregado de atacar a sexta trincheira, vergonhosamente fugiu, e isso, é um ofício do Bento Gonçalves da Silva. Então, ele só deu prejuízo, só perdeu aqui. Há mercenários argentinos, uruguaios, tanto dum lado quanto do outro, imigrantes alemães, que lutam do lado imperial, do lado farroupilha. (Alguns engajados a força)
P. Anderson: Para concluir, fale sobre “Mito e História” na Revolução Farroupilha.
R. Moacyr Flores: Bom, hoje a Revolução Farroupilha, é um verdadeiro mito. Passa a ser uma identidade, um testemunho da criação de uma identidade Riograndense. Então, hoje, todo mundo é farroupilha, quando que na época, era uma minoria revolucionária. Cidades como Porto Alegre, Rio Pardo, Pelotas, Rio Grande, Caçapava (que foi a segunda capital), eram anti-farroupilha. Os primeiros a lutarem contra os farrapos foram os próprios riograndenses. Criou-se um mito que eles lutaram por causa do charque, (isso é uma besteira sem tamanho). Lutaram por idéias e lutaram pelo poder. É um grupo de fazendeiros, grandes comerciantes e oficiais superiores que querem ocupar o poder. O poder era sempre nomeado pela Coroa (Rio de Janeiro – Corte), agora o Rio Grande do Sul possuía uma certa autonomia econômica, mas não tinha autonomia política. Naquela época estava separado pela própria geografia, então, ele tinha que se formar sozinho e durante toda a sua formação, conflitos com os castelhanos. No dizer do Bento Gonçalves, o Rio Grande do Sul era um acampamento militar. Toda a população andava armada e era convocada desde os catorze anos até os sessenta anos para combate. Então, isso aí, vai até a guerra do Paraguai, 80% da cavalaria que lutou lá foi riograndense. O maior comandante é o Osório, o grande soldado, o grande mentor, estrategista é o Osório e que comanda os riograndenses. Claro que tem outros no meio, baianos, há outros voluntários da pátria aí no meio, mas 80% são riograndenses.
Então, no Rio Grande do Sul desde o início, se formou uma sociedade inculta: não tinha teatro, não tinha jornais... Era uma sociedade rústica, a casa muito pobre, mesmo o grande proprietário tinha uma casa muito rústica, com pouco recurso, móveis quase nenhum É só a gente olhar a relação dos testamentos que se vê. Assim nós vemos a pobreza destes grandes proprietários de terra. A pobreza no sentido de mobiliário, até de indumentária. A riqueza era a terra, a quantidade de gado e escravos. Isso era a riqueza. Agora, não havia conforto, não havia escola. Criou-se aqui uma sociedade que praticamente não tinha igrejas.
Lá no século XVIII nós tínhamos uma igrejinha em Viamão e outra em Rio Grande. A parte da moral, da ética que a religião passa, essas pessoas ficaram sem. Muitos viviam a vida inteira sem ir a um ritual religioso, só se sabia que ele existia porque morria, aí tinha que fazer o óbito, os policiais era quem comunicavam o óbito, para ser registrado no livro da igreja.
Então, é um a sociedade que não tem conventos e seminários onde se estudava na época. Uma sociedade muito rústica, e como ela é mobilizada constantemente contra os castelhanos, ela banalizou a morte. É uma sociedade violenta, nada disso de brasileiro bonzinho, a própria Revolução Farroupilha, não é isso que vemos no dia 20 de setembro. Esse desfile, com carro alegórico, aqui em Porto Alegre, está se transformando em escola de samba. Não foi nada disso, houve muita degola, com mortes, com prisões. O que o pessoal não se dá conta, e eu acho incrível, é que nós festejarmos uma revolução, quando nós deveríamos estar festejando a paz. O massacre que houve das populações, e os que mais sofreram com a violência foram as mulheres, que eram as primeiras, a serem violentadas, a serem raptadas, e que isso não é contado. Os nossos poetas, exaltam o heroísmo quando na realidade é pura pilhagem. Da própria estrutura da sociedade, a estrutura social levava a isso.
Pergunta de Milena de Souza da Silva: O senhor poderia falar da construção da imagem do “gaúcho”?
Resposta de Moacyr Flores: Bom esta construção é feita por poetas, romancistas, e que foge da realidade. Ela começa a ser construída em 1877 com Oliveira Belo, com o romance Os Farrapos e que vai transformar o gaúcho em herói. O romantismo europeu buscou fazer na história da Idade Média, no gótico.Como nós não tivemos idade média ...E agora como é que vamos fazer uma história de cavaleiros andantes de Távola Redonda, se nós não temos a Idade Média ? José de Alencar, descobriu o índio que não existia mais no Rio de Janeiro e em São Paulo, e criou o romance . Agora, aqui no Rio Grande do Sul, o Oliveira Belo não podia fazer romance de índio, porque o índio era o peão de estância, o domador, o tropeiro, o soldado. O índio existia aqui, ele não foi massacrado, como contam, ele se incorporou à população.Tanto é que os topônimos do Rio Grande do Sul e do Uruguai, da Argentina e do Paraguai, são todos em guarani. E dados por quem? Pelos campeiros que eram guaranis.
Então ele não podia botar um índio como herói, aí se descobriu o seguinte, que não existia mais, o gaúcho, que o gaúcho terminou com a Guerra do Paraguai. Ele foi levado como voluntário, acorrentado mas foi, voluntariamente para o Paraguai. E também o próprio sistema no campo está mudando, agora, está chegando o brete, o arame fazendo os corredores da estrada. Não dá mais para o indivíduo ficar vagabundeando no campo, camperiando aí, ele agora, tem que entrar no corredor, na estrada e ele é identificado. Então, para onde vai esse gaúcho, ele terminou indo para a Guerra do Paraguai, e ele terminou indo para os núcleos urbanos, ele vai formar a população pobre dos núcleos urbanos. Como não tem mais o gaúcho em 1877, e ele andava a cavalo como o cavaleiro andante, então, o quê que fazem os nossos românticos? Pegam aqueles itens do romance de cavalaria e botam no gaúcho. O gaúcho deixa de ser incultos, e passa até a filosofar. Ele passa a ser transformado dentro princípios do romantismo europeu. Assim como José de Alencar, criou um índio que nunca existiu, aqui nós criamos um gaúcho que nunca existiu.
O verdadeiro gaúcho não foi colocado na Literatura, porque este era o bandido, era o marginal, era o ladrão. Então se criou um gaúcho literário, vamos dizer assim, que depois é desenvolvido por João Cenzimbra Jacques, após a nossa sangrenta revolução de 93 a 95, que acharam que tinham que unir o gaúcho. Como unir esse riograndense? Através de uma identidade. Com uma identidade criada, e essa identidade não foi real.... porque se ela fosse real, só os descendentes é que se identificariam. E então ela tem que ser uma identidade, irreal, com arquéticos universais: coragem , ...que a gente vê em todos os livros didáticos. E aí então, um italiano, que nunca teve vida de gaúcho, veste a fantasia do gaúcho, do alemão, e assim vai. Essa criação do gaúcho ela também tem um objetivo, que é o de unir a cultura no Rio Grande do Sul, porque o Rio Grande do Sul é um verdadeiro mosaico cultural, eu acho isso fabuloso. Eu sou contra a gauchização, eu creio que nós temos que preservar a nossa diversidade cultural. Inclusive para fins turísticos. Imagina o indivíduo visita todo o Rio Grande do Sul e só vê churrasco, chimarrão, gaúcho, bombacha e dança do pezinho e do facão, mas o que é isso, perdemos toda a tradição, das culturas. Então, este gauchismo que surge também com o objetivo de dar uma uniformidade ao Rio Grande do Sul de unir as divergências oriundas lá das divergências de 1893 e 1895.
P.Milena: O senhor acha que existiu o gaúcho? Que gaúcho?
R. Moacyr Flores: São dois gaúchos, que eu digo que seriam: um gaúcho histórico, bandido, ladrão, que vivia da pilhagem e que só tinha trabalho no período de safra. Que vai de novembro a março na campanha. O restante do ano, ele tinha que gauderiar porque não tinha trabalho. Porque que ele tinha trabalho neste período? Porque o trabalho de campo era feito em campo aberto, o rodeio era em campo aberto. Tinha que transportar o gado a pé, precisava de muita mão de obra, e era contratada neste período. Terminada a safra, ele não tinha emprego. Agora, quando se modifica a estrutura da pecuária, que vai ter brete, que vai ter os corredores, as mangueiras, os banheiros, enfim, muda a tecnologia, então, a mão de obra é dispensada. Esse gaúcho desaparece ....nem na safra tem mais trabalho, e depois o trem vai liquidar com o tropeiro, não se vê mais tropa, ....vem de Alegrete, Bagé, aquela zona, o trem vai direto para Pelotas, ou então, o trem saía dali do Santana do Livramento, do Swift Armour..., direto para Montevidéu, então, não há mais a necessidade do tropeiro.
P. Milena: E a respeito das bombachas?
R. Moacyr Flores: A bombacha surge na guerra do Paraguai. Ela era o uniforme da cavalaria brasileira, e quando eles dão baixa, já que 80% da cavalaria é do Rio Grande do Sul, eles trazem a bombacha para o Rio Grande do Sul. Ela surgiu como o uniforme da Guerra do Paraguai, antes não tem bombacha. É a ceroula com renda de crivo, ... e um chiripá ... tipo minissaia, não é o fraldão aquele, é uma saia enrolada nos quadris. Isso era a indumentária.
Nós temos que estabelecer diferença entre história e memória. A memória é uma recriação do passado, no caso esse gaúcho de CTG, gaúcho literário, ele é uma recriação. Então o quê que se faz?!!! Como temos conhecimento do contexto histórico, e a História não nos serve, a memória começa a embelezar o passado. A memória idealiza o passado, porque este passado vai ser um símbolo, uma entidade, então, ele tem que sair idealizado dentro dos arquétipos universais.

Anderson e Milena: Muito obrigado!






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