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ISSN 0033-1983
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Teoria texto no formato acadêmico
O jornalismo econômico como porta-voz do capital financeiro
| Época Negócios
A maior parte dos grandes veículos, estando na forma de propriedade cruzada ou composição acionária, além de liderar o respectivo oligopólio de mídia em seus países ou regiões, também são subsidiários diretos ou indiretos de conglomerados com elevados investimentos de risco na ciranda financeira.
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21 de setembro, a oito mãos de São Leopoldo a Maceió, Bruno Lima Rocha, Ana Maria Rosa, Alexon Gabriel e Rafael Cavalcanti
Este trabalho desenvolve a análise da relação entre a suposta crise da Zona do Euro e a cobertura midiática que a precede e acompanha. Verifica que o jornalismo econômico participa dos interesses não apenas das empresas de mídia, mas também dos agentes econômicos mundiais que participam dessa e de outras construções premeditadas. Dessa forma, argumenta-se que a ausência da ética iluminista e republicana do jornalismo é a balizadora ao revés dessas ações, já que a profissão de trabalhar com a informação é facilitadora das relações assimétricas, prejudicando assim os direitos da cidadania e da democracia mesmo em sua forma burguesa e representativa. A cobertura especializada torna-se, portanto, um porta-voz oficioso de ações premeditadas, delinquindo dentro das regras do sistema e transferindo renda dos Estados para os operadores financeiros em uma escala planetária.
O artigo foi publicado na Revista de Economia Política das Tecnologias da Informação e da Comunicação (Eptic), Vol XIII, n.1, Ene. – Abril de 2011. enviar imprimir Introdução
Criticar a cobertura midiática supostamente especializada da economia não é um debate novo. O tema é algo redundante, justamente em função disso mostrando-se relevante para os investigadores da comunicação social. Também não é novidade o uso de eufemismos e do emprego do jargão “técnico” como forma de mascaramento de situações factuais dos agentes econômicos.
Em se tratando de grandes investidores de base especulativa, comprando, vendendo e repassando produtos financeiros, muitas das vezes aquilo que é midiatizado encobre a ocorrência de atos criminosos. Neste texto, é abordado esse cruzamento, quando a produção de sentido gerada através do noticiário de economia naturaliza, mascara ou alivia a letalidade dos atos de especuladores de distintas ordens de grandeza e os efeitos que causam no cotidiano de populações inteiras, tal é o caso hoje dos mais de 10 milhões de cidadãos gregos dentre outras economias européias.
Como hipótese, aponta-se que a maior parte da cobertura jornalística em economia oficia mais como porta-voz do capital financeiro do que como intérprete de seu acionar. E, por optar pela angulação da cumplicidade, os especialistas, colunistas e fontes da indústria da comunicação quase nunca explicitam questões que seriam indiscutivelmente importantes para a compreensão, por parte da população em geral, dos bastidores de lutas por poder e capital articulados em larga escala.
A contrapartida é desigual. Por vezes, a teoria da brecha jornalística se evidencia nas exceções. É quando especialistas que trabalham através da angulação crítica expõem seus pontos de vista, denunciando através de uma base factual irrefutável, a ação dos agentes econômico-financeiros – que, apesar de implicar no desenvolvimento global das sociedades humanas - é baseada em questões individualistas.
Capitalismo, especulação e mídia
Em tese, o ato de especular deriva das informações fragmentadas e do risco. Desse modo, um gerente de operações de um Fundo de Investimento (hedge fund) teria a capacidade de antecipação, vendendo títulos e ações na alta e comprando-os na baixa. Nesse jogo, a aleatoriedade é a regra para evitar as fraudes. Logo, o acionar fraudulento é a combinação de vendas e compras em conjunto, manipulando o chamado comportamento de manada, quando, em tese, todos os investidores se moveriam na mesma direção.
Além da conspiração, há outras formas típicas de burlar as regras, tais como: obter informação privilegiada (inside information), antecipando-se aos demais especuladores; “maquiar” balanços de modo a elevar a apreciação dos papéis; rebaixar propositadamente os títulos de um país de maneira que custe mais caro para o Estado financiar sua dívida de curto prazo; negociar de forma “exposta”, quando a capacidade de pagamentos está comprometida a ponto de não realizar-se. Todas estas “técnicas” de enriquecimento ilícito são amplamente praticadas e, por sua vez, quase nada midiatizadas. Em contrapartida, o tipo-ideal de democracia advogado pelas mídias, é outro:
Normativamente, no contexto dos modelos deliberativo e participativo de democracia, os cidadãos devem dispor de informações abrangentes e aprofundadas sobre as políticas advogadas pelos diversos setores da sociedade para que sejam capazes de formar opiniões refletidas, sem as quais não estarão aptos às funções que deles se exigem nas esferas de participação e deliberação política. Esta crença constrói-se em oposição aos modelos procedimental e competitivo de democracia. (ROTHBERG, 2008, p. 1047).
Surge, pois um paradoxo. É interessante avaliarmos que a intenção do jornalista, ao divulgar informações do contexto econômico mundial, pode ser tanto cidadã quanto ilusória, no sentido de dar as informações necessárias para que o grande público alcance o significado do que está sendo tratado ou não. Através das discussões sobre objetividade, muitas vezes a imprensa se esconde de seu papel de transformadora social. Conforme colocado por KUCINSKI (2007, p. 174),
O jornalista tornou-se um dos principais agentes da democracia, cabendo a ele revelar segredos do poder, informar, educar e esclarecer a população e, portanto, contribuir para a construção da cidadania e do exercício dos direitos civis. [...] A adesão a essa ética pode se dar de vários modos [...]. Não é preciso acreditar numa virtuosidade suprema da democracia liberal como sistema político para aderir com sinceridade à ética do jornalismo liberal, pois basta acreditar na virtuosidade do processo de luta pela justiça e pela cidadania, que se dá no marco das democracias. Nesse processo, o jornalismo é uma atividade nobre e essencial.
A busca desta virtude passa por tanto, pelo explicitar de processos complexos, justo o oposto do que vem se dando na cobertura da “crise”. Para quem não se recorda, a primeira crise do Euro tem sua origem no acionar fraudulento das vendas e revendas, em escala mundial (LIMA ROCHA, 2010c) dos ativos tóxicos ou sub-primes. Estes “produtos” financeiros nada mais são do que carteiras de hipotecas cujos titulares estão inadimplentes e não poderiam pagar. As duplicatas destas carteiras sem lastro, empacotadas como “produtos de risco”, foram (e são) comercializadas mundialmente, e quase sem nenhum controle. Ora, se na base não há lastro, logo não há dinheiro para remunerar. Isso é classicamente conhecido como Esquema Ponzi (LIMA ROCHA, 2010b), e também chamado nos termos contemporâneos de pirâmide ou corrente.
A hipótese de ato criminoso levando ao “estouro” da bolha imobiliária que levara à crise do capitalismo em geral, da economia estadunidense primeiro e hoje da Zona do Euro, é compartilhada por diversos especialistas. Houve dezenas de profissionais difundindo essa angulação, o que poderia haver rendido centenas de reportagens investigativas caso houvesse interesse. Estes seriam textos de primazia exemplar, como as matérias clássicas dos jornalistas americanos Bob Woodward e Carl Bernstein na cobertura do escândalo do edifício Watergate (HARRY RAMSON CENTER).
Novamente questiona-se: por que os diversos veículos, espalhados por todos os rincões do mundo, não efetivaram uma cobertura que estava tão aparente diante de si? Para que se compreenda o funcionamento da cobertura da economia mundial pela mídia, é preciso que se avalie que a mídia é também um sistema que recobre o planeta, com ligações políticas e econômicas tecendo uma rede de trocas entre as diversas empresas que atuam nesse campo. Enumerando apenas o topo dos problemas que emergem dessa rede de relações, pode-se dizer que os principais assuntos vinculados à cobertura econômica são tratados quase que exclusivamente pelas agências internacionais. E como se sabe:
[...] a história das grandes agências coincide com a própria história dos impérios econômicos. Seus canais eram os mesmos canais dos imperialismos. Foram braços importantes de informação desses impérios. A Reuters fez durante muito tempo espionagem para o Império Britânico e recebeu da Coroa Britânica o privilégio de acesso a toda a correspondência entre a chancelaria e a sua possessão na Índia. Hoje, cada grande agência forma um sistema industrial avançado que recobre e reproduz no campo das comunicações a multinacionalização e a concentração de capital características da expansão das multinacionais. Reproduzem, também, a relação assimétrica centro-periferia e disseminam padrões de pensamento, valores culturais e codificações ou formas de representação da realidade. (KUCINSKI, op.cit., p. 160).
Qualquer operador ou analista sabe que, quando há informação perfeita, não pode haver equívoco no erro e sim premeditação. Por isto discordamos da denominação de “crise” para a mega estafa oriunda do estouro da “bolha” dos sub-primes, também chamados de ativos tóxicos, resultado de carteira de hipotecas de bens imobiliários residenciais e que, supostamente, estariam securitizadas. Esta tese é corroborada pelo francês Jean-François Gayraud (LIMA ROCHA, 2010a), comissário divisional para crimes financeiros (equivale ao posto de coronel) da Direction de La Surveillance Du Territoire (DST), a agência de contra-espionagem da França. Gayraud sustenta que a “crise” da bolha estadunidense foi um ato criminoso de empresas especuladoras (LA CONTRA, 2008).
Assim a possível fonte explicativa para investigar e denunciar mundialmente o crime da maior transferência de renda coletiva para cofres privados foi enunciada num conglomerado midiático e, logo após, posta ao léu, no limbo das pautas inconclusas. É a própria indústria da mídia que amortece a possível ira popular diante da ação cúmplice, entre mandantes de governos em função-chave e criminosos de colarinho branco operando com a especulação fraudulenta.
A chamada crise do Euro, como moeda da Comunidade Européia unificada e cujas bases de funcionamento são interdependentes, não foi fruto de uma marcha inexorável da economia, nem ciclos de crise e recomposição e tampouco de nenhuma outra pressuposição determinista. Os fatos geradores dessa ação de crime contra as estruturas societárias (NAVARRO, 2010) da Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Islândia, dentre outros países que ainda estão por vir, foi o acionar premeditado de mega-investidores, sua legitimação pela mídia que os acoberta e a “moldura” de apreciação mentirosa de empresas de auditoria e análise de risco (SANTINI 2010).
Informação reservada e informação para as maiorias
É importante para os cientistas da Comunicação que avaliem o quanto responsável também é a cobertura midiática, no sentido de omitir, desinformar, não informar, confundir, criar narrativas de tipo estória-cobertura, desconectando relações de força de extrema importância, fundamentais para a compreensão das questões-chave dos mecanismos de dominação capitalista em sua etapa financeira à margem do conhecimento da maioria da população mundial. A ausência de notícias esclarecedoras impede que a sociedade tome por reais eventos que lhe são pertinentes em virtude da invisibilidade midiática, prejudicando assim a dinâmica social.
De acordo com Bolaño, pode-se afirmar que as contradições inerentes à forma capitalista da informação se condensam sob o binômio informação reservada/informação para a massa, utilizado como instrumento de dominação no sentido técnico do termo.
Do ponto de vista do capital, o primeiro lado engloba tanto a informação diretamente relacionada ao processo de produção quanto a voltada para as estratégias do capital individual perante os demais capitais individuais no que se refere ao domínio do conhecimento técnico e do conhecimento sobre as condições conjunturais gerais que afetam a produção capitalista, incluindo-se aí a troca da mercadoria informação e todas as informações ligadas aos atos de intercâmbio entre os diferentes capitais industriais, comerciais ou financeiros. O segundo lado do binômio, ainda do ponto de vista do capital, é definido pela forma publicidade de propaganda (BOLAÑO, 2000, p. 58).
No entanto, há que se ressalvar que com a ampla circulação de informações de todo o tipo através da rede mundial de computadores, a internet, os cidadãos que desejem informar-se e estar a par de todo o tipo de conteúdos, reais ou fictícios, verdadeiros ou mentirosos, podem contar também com essa fonte. O problema são os chamados custos de informação, tornando-se elevados em função da sobrecarga e do esforço necessário e subseqüente de reinterpretar os códigos de especialistas, tornando-os outra vez comunicação mediada, dessa vez difundida através de redes alternativas de pequeno ou médio alcance. Para os não-especialistas, o eixo de compreensão do capitalismo contemporâneo ainda passa pela recepção e consumo de informação, pouco ou nada interpretada, emitida através dos líderes dos oligopólios midiáticos em escala nacional, continental ou planetária. De toda forma, a credibilidade (ou a falta desta) dos veículos tradicionais os coloca à frente na possibilidade de alertar e fomentar o debate sobre determinados assuntos, inclusive os econômicos.
O que impede a livre e irrestrita divulgação de pensamento dos diversos segmentos sociais são os interesses econômicos e/ou políticos das empresas jornalísticas e dos monopólios da indústria cultural. No cenário das práticas de democracia participativa, o jornalismo deve ser entendido como um lugar de produção de conhecimentos singulares sobre a dinâmica imediata da realidade social e um campo de mediação discursiva dos interesses, conflitos e opiniões que disputam o acesso à esfera pública nas sociedades democráticas. Para que tal cenário se efetive, a formação desses profissionais deve atentar para a emergência de novas cartografias, nas quais os projetos não se realizam apenas como inserção e desenvolvimento na carreira, mas principalmente com implicação e envolvimento nas questões que permeiam as políticas de comunicação. (DIB, AGUIAR e BARRETO, 2010, p. 14).
Quando a ausência normativa da democracia participativa se encontra com a premeditação, eis a enunciação das políticas econômicas dos fatos previamente consumados. No caso, segue-se a máxima da conservadora inglesa Margareth Thatcher; ao assumir o governo do reino em 1979 a mesma afirmou que no quesito da política econômica, por fora do receituário neoclássico implantado: “Não há alternativa!” (PEREIRA, 2010). Quando há pouca margem de manobra para os governos de turno, as políticas distributivas balançam ainda mais rápidas. As regras da União Européia são rígidas para as políticas econômicas dos Estados. Prevê-se como “acordo”, máximo 3% de déficit público e 60% de endividamento (VARGAS, 2010). Diante deste constrangimento, o pragmatismo dos aderentes do modelo burguês de democracia indireta sempre tende a preferir o mal menor. Este mal é o atirar-se nos “braços demoníacos” do capital financeiro.
Tanto especuladores quanto o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) atuam para dar liquidez à economia de Estados cujo caixa foi sendo esvaziado justamente por socorrer ao sistema financeiro quando atos de gerentes de mesas de operações deram seqüência à compra e venda de carteiras de papéis sem lastro algum.
A conta que já foi paga em 2008 vem em dobro: juros causam déficit nos cofres públicos, abalando fortemente as políticas sociais que deram sustentação à Europa no pós 2ª Guerra. A resistência contra investidas anteriores de restauração conservadora dera-se pela combatividade (literal) da esquerda social e suas alas extremas, tendo que disputar nas ruas e contra as políticas de atrelamento e subordinação de vontades políticas vindas da social-democracia européia.
É bom reforçar esta apreciação realista; os direitos sociais dos trabalhadores europeus mantiveram-se assegurados até então apesar de todo o esforço entreguista e de abandono de posições por parte da suposta “ex-esquerda” reformista e melhorista que disputa os governos de turno do capitalismo europeu. Diante da “crise”, o modelo de política entra em crise. Assim, ao menos a luta social em sua forma classista ganha a dianteira das negociações indiretas, onde a traição de eleitores é a norma, subordinando os poderes constituídos pelas relações de fato, caracterizando os Parlamentos em um espaço de insulamento para políticos profissionais atrelarem sua intervenção aos desígnios de banqueiros e executivos de conglomerados e fundos de investimento. Se observarmos as decisões do Parlamento grego, e o acordo dos “socialistas” (Movimento Socialista Pan-Helênico – PASOK - liderado por Giorgos Papandreu) do partido ortodoxo de extrema-direita (Aliança Popular Ortodoxa – LAOS) e da direita representada pelo partido Nova Democracia - ND, nota-se a materialização do conceito narrado acima (PALAISTIDIS & PÉREZ, 2010).
Há no contexto atual a idéia de mercado livre, onde a concorrência entre os capitais atuaria como justiça social. Dentro desse contexto, o papel do Estado fica minimizado, garantindo a liberdade das transações dos capitais, que, sem a regulação de órgão algum, seria a balizadora da democracia.
Para os entusiastas do mercado livre, a união do capitalismo avançado com a democracia de massas não apresentou qualquer problema, visto terem definido a boa sociedade como aquela que aumentou a liberdade de escolha pessoal e terem visto o mecanismo de mercado como aquele que melhor garante a informação, o debate aberto e a diversidade de idéias e argumentos exigidos pela deliberação política nas democracias de massa. (MURDOCK, 2006, p. 16).
Para os estudiosos da Economia Política da Comunicação fica nítido, no entanto, que não há possibilidade de que seja gerada uma concorrência perfeita. Além disso, entende-se que o mercado por si mesmo é uma força agindo contra a democracia, como pode ser visto no caso das empresas de mídia que corroboram com esquemas de negociação que além de não beneficiarem a maioria da população envolvida ainda fazem parte de ações que poderiam ser julgadas como criminosas tanto dentro dos preceitos éticos da humanidade como na maior parte da legislação vigente dentro do próprio capitalismo. Por serem responsáveis por informar ou manter desinformada a grande massa humana mundial, deve-se atentar ao poder das empresas de mídia especialmente em relação ao simbólico, já que perpetuam comportamentos, indicando a agenda de assuntos que devem ser considerados importantes pelos espectadores. Seguindo esse pensamento, Murdock coloca:
Em contrapartida, os economistas políticos críticos identificam a incompatibilidade entre o capitalismo e a democracia como fundamental e estrutural. Para eles, o fato dos serviços culturais e de comunicação centrais – jornais, estúdios de cinema e gravação, editoras de livros, canais de televisão – serem propriedade privada de acionistas, cujo maior interesse é aumentar o rendimento do seu investimento ao desenvolver as suas ambições econômicas ou políticas, privilegia necessariamente os interesses pessoais em detrimento dos interesses públicos. (MURDOCK, op. cit., p.17).
Conforme denuncia Murdock, as intenções das empresas de comunicação não são vazias, mas sim comprometidas com determinados ângulos de visão, determinados poderes sociais estabelecidos. Voltando à questão do jornalismo econômico propriamente dito, pode-se observar que as dificuldades da cobertura de fatos dessa ordem não estão somente vinculadas às dificuldades de compreensão do cidadão comum, com pouco conhecimento da área. Baseiam-se, principalmente, na vontade dos jornalistas desse campo em manter sua área de atuação em “elevado” conceito, no sentido de atender principalmente às elites constituídas:
No jornalismo dedicado à economia, um dos principais problemas de linguagem está no fato de ele se dirigir a pelo menos dois públicos bem diferenciados, que se comunicam por códigos próprios: de um lado, especialistas, grandes empresários e profissionais do mercado; de outro, o grande público e os pequenos empresários. O grande público e os pequenos empresários sentem-se permanentemente agredidos pela linguagem técnica inevitavelmente usada no jornalismo econômico. Os mecanismos principais da economia não são necessariamente complexos numa primeira aproximação, mas há detalhes, às vezes importantes, de explicação difícil. Freqüentemente as próprias fontes do mercado alimentam uma aura de mistério em torno de suas transações, disseminando expressões exóticas. (KUCINSKI, op.cit., p. 168).
Como exemplo disso, a Grécia teve seus informes financeiros co-controlados tanto pelos tecnocratas do Estado como pelos “técnicos” do Banco Goldman Sachs. Este banco é um dos maiores operadores da suposta crise financeira, na verdade um grande golpe de especulação imobiliária que levou a maior transferência de renda dos cofres dos Estados do Centro do capitalismo para saldar as dívidas e rombos das empresas golpistas (ESTRADA, 2010).
Para complicar, não vem sendo “apenas e tão somente” as assessorias financeiras as responsáveis pela fraude de informação e transferência de riquezas para os bancos e fundos de investimento. O mascaramento de realidades, a mentira factual pura e simples assim como a inversão do ângulo de análise são também obra e graça da mídia profissional, tanto a generalista (alimentada por TVs e agências informativas) como os de maior cumplicidade, promovida pelos supostos especialistas em economia. Vejamos dois exemplos dessas assertivas.
Um exemplo gritante da abordagem midiática é a repercussão acrítica da apreciação das empresas de análise de risco, que rebaixam ou aumentam a “confiabilidade” dos papéis (títulos da dívida pública dos países, em formato digital) emitidos pelos Estados. Quando a agência de classificação de risco Moody’s avisara que iria, dentro de um curto prazo (poucos dias, em algumas semanas) rebaixar a apreciação dos papéis da dívida grega e portuguesa (EL PAÍS, 2010), esse enunciado ganha ares de verdade, passando a ecoar como factual. Quando contrapomos as “supostas” verdades das agências de risco, nos deparamos que são as mesmas, ou quase as mesmas empresas que operam como parte da engrenagem das fraudes financeiras em escala mundial.
Mas a crítica da abordagem midiática vai além do desmascaramento de uma fonte não crível. O tema do flagelo dos gregos, e a heróica resistência que está nas ruas, não foram provocados por Zeus nem pelos deuses do Olimpo, mas por homens e mulheres que operam com informação privilegiada e por dentro dos sistemas financeiros oficiais e oficiosos. Existe uma prova cabal de cumplicidade midiática e ação orquestrada dos mega-especuladores, planificando a quebra da Grécia e a depreciação da moeda da Zona Euro. É a demonstração de que não se trata de uma crise inexorável, mas sim um ato premeditado por indivíduos daquilo que nos EUA se chama de Assassinos Econômicos e alguns críticos europeus dão o nome de Delinqüentes Financeiros (PERKINS, 2005).
A grande conspiração evidenciada
Imaginemos um título do artigo assinado que fala por si: “O negócio de quebrar um país”, assinado pela colunista e co-editora de Economia do Diário Público, Amparo Estrada (ESTRADA, 2010), editado em Madri, que cobre a Espanha e a União Européia. Trata-se de uma publicação (impressa e digital), de tipo comercial (não é mídia alternativa ou sindical), mas que trabalha com informação precisa e com pouco índice de censura. A colunista de economia, por sua epígrafe e abordagem citando a John Kenneth Galbraith, não é uma autogestionária e sim uma keynesiana. Ou seja, trata-se de informação provinda vinda de conhecedores dos ambientes internos do aparelho de Estado a serviço do capital financeiro e não nas barricadas que o combatem.
O resumo é simples. Estrada nos conta que no dia 8 de fevereiro, no endereço localizado no número 767 da 3ª Avenida, em plena Nova Iorque, houve uma reunião de notáveis “jogadores vorazes” do mercado de capitais. Ali se combinou de comum acordo, desvalorizar o euro e romper o que restara da coluna vertebral da Grécia. Neste episódio, cujo local físico era a sede da Monness, Crespi e Hardt (www.mchny.com; empresa que opera através de uma subsidiária da Goldman Sachs) estavam presentes, dentre outros operadores financeiros em escala planetária: Aaron Cowen, representante da SAC Capital Advisors, empresa fundada por Steven A. Cohen e que maneja 16.000 bilhões de dólares em fundos de investimento; David Einhorn, da Greenlight Capital, participante do ataque derradeiro a Lehman Brothers ocorrido no outono de 2008; Donald Morgan, da Brigade Capital, cuja mensagem organizacional ressalta que, dentre seus produtos incluem-se ativos tóxicos ou papéis podres (BRIGADE CAPITAL, 2010); além de, obviamente, um representante do Fundo Soros. Nos diz a colunista do Diário Público que, fora nesta noite do inverno na América do Norte quando se combinou, de forma orquestrada, um ataque aos papéis gregos.
Também assegura a especialista que não se trata de evento aleatório e menos ainda de teoria conspiratória. O que de fato ocorre são reuniões periódicas, desta envergadura, incluindo uma reunião semelhante, datada em plena quebradeira fraudulenta do segundo semestre de 2008. O lado de acobertamento midiático dá-se pela cobertura de publicações “especializadas”. O Wall Street Journal dera uma relevância normal e apagada ao evento, e isto em sua edição de 26 de fevereiro de 2010 (PULLIAM, KELLY & MOLLENKAMP, 2010). Ou seja, em plena era digital da comunicação instantânea, o portal de economia de Rupert Murdoch (controlador do conglomerado NEWS CORP, 2010) tarda 18 dias para dar uma informação estratégica para o futuro de mais de 10 milhões de cidadãos gregos.
Afirmamos que houve a evidência da ação criminosa premeditada e a correspondente cobertura cúmplice e irresponsável no sentido cívico do jornalismo, mesmo que sob preceitos liberais. Quando, do escândalo de Watergate (ver o portal já citado a respeito do tema), os cinco operadores do Partido Republicano foram pegos espionando a sede dos Democratas em plena capital dos EUA, o caso passou ao largo e caiu no esquecimento dos leitores. Se não fosse a ação dos repórteres e do veículo que os empregava, o jornal Washington Post, nada teria acontecido.
Trinta e três anos depois, quando no segundo semestre de 2007 a especulação financeira com carteiras imobiliárias começa a dar sinais de fraude, nenhuma grande mídia foi à caça sistemática dos autores do crime contra o interesse público (DOWBOR, 2010). O quadro é mais agudo. Três décadas e meia após, a maior parte dos grandes veículos, estando na forma de propriedade cruzada ou composição acionária, além de liderar o respectivo oligopólio de mídia em seus países ou regiões, também são subsidiários diretos ou indiretos de conglomerados com elevados investimentos de risco na ciranda financeira. A conjunção de interesses econômico-financeiros, teórico-ideológicos, e político-jurídicos, é emitida em formatos de múltiplos produtos comunicacionais e circulam com linguagem de atenuantes da ação premeditada.
No caso da recente “crise grega”, como ponta de lança da zona euro, houve premeditação e ocultamento da informação.
Interessante anexarmos a isso o pensamento de que a mídia age em parceria com seus financiadores, mas a sociedade sente-se impedida de impor às empresas de comunicação regras e valores que estão baseados na ética. Nesse sentido, Rothberg coloca que dois dos caminhos possíveis seriam as empresas de comunicação públicas e a regulação sobre as empresas privadas:
Naturalmente, nos sistemas democráticos atuais não se admitem intervenções nas mídias comerciais impressas para impor rumos ou valores. Assim, a resposta encontrada pelas sociedades democráticas para a provisão de subsídios para a cidadania informada tem vindo dos sistemas públicos de radiodifusão, ou seja, através da ação do Estado, de duas maneiras: primeiramente, na regulação transparente da atuação das emissoras comerciais que exploram concessões públicas, para que elas atendam princípios da informação como subsídio ao engajamento político; em segundo lugar, na forma da construção e da manutenção de emissoras públicas, atadas às exigências da cidadania informada. (ROTHBERG, op.cit., p. 1059).
Apesar da observação do autor citado, salienta-se que mesmo espaços de mídia privilegiados, como os canais públicos de televisão, diversas forças sociais estão em jogo, o que nem sempre permite que conteúdos que não são tratados em espaços comerciais ganhem evidência nesses espaços, quase que alternativos. A maioria dos governos, sejam eles de países, estados ou municípios, tem relações estreitas com os diversos espaços de comunicação social, mantendo uma “salutar e prudente” distância de temas que possam interferir nessa proximidade, como é o caso, muitas vezes, das principais questões econômicas.
Considerações Finais
A maior parte dos grandes veículos, estando na forma de propriedade cruzada ou composição acionária, além de liderar o respectivo oligopólio de mídia em seus países ou regiões, também são subsidiários diretos ou indiretos de conglomerados com elevados investimentos de risco na ciranda financeira. A conjunção de interesses econômico-financeiros, teórico-ideológicos, e político-jurídicos, é emitida em formatos de múltiplos produtos comunicacionais e circulam com linguagem de atenuantes da ação premeditada.
Diante desse quadro de horror societário onde se justifica o comportamento de predadores, cabe uma resultante analítica. Quando as decisões fundamentais das sociedades passam por conspirações de elites financeiras e com o acobertamento cúmplice da indústria midiática, a balança é virada com a força das ruas. Nesse sentido, o povo grego vem dando nos últimos anos, uma lição para todo o mundo.
* Bruno Lima Rocha é professor no Curso de Comunicação Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), pesquisador do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation), doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vogal do Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-BR).
** Ana Maria Rosa é Mestre em comunicação pela Unisinos, jornalista graduada pela UFRGS, membro do Grupo Cepos.
*** Alexon Gabriel é Mestre em comunicação pela Unisinos, jornalista graduado pela Unisinos e membro do Grupo Cepos.
**** Rafael Cavalcanti é jornalista e editor-assistente do portal Estratégia & Análise e membro do Grupo Cepos.
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