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Fernando Collor, proprietário e político: o uso da Gazeta de Alagoas como prática para o coronelismo eletrônico


A Constituição de 1988 proíbe que os meios de comunicação sejam, direta ou indiretamente, objeto de monopólio ou oligopólio (art. 220), assim como impede deputados e senadores de exercerem cargos, função ou emprego remunerado em empresas concessionárias de serviço público (art. 54). Restrição semelhante já existia no Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT, Lei nº 4117/62) desde 1962, determinando que aquele que estiver em gozo de imunidade parlamentar não pode exercer a função de diretor ou gerente de empresa concessionária de rádio ou televisão (parágrafo único do art. 38).

Júlia Klein é jornalista graduada pela Unisinos e estudante de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda, na UFRGS.

Bruno Lima Rocha é professor do curso de Relações Internacionais da Unisinos, pesquisador do grupo Cepos e doutor
em Ciência Política pela UFRGS. 

Resumo:

Analisamos o conteúdo jornalístico praticado pelo jornal Gazeta de Alagoas, durante a cobertura de três períodos eleitorais distintos: 2002, 2006 e 2010. No estudo, Fernando Collor de Mello, proprietário do impresso que integra o maior grupo de comunicação de Alagoas, prova o uso de seu jornal como ferramenta política durante as três eleições disputadas, comprovando a parcialidade do veículo e o mau exercício do jornalismo. Na pesquisa, também abordamos como o coronelismo eletrônico mantém sua força através de alianças com os grandes conglomerados de comunicação, iniciada já durante o primeiro governo de Getúlio Vargas. 

Palavras-chave: Mídia e política; Políticas de comunicação; Radiodifusão; Oligopólio das comunicações; Conteúdo jornalístico.

 

 

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INTRODUÇÃO

    No presente artigo analisamos como se dá a distribuição de outorgas de rádio e televisão no Brasil e o quanto a relação entre parlamentares e o governo federal influencia na liberação das concessões de rádio e TV. Também vemos que essa estreita relação entre poder público e os grandes empresários da mídia ajudaram a manter no poder os grupos de comunicação familiares que se constituíram ao longo do tempo. No Nordeste do Brasil, a situação é ainda mais grave, pois além das inúmeras licenças para gerenciar emissoras, fica evidente o uso político dos veículos de comunicação para favorecer o parlamentar concessionário. Além dos casos em que as empresas controladas por políticos estão em nome de familiares ou “laranjas”, há aquelas situações em que os deputados, também sem possuir outorgas em seus nomes, agem de acordo com os interesses de suas igrejas. Algumas das maiores oligarquias políticas detentoras de mídias são as famílias Sarney, do Maranhão, Magalhães, da Bahia, Jereissati, do Ceará, Franco, de Sergipe, Maia e Alves, do Rio Grande do Norte e Collor de Mello, das Alagoas. 
    Neste trabalho analisamos o discurso do jornal Gazeta de Alagoas durante três eleições com a participação de Fernando Collor (2002, 2006 e 2010), sendo o primeiro ano marcado pela volta do ex-presidente à vida pública e, verificamos a forma agressiva como o político utiliza seu jornal como ferramenta política. Collor faz, claramente, uso de suas empresas de mídia para se promover. O discurso praticado pelo jornal mostrou-se a favor de seu proprietário, exaltando as propostas políticas do ex-presidente da República, destacando os problemas dos governos vigentes. 

CORONELISMO ELETRÔNICO COMO SISTEMA

     No Brasil é comum os parlamentares atuarem como sócios em empresas de radiodifusão, gerando uma espécie de oligarquia política da comunicação. Nesse caso, deputados e senadores renovam as outorgas das quais eles mesmos são concessionários, mantendo protegidos os interesses dos poderosos empresários, proprietários dos grandes grupos. Dessa forma é reforçada a prática do coronelismo eletrônico citada por Lima (2011), em que a relação entre deputados e senadores com as concessões de rádio e TV é tanta, que os membros do Congresso Nacional passam a ser confundidos com os próprios concessionários. Apesar disso, a Constituição de 1988 proíbe que os meios de comunicação sejam, direta ou indiretamente, objeto de monopólio ou oligopólio (art. 220), assim como impede deputados e senadores de exercerem cargos, função ou emprego remunerado em empresas concessionárias de serviço público (art. 54). Restrição semelhante já existia no Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT, Lei nº 4117/62) desde 1962, determinando que aquele que estiver em gozo de imunidade parlamentar não pode exercer a função de diretor ou gerente de empresa concessionária de rádio ou televisão (parágrafo único do art. 38). De acordo com Lima (2011, p. 161) “consolidou-se, portanto, entre nós um sistema concentrado, liderado pela televisão e, em boa parte, controlado por grupos familiares vinculados às oligarquias políticas regionais e locais”. Para o autor (2011),

As concessões do serviço público de rádio e televisão constituem uma das áreas de interface mais visível do Estado brasileiro com o amplo setor das comunicações. A consolidação sistemática de normas legais e procedimentos burocráticos contraditórios e/ou desatualizados tornou possível que, ao longo dos anos, essas concessões se transformassem em lócus privilegiado onde interesses do próprio Estado e interesses privados de pessoas ou grupos políticos, disfarçados de interesse público, fossem negociados, estabelecidos, reproduzidos e preservados. Exemplo maior dessa interface é o que se convencionou chamar de coronelismo eletrônico, prática de barganha política que se mantém como uma das principais características da radiodifusão brasileira desde a metade do século passado. (LIMA, 2011, p. 81)

     Nos primeiros governos da chamada República Velha (1889-1930), a estrutura política brasileira era baseada nas oligarquias, forma de governo em que o poder está concentrado em um pequeno número de pessoas. Estes núcleos restritos, compostos por coronéis e alguns outros grandes latifundiários, eram responsáveis por tomar as decisões importantes para o Estado. Em geral, a organização das oligarquias se dava por grupos “familiocráticos”, a qual se incluía, além de membros da família, parentes por afinidade, afilhados e pessoas próximas. Com o tempo, as oligarquias familiares passam a estender outros tipos de relações, dando origem ao “compadrio”, reforçando as estruturas patriarcais no país. Sendo assim, através do nepotismo e da distribuição de poder aos “seus”, os coronéis atingem, facilmente, o poder da estrutura local. Segundo Faoro (1995),

Obviamente a linha entre o interesse particular e o público, como outrora, seria fluida, não raro indistinta, frequentemente utilizado o poder estatal para o cumprimento de fins privados. O coronel fazia a política e complementava a administração pública, no âmbito municipal, dentro do partido, partido único mas não monolítico, tumultuado na base por dissenções de famílias e grupos, sedentos da conquista do poder, que, por não ser reconhecido burocraticamente, se volatiza, entregue às ambições e aos interesses. O coronelismo se manifesta num ‘compromisso’, uma ‘troca de proveitos’ entre o chefe político e o governo estadual, com o atendimento, por parte daquele, dos interesses e reivindicações do eleitorado rural. (FAORO, 1995, p. 631). 

    Leal (1986, p. 252) classifica o coronelismo como um “sistema político dominado por uma relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido”. Sendo assim, o sistema coronelista se refere a um período histórico no qual os fazendeiros utilizaram poderes como o “mandonismo” e o controle do voto como moeda para negociar sua sobrevivência no comando do poder. 
     Já em 1931, o governo institui a Regulação das Comunicações, estabelecendo normas para as concessões de rádio (de competência exclusiva da União), dando preferência a empresas privadas para a exploração do serviço. Tempos depois, o governo baixa decreto determinando, entre outras medidas, que estrangeiros não poderiam ser proprietários das empresas do mercado de radiodifusão, proibindo a concorrência estrangeira. Para Lima (2011), o próprio governo abriu espaço para a concentração dos meios de comunicação, permitindo que os empresários de jornais também adquirissem rádios. Pode-se dizer que Vargas contribuiu para a manutenção do coronelismo no país, ao determinar quem ganharia as concessões de radiodifusão. Para Leal (1986),

Nesse longo período, tivemos vários regimes políticos e numerosas reformas eleitorais; não obstante, permaneceu o fato fundamental da influência governista na expressão das urnas, conquanto diminuída nas eleições que sucederam à Revolução de 30. A explicação do fenômeno está no governismo dos chefes locais, já analisado anteriormente, e na sujeição do eleitorado do interior, especialmente do rural, a esses mesmos chefes, como consequência direta da nossa estrutura agrária, que deixa o trabalhador do campo ignorante e desamparado. (LEAL, 1986, p. 248). 

    O controle dos meios de comunicação foi de extrema importância para o primeiro governo Vargas, que escolhia o que seria divulgado, assim como restringia os assuntos que não lhe interessava propagar. Após sair do poder e retornar, através de eleições diretas, em 1951, Getúlio passa a utilizar a concessão de canais de rádio como moeda de troca para conquistar aliados e negociar com opositores. A concentração dos meios de comunicação aumenta, na medida em que os donos de jornais adquirem emissoras de rádio e, futuramente, canais de TV. De acordo com Sodré (1999), 

É fácil constatar, assim, o poder de que dispõe as empresas que lidam com o jornal, a revista, o rádio, a televisão. A época é das grandes corporações que manipulam a opinião, conduzem as preferências, mobilizam os sentimentos. Campanhas gigantescas, preparadas meticulosamente, arrasam reputações, impões notoriedades, derrubam governos.  (SODRÉ, 1999, p. 388-389). 

    Até a década de 1960, a imprensa se alicerçava em favores públicos, já que não possuía estrutura comercial suficiente para se manter. Além da publicidade oficial, a verba que mantinha os veículos estava ligada aos anúncios publicitários. Para Sodré (1999), as agências de publicidade também influenciavam as pautas e edições das notícias, justamente por estarem afinadas com o governo brasileiro, que utilizava as verbas dos anúncios como forma de pressão. Para Herman e Chomsky (1994, p. 12), “a mídia desempenha suas funções de acordo com os interesses sociais de quem a controla e financia”, de maneira que:

Os fatores estruturais podem ser entendidos como propriedade e controle, dependência de outras importantes fontes de financiamento (notadamente anunciantes), e interesses e relacionamentos mútuos entre a mídia e aqueles que fazem a notícia e têm o poder de defini-la e explicar o que ela significa. O modelo de propaganda também incorpora outros fatores estreitamente relacionados, como o direito de reclamar do tratamento que a mídia oferece a determinada notícia (ou seja, gerar reações negativas), de fornecer especialistas para confirmar a imparcialidade e veracidade das notícias e também para estabelecer as ideologias e os princípios básicos considerados normais pelos profissionais da mídia e pela elite, mas que frequentemente sofrem resistência por parte da população em geral. (HERMAN; CHOMSKY, 2003, p. 12).

    
O CASO FERNANDO COLLOR DE MELLO: eleições 2002, 2006 e 2010

    Em Alagoas, o principal grupo de comunicação é a Organização Arnon de Mello (OAM), que pertence ao ex-presidente e senador, Fernando Collor de Mello (Partido Trabalhista Brasileiro). Atualmente, o grupo conta com o jornal Gazeta de Alagoas (líder no Estado), a TV Gazeta, rádios Gazeta AM e FM, rádio Clube de Alagoas, instituto de pesquisas Gape, portal Gazetaweb e o Instituto Arnon de Mello. Segundo dados do projeto Donos da Mídia (2008), todas as outorgas das rádios e da TV do grupo estão vencidas3. 
    Desde o início de sua trajetória política, Fernando Collor de Mello fez uso da mídia para se promover. Por trabalhar com a imprensa, Collor domina as linguagens de cada meio de comunicação. Para Conti (1999), após manter a influência política em Alagoas, Collor buscou a simpatia da imprensa brasileira. Segundo o autor, 

Fernando Affonso Collor de Mello foi eleito governador aos 37 anos porque construíra essa mensagem contra uma casta de privilegiados, os marajás. E porque soube propagandeá-la na campanha eleitoral e, antes dela, no jornal, nas rádios e na televisão de sua família, dona do mais poderoso grupo de comunicações de Alagoas. Ele continuava com a mensagem. Mas faltava-lhe a máquina para alardeá-la em escala nacional. Collor agora precisava da grande imprensa. (CONTI, 1999, p. 13). 
    
Eleições 2002

    Em 2002, após uma tentativa fracassada de retornar à vida política como candidato à prefeitura de São Paulo, Collor retorna ao cenário político, desta vez em Alagoas. Após cumprir afastamento em função do processo de impeachment, sofrido em 1992 (o ex-presidente teve os direitos políticos cassados, ficando inelegível por oito anos), o dono da OAM afastou-se, também, da mídia. Como candidato a governador de Alagoas (representava o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB), disputou as eleições com o ocupante do cargo na época, Ronaldo Lessa (então no Partido Socialista Brasileiro – PSB). 
     Durante a campanha, alguns temas, entre violência, agricultura e transporte, passam a ilustrar as capas da Gazeta de Alagoas com certa frequência, exaltando os problemas e dificuldades enfrentados pelos moradores de Maceió (maior colégio eleitoral de Alagoas). Por diversas vezes, o impresso faz uso de manchetes apelativas e títulos sensacionalistas para chamar a atenção dos leitores, tais como “Atendente é estuprada após ter casa invadida por viciado” (07/09/2002), “Bandidos escolhem Alagoas para morar” (08/09/2002) e “Cratera inferniza a vida dos moradores do Salvador Lira” (05/10/2002).
    Para Gaia (2005), ao contrário dos jornais concorrentes, a Gazeta desqualificou o governo Lessa com duras críticas, incluindo em seus ataques a prefeita de Maceió, Kátia Born (representante do mesmo partido de Lessa, PSB). As matérias “Paulista que visita Maceió há 20 anos critica sujeira nas ruas” (28/09/2002) e “Metade de Maceió vive em situação de exclusão social” (29/09/2002) ilustram o confronto do jornal de Collor com os representantes do governo. Os ataques às administrações de Kátia e Lessa foram tantos, que o governo de Alagoas suspendeu, naquele período, as verbas publicitárias para os veículos do Grupo Arnon de Mello. Ainda, segundo Gaia (2005, p. 23), “na GA (Gazeta de Alagoas) existe a construção, através do discurso, da imagem forte de um candidato que recebe apoios contínuos, confunde-se com o proprietário, sendo sempre enaltecido”. 
    As eleições de 2002 foram decididas em primeiro turno, com vitória de Ronaldo Lessa, com 52,93% dos votos válidos, enquanto Collor conquistou 40, 17% dos votos. Neste retorno à vida política, Collor obteve bons resultados em sua campanha, sendo apontado, em algumas pesquisas eleitorais, como o favorito ao cargo pretendido. Para Rubim (1999), o ex-presidente pode ser considerado um fenômeno criado pela mídia. O autor diz, ainda, que:

A rigor, Collor se faz produto e produz-se através da mídia. Com esta finalidade, ele e seus companheiros da República das Alagoas recorrem a todos os dispositivos e acessórios midiáticos disponíveis: pesquisas, marketing, etc. Tal intervenção combina-se certamente com os interesses da mídia, que em consequência a potencializa, mas Collor trabalha uma performance também instruída e adequada à mídia. (RUBIM, 1999, p. 75).

A Gazeta de Alagoas, ao contrário da TV (que estava sendo gerenciada pela Rede Globo durante este período, para diminuir a influência política da emissora local), pode agir de acordo com seus princípios editoriais durante a campanha, demonstrando parcialidade nos conteúdos publicados, agindo, na maior parte das vezes, em favor dos objetivos políticos de seus controladores. 

Eleições 2006: 28 dias de campanha
    
    Em 2006, as eleições surpreendem o povo alagoano. O senador Teotônio Vilela Filho (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB), que apoiava o governo estadual vigente, foi escolhido para concorrer ao governo do Estado, disputando com o deputado federal João Lyra (Partido Trabalhista Brasileiro – PTB). Ronaldo Lessa, já no Partido Democrático Trabalhista (PDT), cumpria seu segundo mandato como governador do Estado e, como não poderia correr novamente ao cargo, candidatou-se à vaga de senador. Seu principal oponente era o deputado federal Thomaz Nonô (na época, filiado ao extinto Partido da Frente Liberal – PFL, hoje, Democratas). Entretanto, uma candidatura repentina surpreende candidatos e eleitores. Fernando Collor de Mello surge para substituir o candidato do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), 30 dias antes das eleições, realizando uma campanha eleitoral de, apenas, 28 dias. Por representar um partido nanico e contar com o apoio de uma pequena coligação, Collor participou com pouco tempo no horário eleitoral gratuito, o que não lhe diminuiu as chances de garantir a maioria dos votos. 
    Nesse curto período de campanha, a Gazeta fez o possível para trabalhar a favor de seu proprietário, conforme a matéria “Collor prega novas ideias para Alagoas” (03/09/2006). Nesta mesma edição, o impresso chama a atenção para problemas na campanha ao governo do Estado: “Vilela e Lyra vivem tensão na campanha”. De acordo com Gaia (2005), Collor e o deputado federal João Lyra romperam relações durante a campanha de 2002, quando Lyra adquiriu o grupo O Jornal de Comunicação, um dos principais concorrentes da OAM. Tão logo foi anunciada a candidatura de Collor, a Gazeta aumentou as críticas em torno do governo vigente e do concorrente direto de Collor, Ronaldo Lessa. Um dos exemplos foi a matéria veiculada às vésperas das eleições: “Pistolagem e política, uma marca em AL” (24/09/2006). Sobre o uso de recursos midiáticos para favorecer a política, Rubim (1999) argumenta:

O controle da mídia, com especial destaque para suas ‘diabólicas linguagens’, serviria então ao bom propósito de restaurar esta política, tomada como modalidade superior, e inibir o manipulável, enganoso, pirotécnico e exuberante ‘discurso’ midiático, que, nesta enviesada ótica, teria produzido inclusive Collor. (RUBIM, 1999, p. 61). 

    Com a ajuda da mídia, em especial do seu grupo de comunicação, o ex-presidente venceu a eleição para senador do Estado, com 44, 04% dos votos, marcando presença, novamente, na democracia brasileira. Um dia depois da posse troca de partido, migrando para o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em 2009 foi eleito presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado Federal e, no mesmo ano, escolhido para integrar a Academia Alagoana de Letras. 

Eleições 2010

    Em 2010, Collor tenta, novamente, a vaga ao governo de Alagoas, tendo como principais oponentes o então governador, Teotônio Vilela Filho (PSDB), Ronaldo Lessa (PDT) e Mário Agra (Partido Socialismo e Liberdade – PSOL). As campanhas ao governo do Estado foram marcadas, mais uma vez, por confrontos entre os candidatos, que incluíram no embate as pesquisas eleitorais e até mesmo os jingles produzidos para as campanhas. O instituto de pesquisa Gazeta Pesquisa (Gape), que pertence ao Grupo Arnon de Mello, divulgou dados percentuais sobre a intenção de voto dos alagoanos bem diferentes dos resultados apresentados pelo Ibope Inteligência, um dos principais órgãos deste segmento na América Latina. Pesquisa promovida pelo Ibope, encomendada pela própria TV Gazeta, em 19 de agosto, apontou Lessa com 29% das intenções de voto, seguido por Fernando Collor, com 28%. Teotônio Vilela aparece em terceiro lugar, com 24%. No dia seguinte ao resultado, o Gape divulga pesquisa com resultados diferentes: Collor aparece em primeiro lugar, com 38% das intenções de voto e Ronaldo Lessa vem em seguida, com 23%. Já Teotônio Vilela surge com apenas 16% dos votos. A grande diferença entre as duas pesquisas gerou desconfiança entre eleitores, jornalistas e os próprios candidatos, que passaram a discutir os resultados apresentados pelo Gape.
    Para analisarmos o efeito das pesquisas eleitorais com a população é necessário pensarmos, também, nos resultados das campanhas exibidas no horário eleitoral gratuito, em especial, dos programas veiculados na TV. Para Rubim (2002), até a década de 1960, a disputa eleitoral acontecia nas ruas, no corpo a corpo entre candidatos e eleitores. Contudo, desde as eleições de 1985, o horário eleitoral ganhou força, tornando-se um dos principais instrumentos de campanha. De acordo com Colling e Rubim (2002),
Em suma: não só a tela ganhou centralidade na campanha em relação à rua, como também passou a ser um espaço social (ainda que eletrônico) de produção de fatos político-eleitorais essenciais para a campanha, muitos deles sem qualquer dependência frente aos acontecimentos da rua. As interações entre tela e rua se tornam complexas, com muitas possibilidades de enlace. As campanhas e as eleições tinham sofrido uma vigorosa mudança, assim como ocorrera com o país. (COLLING; RUBIM, 2002, p. 21). 

    Antes mesmo das eleições, o Ministério Público Eleitoral (MPE) acusa Collor de praticar fraude eleitoral, por considerar forjados os resultados das pesquisas elaboradas pelo Gape. O Ministério Público analisou os questionários utilizados pelo Gazeta Pesquisa nas entrevistas, e concluiu que houve alteração nas informações divulgadas. Já o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Alagoas reconheceu o uso político do instituto para benefício do candidato, entretanto, o órgão absolveu Collor, por entender que o recurso não o favoreceu eleitoralmente. O MPE pediu a cassação do registro de candidatura do ex-presidente, por considerar que houve uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder. 
    Os jingles utilizados pelos candidatos na campanha 2010, também geraram polêmica, chegando até a Justiça Eleitoral. Fernando Collor de Mello teve que reformular o tema musical de sua campanha, por haver mencionado um suposto apoio de Lula e Dilma a sua candidatura, porém, o Partido dos Trabalhadores (PT) apoiava, oficialmente, Ronaldo Lessa, que acionou seu oponente na Justiça. Ainda durante as eleições, o portal Gazeta Web, da OAM, foi condenado a publicar cinco direitos de resposta a Teotônio Vilela, por publicar conteúdo sem a devida comprovação. Segundo matéria veiculada no jornal Folha de São Paulo, em 24 de setembro, o advogado de Teotônio acusa Collor de usar seu grupo de comunicação para fazer campanha política e, assim, obter maior apoio dos eleitores. De fato, pode-se constatar o uso político da Gazeta em diversas situações durante a cobertura eleitoral, inclusive na divulgação do jingle de campanha do candidato petebista, que, além de “ganhar” um box anunciando a nova versão da trilha, também teve a letra completa publicada, para que os leitores pudessem acompanhar o jingle. 
    Segundo Conti (1999, p.88), “Collor encarava as empresas como meio de fazer política; Pedro, como um negócio”, referindo-se ao irmão de Collor, que dirigiu as empresas de mídia da família até o meio dos anos 1990. De fato, pode-se observar em diversas matérias da Gazeta de Alagoas o uso político do impresso, em favor de seu proprietário. O posicionamento da empresa é colocado desde a escolha das pautas até a definição dos títulos e seleção de fotos. Matérias de página inteira, divulgando as propostas de Collor para Alagoas, tornaram-se frequentes no começo do período eleitoral. Em contrapartida, o jornal não destinou o mesmo espaço aos demais candidatos. Ao final do pleito, Collor conquistou apenas 28,80% dos votos válidos, levando Lessa (29,16%) e Vilela (39,58%) ao 2º turno. As eleições foram vencidas por Teotônio Vilela (52,74%). 
    Os números eleitorais conquistados por Collor nas três eleições analisadas, demonstram que os resultados foram correspondentes ao uso que o político fez de sua mídia. Nas duas primeiras disputas, 2002 e 2006, Collor optou por exaltar os problemas da região, enquanto em 2010, quando usou a Gazeta e o instituto de pesquisa como instrumentos de propaganda política, obteve um resultado abaixo do esperado.
    Foram analisadas 46 matérias, 25 colunas e sete capas da Gazeta de Alagoas, veiculadas entre agosto de 2002 e setembro de 2010. Deste total, 12 matérias estão disponibilizados no portal da Gazeta (Gazeta Web) e 34 fazem parte de arquivo dos alunos do Núcleo de Crítica à Economia Política da Comunicação (Cepcom)4 que pertence ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). As colunas e capas analisadas, também fazem parte do material do Cepcom e correspondem ao ano de 2010. 
    De acordo com informações do portal Mídia Dados (2011), a tiragem média da Gazeta durante o período eleitoral estudado foi de 8,9 mil exemplares, com destaque para as impressões do final de semana, que chegaram a 11,4 mil jornais. 
    Na maioria dos textos, Collor é citado apenas pelo nome ou como senador (cargo que ocupa desde 2006). A expressão “ex-presidente” foi vista em uma coluna (José Elias, junho, 2010) e um box (junho, 2010), sem registro do termo em nenhuma matéria do material consultado. Além disso, em momento algum o jornal comenta o impeachment sofrido por Collor, em 1992. Apenas em uma edição de seu programa eleitoral (agosto, 2010), que durou pouco mais de um minuto e meio, Collor pede desculpas pelo que fez no passado, afirmando que nada foi provado contra seu governo. Em hora alguma o proprietário da Gazeta cita as acusações que o levaram ao impeachment ou se intitula como “ex-presidente”. No dia seguinte à exibição do programa, a Gazeta publica uma pequena nota comentando o discurso de Collor (Fatos e Notícias, agosto, 2010), reforçando o arrependimento do candidato. O fato ganhou repercussão nacional, conforme matéria do jornal Folha de São Paulo (2010). O texto destaca a falta de explicações de Collor a respeito dos erros e das desculpas direcionadas aos eleitores, já que o ex-presidente sequer citou o fato de ter renunciado ao governo. 
    Os candidatos também fizeram grande uso de redes sociais, em especial do Twitter. As colunas “Integração” e “Mercado Alagoas” citavam (2010) algumas publicações dos políticos que disputavam o governo do Estado, com maior número para os recados de Collor na rede. A Gazeta, inclusive, publicou o número de seguidores de cada candidato, colocando Collor sempre em primeiro lugar.
     No caso estudado, a mídia serviu como espaço para a disputa eleitoral e como cenário de espetáculo, conforme explica Rubim (2004, p. 197): “o modelo editorial congrega os eventos que a mídia constrói como espetáculo político, através de variados gêneros discursivos, mas todos eles sob o controle da instituição midiática”. Considerando que a mídia exerça uma influência limitada no público, o trabalho da Gazeta, carregado em uma preferência política específica, não foi bem visto pelos eleitores, que acompanhavam as campanhas eleitorais e o trabalho dos candidatos envolvidos. Mesmo com o esforço exagerado em torno da imagem de Fernando Collor, essa personalidade política recriada não agradou (tampouco convenceu) os eleitores. Os meios de comunicação eletrônicos intervêm na construção da imagem e apresentação simbólica dos políticos, definindo parâmetros de visibilidade, que são repassados ao público. Por isso deve-se prestar atenção às mensagens emitidas por essas personalidades “criadas”, para não se deixar influenciar pela imagem projetada, que pode resultar em uma escolha com fraco embasamento político. De acordo com Thompson (2007),
    
A personalização generalizada de assuntos políticos que é facilitada pela comunicação de massa acarreta o risco de que personalidades construídas possam ser recebidas e percebidas como charlatães, e, como consequência, o processo de personalização pode ocasionar novas formas de ceticismo, cinismo e desconfiança. (THOMPSON, 2007, p. 348).

    A mídia tem o poder de definir o que é notícia e explicar seu significado. Os proprietários dos grandes grupos, inclusive Fernando Collor com as empresas da OAM, podem ser vistos como definidores dos assuntos que serão veiculados pela imprensa, que vai desde o seu agendamento, até a escolha das fontes. Assim como as capas da Gazeta davam preferência a temas eleitorais em um momento específico (eleições), em outras circunstâncias altera seu discurso, transformando-se, praticamente, em um jornal a favor do governo local. Os assuntos veiculados pela mídia são agendados de acordo com a necessidade de quem a domina. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Fernando Collor de Mello consegue, utilizando seu poder como proprietário de um grupo de comunicação, retomar a vida pública, sinalizando a força do coronelismo eletrônico como sistema político no país. Com o apoio do maior jornal de Alagoas, o ex-presidente da República confirma, nos três períodos eleitorais estudados, o uso de sua empresa de mídia como ferramenta política. O discurso utilizado pelo jornal mostrou-se a favor de Collor, mantendo um comportamento desigual com os demais candidatos. As capas da Gazeta priorizavam a editoria de política durante as campanhas analisadas, deixando de lado assuntos diversos que foram retomados tão logo divulgados os resultados das eleições. Já as matérias da Gazeta enalteceram as propostas de Collor, apresentando o candidato como o mais preparado para resolver as dificuldades do Estado. Em contrapartida, os problemas de Alagoas foram tratados com maior frequência, de maneira insistente e exagerada.
     Além disso, ficou clara a posição da Gazeta de Alagoas em não tratar seu proprietário como ex-presidente, referindo-se ao político, em grande parte das vezes, como senador ou simplesmente pelo nome. A autopromoção de Collor também foi vista em outra empresa do grupo Arnon de Mello, o Instituto Gape Pesquisa, que forjou, conforme comprovado pelo Ministério Público de Alagoas, pesquisas eleitorais em 2010, visando o agendamento dos votos da população. As pesquisas foram divulgadas em todos os veículos de comunicação da OAM, com maior destaque no impresso.
Prova do uso político instrumental das mídias no Nordeste foi a intervenção da Rede Globo na programação jornalística das afiliadas, que padronizou e gerenciou o jornalismo de, pelo menos, cinco emissoras, entre elas a TV Gazeta. Mesmo sendo uma empresa do grupo, a TV não promovia “seu candidato”, comportando-se de maneira distinta do impresso. 
    A Gazeta de Alagoas promoveu o mau jornalismo, além do mau uso da profissão. De acordo com o código de ética dos jornalistas, o profissional deve manter o compromisso com a verdade do que é veiculado, levando em conta a correta apuração e divulgação dos fatos. A OAM não possui manual de redação, utilizando como guia os princípios editoriais das Organizações Globo. Para a emissora, o jornalismo praticado por seus profissionais (incluindo as afiliadas) devem se comprometer com a verdade dos fatos. Destaco o item “i” do manual: “As Organizações Globo são apartidárias, e os seus veículos devem se esforçar para assim ser percebidos”. A empresa também se diz independente de governos e grupos econômicos, sendo dever de seus profissionais seguir da mesma forma. Sobre o uso político das afiliadas, o manual é claro:

Os jornalistas das Organizações Globo não podem se engajar em campanhas políticas, de forma alguma: nelas trabalhando, anunciando publicamente apoio a candidatos ou usando adereços que os vinculem a partidos. Em seus manuais de redação, os veículos devem criar normas de quarentena para receber de volta jornalistas que tenham pedido demissão a fim de trabalhar para partidos, candidatos ou governos. (ORGANIZAÇÕES GLOBO, Princípios editoriais das Organizações Globo). 

    Percebe-se na Gazeta de Alagoas o interesse em agir em benefício próprio, para promover seu candidato. Entretanto, mesmo com as acusações de uso público da mídia, o grupo OAM nunca foi punido. Ainda que contrariando a Constituição, diversas empresas de comunicação continuam sob o comando de políticos com grande força regional, sendo difícil crer em um jornalismo sem a interferência de seus patrões, detentores de carreiras políticas prolongadas.

REFERÊNCIAS

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