Consta neste Anexo I, entrevistas com representantes das entidades estudadas e da Direção-Geral, gestão Paulo Lacerda. Todas as entrevistas foram realizadas em Brasília, no mês de agosto de 2003. Estão apresentadas em ordem cronológica, tem suas páginas numeradas e não foram editadas (estão na íntegra). Abaixo, antes de entrar nas entrevistas, nos pareceu interessante expor o roteiro inicial pensado para estas entrevistas, ainda no mês de junho de 2003. Estas perguntas não estão em ordem de importância, nem tampouco seriam feitas seguindo algum ordenamento prévio. Apresentar este roteiro nos pareceu interessante para expor o tipo de informação que queríamos, a busca do contraditório dos depoimentos e poder comparar entre o momento prévio e o que realmente foi obtido através destas fontes.
Com as perguntas previamente roteirizadas, procuramos expor um pouco do roteiro como um mapeamento analítico indireto. Deste mapeamento, obtêm-se uma dedução através de via de aproximação indireta. O guia básico dos conceitos embutidos no roteiro é:
Prerrogativas das FFAA (militares) por sobre o aparelho constitucionalmente válido (a PF) – Espírito de Corpo – Obediência a Justiça, ao Ministro ou a Presidência – Justiça X Direito – Lógica punitiva diferenciada como fator de desigualdade estrutural do Sistema – Autonomização dos Agentes Sociais mesmo no interior da PF – Autonomização burocrática no interior do Aparelho de Estado, mesmo sendo este um Aparelho policial – Espiocracia como forma de Burocracia – Criminalização do Capitalismo – Classe Dominante e Classe Dirigente com práticas criminalizadas de ordem estrutural – Organização Criminosa X Rede de Quadrilhas – Organização Criminosa X Fragmentação da(s) Forma(s) de Repressão – Concorrências, Competências e disputas Intra-Policiais – Disputas Internas da(s) Comunidade(s) de Informações e Inteligência - Limites do Jogo Democrático X Jogo real das disputas pelo poderes de fato em todos os níveis – Campo Jurídico + Burocracia Policial X Democracia Deliberativa - Repressão Seletiva, Repressão política (e das forças sociais) como forma de sub-seleção.
Roteiro prévio para as entrevistas
- Como o senhor analisa as acusações de ingerência dos EUA (a exemplo do dossiê da revista Carta Capital), através da embaixada e com financiamento direto de operações e treinamento por parte da CIA, DEA e FBI, no interior da PF? Estas denúncias procedem? Há setores que não respondem mais à hierarquia do órgão e sim diretamente às agências dos EUA? Se a afirmação for positiva, quais seriam as alternativas para realizar estas operações, equipagem e treinamento?
- Qual é, baseado na opinião do senhor e em sua experiência profissional, a relação e a possibilidade de trabalho em conjunto entre a PF e o GSI/ABIN? Quais seriam, ainda na opinião do senhor, os papéis precisos da PF e da ABIN? Quem deveria operar, aonde e sob qual tipo de coordenação? No plano do concreto, que tipo de influência exercia o general Cardoso sobre a PF e o conjunto da “comunidade de inteligência”, especialmente a partir da queda de Vicente Chelotti até o fim do 2o mandato de Fernando Henrique Cardoso?
- Como entende que deveriam ser as carreiras de delegado e agente na PF? Considera possível uma PF sob os moldes do FBI atual (pós-Hoover e com cargo único)? Considera possível uma PF onde os agentes ou outra categoria da carreira policial voltem a ter exigência de 2o grau completo ao invés de nível superior?
- O que o senhor pensa sobre as transformações no MJ? Deveria funcionar como um Ministério do Interior? Considera necessária a existência de uma Guarda Federal Fardada e com emprego a nível nacional? Existindo esta Guarda, como ficaria a relação com o Exército, especialmente em zonas que há Pelotões Especiais de Fronteira? Seria empregada esta Guarda somente na faixa de fronteira ou também para intervenção nos estados?
- Qual deveria ser, tanto o critério como a motivação para uma intervenção federal em estados, micro-regiões e/ou municípios? Poderiam justificativas possíveis, apenas para exemplificar:
Por calamidade pública? Zona de emergência? Por corrupção endêmica? Por rebelião de polícias? Área de segurança nacional? Descontrole do Estado, como no chamado Polígono da Maconha? Municípios na faixa de fronteira? Tratando de um caso específico, foi a favor da intervenção federal no Espírito Santo, a que não ocorreu, no ano de 2002? Porque?
- Pediria ao senhor que fizesse uma análise profissional e política, pormenorizada, dos seguintes profissionais, quando no exercício de funções de chefia e liderança no órgão:
- A gestão de Vicente Chelotti como DG da PF?
- A gestão de Romeu Tuma como DG da PF? A presença política e profissional de Tuma no órgão?
- Qual é hoje, o grau de coordenação entre os MPs estaduais e Federal com a PF? Considera a atuação do GAECO do MP-SP e a Superintendência naquele estado como modelar? Qual seria então o tipo de coordenação, incluindo o nível dos recursos e o grau de autonomia tática, necessários para fazer frente as urgências investigativas e processuais?
- Como o senhor vê o papel da PF como órgão executor de repressão política e social? Esta função seria da ABIN? Seria da própria PF? Como se dariam então as antecipações necessárias para cumprir o trabalho? Deveria ser exercida, por exemplo, infiltração no MST e repressão às rádios comunitárias?
- O senhor vê necessidade da figura do delegado no processo de instrução, presidindo Inquérito Policial? Para que serve então o IPL? Como funcionaria então uma polícia exclusivamente investigativa e judiciária?
- Como o senhor vê o papel da FENAPEF e dos sindicatos estaduais na PF? Como o senhor vê o papel da ADPF e as respectivas associações e sindicatos estaduais de delegados, na PF? Tanto hoje como durante a gestão de Chelotti?
- Se o senhor fizesse um mapeamento da instituição, quantos setores de fato existem hoje? Seus interesses são conflitantes, são confluentes? Seus projetos para o órgão são conflitantes, são confluentes? A hierarquia do órgão exerce de fato poder de mando no conjunto dos servidores? Que setores têm autonomia dentro da própria instituição?
- Existe continuísmo na PF? Existe continuísmo de resquícios e pessoal do regime militar? Que relevância tem esse continuísmo, caso exista, para a filosofia de trabalho do órgão?
- Existe alguma transparência na PF? Que tipo de transparência e relação com a sociedade, na opinião do senhor, deveria existir?
- Caso o senhor tivesse poder de mando e execução, que mudanças realizaria na PF?
ENTREVISTA
BRUNO – Só por procedimento, não precisa narrar a carreira inteira, longe disso. Mas, diga por favor quando ingressou no Departamento e um resumo breve da carreira.
FRANCISCO – Eu entrei no Departamento no dia 3 de janeiro de 1977. Fiz a Academia em 1976, em plena ditadura militar. Eu sempre tive a vontade de ser policial. Eu sempre falo que eu sou um dos casos raros de profissão por aptidão. Desde garoto, eu queria ser “polícia” e não tem nenhum “polícia“ na família. Fui criado num bairro pobre, cheio de bandido, e eu achava o serviço da polícia melhor do que o dos bandidos. Então, resolvi ser polícia para não ser bandido, porque lá no meu bairro, em São Paulo, muito pobre, você tinha duas opções: ou você ia ser bandido, ou você ia ser bandido, só tinha essas opções. Ou você saía do ambiente por sua conta e tentava fazer uma profissão, e eu resolvi ser policial.
BRUNO – Só uma curiosidade: qual bairro?
FRANCISCO – Tucuruvi, zona norte, 1958, 1960. Você deve imaginar o que era o Tucuruvi. E aí eu fui estudar. Um cara pobre estudar em São Paulo prá atingir o colegial, que se exigia na época, é muito difícil. Estudava e trabalhava. Fiz concurso para a Polícia Civil de São Paulo, passei, e depois eu fiz para a Polícia Federal, mas não cheguei a trabalhar na Polícia Civil porque os concursos foram juntos. Aí, então, eu passei para a Polícia Federal vim para Brasília fazer o curso. E já na Academia eu já descobri que aquele sonho de polícia meu que era o de cumprir a lei, servir, proteger e servir, que é o slogan mundial, eu percebi que já era uma coisa muito complicada de fazer na Academia já, que a nossa Academia era dirigida por um comandante da Marinha, comandante Clemente na época, e a doutrina de ensino da Academia era toda voltada para a repressão política. Você tinha uma carga horária de DOPS muito maior do que qualquer outro tipo de disciplina policial mundial: repressão às drogas, repressão à invasão etc, você tinha uma carga horária e você estudava a linha chinesa, linha maoísta, a linha nigeriana, linha siberiana, Mao Tsé Tung, Fidel Castro, ficavam te enchendo o saco ensinando isso. E eu me perguntava para que que eu tenho que saber essa porcaria ideológica? Eu sempre, por minha conta mesmo, eu sempre achei que polícia e ideologia não funciona. Polícia ideológica não funciona, entendeu? Porque a polícia é um instrumento do Estado, quando ela deveria ser simplesmente uma função do Estado. Não um instrumento, como é hoje. Então na Academia eu já descobri isso pela carga horária. Falavam em comunista o dia inteiro, que comunista matava criança, velhinho, entendeu? E a gente tinha que aprender a investigar estudantes, investigar pais de família, jornalistas, aquele controle que você conhece, que a história tá aí. E é por isso que a Polícia Federal acabou sendo maculada por esses párias do Brasil aí, que foram os militares na época da repressão, que acabaram com trinta anos da minha vida, e do teu pai. A gente não podia falar num boteco que o presidente era ladrão, e ele era ladrão, e você não podia falar. Então, durante trinta anos, a gente não pôde falar nada. Eu fui eleito diretor do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da minha faculdade, presidente do DCE da minha faculdade...
BRUNO – Qual que era?
FRANCISCO – Guarulhos. Faculdade de Direito de Guarulhos. E a faculdade, toda ela, era composta de membros da repressão política de direita, inclusive o dono. Eu fui nomeado num dia, no primeiro discurso, eu fui destituído no outro. Então quer dizer, por aí você vê o que era, né? Eu, com uma semana de Polícia, trabalhando já na repressão a entorpecentes, eles queriam que eu fosse na banca de jornal pegar jornalzinho Hora do Povo, Jornal Movimento, Pasquim. Nessa época, eu já percebi que não era bem fazer polícia. Eu fui soldado, e eles queriam me lotar no DOI-CODI (obs. nosso, Destacamento de Operações Internas – Comando de Operações de Defesa Interna), porque eu era motorista de um coronel lá em São Paulo, e eles queriam me lotar no DOI-CODI e eu disse que não ia. Um garoto de 18 anos, você falar para ele que não é interessante ele tirar a farda, ficar secreto com uma 45 na cinta, é difícil. Mas eu fui saber o que era isso aí: os caras matavam as pessoas, torturavam, sumiam com pessoas, e não sei porque eu resolvi não ir, porque eu não tinha nem informação para me negar a ir. Formação política, se eu falar que eu tinha com 18 anos, eu não tinha. Eu não fui porque, calhou de eu não ir e eu achei que aquele era um serviço muito sujo. Não perigoso, sujo. Aí eu resolvi não ir. E na Polícia fui punido, já com uma semana porque eu me neguei a ir na banca. Eu tinha um serviço para pegar 30 quilos de maconha, e eles mandaram eu abandonar para ir na banca buscar o Pasquim, que estava falando mal do presidente Geisel, que o Geisel era isso, que o Geisel era aquilo. Então eu resolvi ir prender minha maconha, prender o meu traficante e fui punido. Então, aí, para mim, eu sempre lembro desta história porque para mim é um retrato do controle do Estado na instituição policial. Isso é o Exército na PM, muito pior ainda, a PM é como se fosse propriedade do governador do Estado. Se o governador mandar o cara invadir a sua casa e cortar sua cabeça o PM vai lá e corta.
BRUNO – Fazendo uma comparação, foi o caso de São Luís do Maranhão por exemplo, da Roseana Sarney e a empresa Lunus?
FRANCISCO – Claro. Mandaram invadir o escritório da Polícia Federal, a governadora mandou. E ali são dois casos típicos. O primeiro foi a governadora usar a Polícia Militar para ir lá ver o que a Polícia Federal estava fazendo. Invadiu a Polícia Federal lá a PM. Poderia ter mortes e mais mortes. Pega uns colegas lá que eu conheço, ou eu mesmo que estivesse lá dentro eles não entravam, não. E o outro foi o controle da Polícia Federal para tirar a Roseana da candidatura. É um caso típico de controle do Estado, é um caso típico de controle polícia.
BRUNO – Esse foi um caso reconhecido. Deixa eu te perguntar uma coisa: o que chegou para nós de fora, como leigos, é que a DSI do Ministério da Saúde foi ressuscitada com o Ministro José Serra e foi passada para o controle do ex-D-G Vicente Chelotti. Isto procede?
FRANCISCO – Com o Vicente Chelotti? Não entendi.
BRUNO – É o seguinte, essa operação da Polícia Federal teria sido feito foi feito também porque o José Serra começou a ter equipe trabalhando para ele, lotado no Ministério da Saúde...
FRANCISCO – Mas não era o Chelotti. Era o Marcelo Itagiba que agora é um dos assessores do Garotinho. Mas eu não sei se ele fez algum controle, eu não posso afirmar, o Marcelo sempre foi um delegado muito competente. Mas se errou, ou foi por necessidade da profissão dele, para poder subir na carreira, ele percebeu que tinha que colar em político, mas Itagiba enquanto ele não foi colado em um político, que eu trabalhei com ele durante 4 anos na repressão às drogas em São Paulo. Enquanto ele não foi colado a Serra, Fernando Henrique e Garotinho, ele foi um excelente delegado. Depois ele resolveu trocar a bandeira da Polícia Federal pela bandeira política. Ele já foi superintendente, já foi assessor, já foi tudo, não pela competência policial dele, mas por causa da competência política dele é que ele chegou a algum cargo.
BRUNO – Tem um site que faz o mesmo comentário e relação ao Chelotti.
FRANCISCO – Não, o Chelotti, eu não tenho conhecimento disso não.
BRUNO – Não, o comentário que ele era um bom delegado e depois subiu a cabeça.
FRANCISCO - O Chelotti, inclusive, na época do governo Fernando Henrique ele foi fazer aquele caso Cayman e o governo tirou ele porque ele começou a fazer algumas investigações. Mas o Chelotti também se imiscuiu politicamente, porque ele é amigo do Nelson Jobim. E o Nelson Jobim na época não era o ministro do Supremo, era deputado federal e foi escolhido para o Ministério da Justiça. Então o Chelotti também pecou, esqueceu de ser polícia para ser um delegado político também. Por isso que eu te falo que o delegado, que principalmente os delegados não resiste, porque eles têm o comando da polícia, por tradição, não por merecimento, por tradição. Eles é que tem o controle da polícia.
BRUNO – Garisto, tu abordou um tema de fundo que eu queria entrar, uma coisa mais de fundo e que me impressionou. A gente de fora associa que: “a pessoa que se envolve com associativismo na sua corporação geralmente não tem muito vínculo com a profissão” e o que eu percebi nas poucas vezes em que eu estive aqui e na PF no Rio Grande do Sul, é que os sindicalistas da PF tem uma carga operacional muito grande. A que se deve isso? Como o senhor falou. Se vão a campo, vocês fazem o trabalho de vocês e esbarram no limite da corporação, seria por isso?
FRANCISCO – Claro. O problema nosso de levar uma investigação adiante é o comando da polícia, não é o policial. É o comando da polícia porque ele tem que se retratar ao ministro da Justiça. Outro erro: O ministro da Justiça é um ente político. Quem é o ministro da Justiça? Márcio Thomaz Bastos. O que que ele é? Advogado das pessoas que a gente prendia. Não estou dizendo porque todo mundo tem que ter advogado. Mas eu acredito que a pessoa que vais ser o chefe da polícia, que nem agora, ele mesmo está sendo acusado lá em São Paulo, suspeito de mandar dinheiro para o exterior. Você deve ter lido no Estadão, na Folha. E quem está investigando ele? Um delegado de São Paulo chamado Moacir Moliterno é que está fazendo a investigação se o ministro é culpado ou não. Como é que ele vai investigar isso no patrão? Como é que ele vai chegar numa investigação decente? Se ele tentar chegar, ele é trocado. Não estou dizendo que o ministro esteja envolvido, até porque a investigação está no início, mas isso acontece desde que a polícia foi fundada. O cara começa a investigar, se ele esbarra em alguma coisa concreta ele é afastado, que nem foi afastado o delegado Deuler Rocha lá no Rio de Janeiro, que foi investigar a Telemar; que nem foi afastado o Castilho quando foi investigar a suspeita de ter desviado US$ 30 bilhões de dólares (caso BANESTADO), são 90 bilhões de reais, são vinte anos de faturamento do país e ninguém está dando bola, brincam, não está dando bola, porque no Congresso Nacional, tem muita gente envolvida lá , do Judiciário, todo mundo envolvido nesse troço. US$ 30 bilhões, para você conseguir aqui no país, para juntar US$ 30 bilhões esse dinheiro tem que sair de todas as camadas que dominam o país. Eu já vi uma mala com US$ 1 milhão de dólares, é dinheiro pra cacete, em nota de US$ 50, em nota de US$ 100, é muito dinheiro. Imagina US$ 30 bilhões de dólares, não cabe nem nesse quarteirão aqui, imagina? E os caras estão por aí, vão investigar, não vão, cabe ou não cabe ação para estourar uma CPI, entendeu? Um nome e outro, agora de uns tempos para cá ninguém fala mais no BANESTADO. É o controle efetivo. Agora, se o teu pai tivesse envolvido nisso ele tava ferrado, você tava preso já. Esta é a minha grande revolta como policial federal. Você só pode prender pé-de-chinelo. E quando eles deixam, deixam mesmo, deixam, não põe aspas aí não, deixa você prender um mais poderoso, é porque esse poderoso está atrapalhando o sistema. Confrontou numa licitação, confrontou querendo ser candidato na frente de alguém, como a Roseana.
BRUNO – Seria o caso do Cacciola?
FRANCISCO – O Cacciola é um dos casos típicos de traficante de divisa mesmo. Poderiam prender o Cacciola aqui há muitos anos. Não prendiam porque ele mexia com dinheiro de outros poderosos. Tem mais de mil Cacciolas aqui.
BRUNO – É isso que eu queria falar, na CPI dos Bancos havia mais de 1000 nomes de pessoas físicas e jurídicas.
GARISTO - É, tem mais de 1000 Cacciolas aqui. Esse Cacciola representa a sem-vergonhice brasileira. Ele sempre foi recebido no Palácio do Planalto, ele sempre foi bem recebido nas revistas Caras da vida aí, sempre. Sempre estava o Cacciola lá com a sua esposa bonita, podre de rico, com helicóptero, com avião, com tudo. Nunca ninguém investigou esse cara. Igual ao Cacciola tem milhares por aqui. Porque a lavagem de dinheiro hoje não é feita pelo Fernandinho Beira Mar. Fernandinho Beira Mar é um pobre diabo que está preso. Marcinho VP foi fuzilado. Os grandes chefes do crime organizado brasileiro usam gravatinha, colarinho branco, andando de mercedez blindada.
BRUNO – Isso não é figura de linguagem, correto?
FRANCISCO – Não senhor, estou falando na precisão da palavra. Não, não é figura de linguagem não. Os grandes bandidos são aqueles, não todos, claro, você não pode dizer que o Antônio Ermírio de Moraes é desonesto. Um cara que trabalha a vida inteira, você não pode alegar que algum outro empresário seja desonesto. Mas você vê aí Paulo Maluf: não querem acreditar que esse homem é ladrão. O que precisa fazer para alguém acreditar que Paulo Maluf é ladrão, diga para mim. O cara pega a mulher dele, digo agora, tô falando agora, não digo lá em São Paulo onde ele tem história cabeluda, mas que eu não consegui apurar porque ele era governador. Ele tirou um superintendente da Polícia Federal em São Paulo chamado Nélson Maraboto, ele tirou. Porque o Maraboto estava investigando as porcarias dele lá, isso em 1983. Então hoje, a mulher dele pega US$ 2 milhões de dólares para fazer compras em Paris e todo o mundo dá risada. Semana que vem está lá na Hebe, no final de semana ele é capa da Caras e dane-se, você está entendendo? E dane-se, literalmente falando. O INSS está quebrado mesmo, vamos tirar o dinheiro do servidor. A Fome Zero não distribuiu quase comida ainda, porque não tem dinheiro. A Benedita não consegue fazer nada, até por incompetência dela mesma, está no lugar errado. Mas não tem dinheiro, mesmo que ela fosse mais competente, não tem dinheiro. Você vai ver Ciro Gomes chutando o balde daqui há pouco. Não tem dinheiro, o país não tem dinheiro. Qual é a estratégia de governo do Lula? Eu já estive analisando isso, e eu tenho intimidade um pouco com algumas pessoas que mandam no governo hoje, e eu cheguei à conclusão que ele está fazendo um açude, igual cearense faz na água lá, está fazendo um açude do dinheiro, para ver se até o ano que vem ele consegue achar alguma coisa, você vai ver. Então eles vão rebater estas críticas que estão sendo feitas hoje com o vazamento de dinheiro no ano que vem. Não tem dinheiro, cara. Esse Fernando Henrique Cardoso ficou 8 anos aí, entregou à privatização. Eu sou a favor da privatização. Daqui há pouco vão pensar que eu sou comunista, leninista, aqueles caras que eu odiava na Academia e eles continuam aí fazendo, stalinista, trotskista, maoísta, castrista, até hoje eles continuam fazendo aí. De vez em quando eu vejo, grandes figuras, escrevendo na Época, na Veja, fulano com as suas tendência trotskistas. Mas que tendência trotskista, cara, aquele muro já está no chão, a Rússia já era, está a Coca-Cola lá e o McDonalds e os caras ainda falam em comunista, cara. O único país comunista hoje é Cuba. Não existe outro no mundo, só Cuba, o resto é tudo mentira. A China por exemplo já está lá, Hong Kong, por exemplo, é comunista? Então nós tamos falando e entrando na política. Na polícia, por exemplo, esse controle você não consegue, nem em 1977, quando eu entrei, que a repressão não deixava, porque os militares é que bancavam a repressão contra a esquerda. Então, você não podia prender ninguém da direita. Os ladrões já eram identificados naquela época: Ademar de Barros, aqueles ladrões daquela época, todos já eram identificados. O que Mário Andreazza gastou para fazer aquela ponte, dava para ir daqui a Nova York com uma ponte, por cima do Atlântico.
BRUNO – Aquele escândalo da mandioca também?
FRANCISCO - Que mataram o procurador, quem apagou aquele cara ali? Quem fez aquilo foram as famílias nobres de Pernambuco que bancavam a repressão. Então, se você fizer um histórico, você tem a chance de fazer isso, das grandes investigações que não deram em nada; que nem você falou, ninguém fala nada sobre Polícia Federal, ninguém nunca tem estudo sobre a Polícia, porque a Polícia é tabu.
BRUNO – Tu diz que é por causa da impunidade?
FRANCISCO – Tudo por causa da impunidade que é gerada pelo controle político das polícias. Porque que os delegados; delegado é uma categoria de funcionário público. Agora, porque que a sociedade, o Congresso Nacional e o governo não querem mudar o Inquérito Policial? Porque ele tem o controle de todas as investigações através do delegado. O delegado hoje continua sendo, o nome dele hoje é delegado de polícia federal, delegado de polícia civil, é mentira. Ele é delegado do Governador, ele é delegado do ministro da Justiça. Mentira que ele é delegado de polícia federal, isso não existe, delegado de polícia civil, mentira.
BRUNO – Dá para dizer então que há controle político dentro do Departamento?
FRANCISCO – Claro que existe. Eu tenho um colega, por exemplo, José Augusto Bellini, um delegado de polícia federal de São Paulo. É um dos delegados que mais fez apreensão de drogas nesse país. Ele nunca assumiu nada, já está doente para se aposentar. Então essa garotada entra aqui agora e eles percebem muito rapidamente o que, que você para ser Superintendente, Diretor-Geral, chefe da Polícia Federal da Bahia, Espírito Santo, Brasília, você tem que ser puxa-saco, fazer favor para o sistema, fazer favor para o governador, fazer favor para o ministro, para o presidente. Se você descobrir que o filho do presidente gastou US$ 2 milhões e meio de dólares a mais na feira de Hannover lá na Alemanha. O filho do presidente, se você descobrir algum dia isso, que o filho do presidente gastou US$ 2 milhões e meio a mais numa feira,você não pode fazer nada, se fizer vai parar lá no Chuí.
BRUNO – Tu diz também, como o caso do sobrinho do Itamar, o sobrinho do presidente morreu de overdose numa viagem no exterior.
FRANCISCO, Sim, e você viu o caso Cayman, que foi uma falcatrua montada. Mas a falcatrua se transformou em verdade em alguns fatos.
BRUNO – Queria te fazer então uma pergunta que é uma avaliação política de gestão. Tu compraste o jornal. O que achou da entrevista com o Chelotti? Digo, a respeito da visibilidade que a gestão dele teve?
FRANCISCO – O Chelotti teve dois momentos. O Chelotti foi um caso típico do uso do poder político para a instituição. O Chelotti teve a inteligência, já que era inevitável esse conchavo, ou seja, esse elo entre o chefe da Polícia Federal e o governo, o Chelotti pelo menos teve a decência, durante 3 anos, de usar, de usar mesmo, sem aspas, é usar essa convivência com o governo para conseguir verba para a polícia; para conseguir concurso para a polícia, que não tinha. O Chelotti melhorou muito a Polícia Federal, mas não porque a Polícia Federal foi vista pelo Fernando Henrique. O FHc não disse: “ah que boa que é essa Polícia, ah eu vou consertar esta Polícia Federal”, não foi assim. Foi porque o Chelotti usava o poder dele de relação com o Estado para conseguir benefícios para a polícia. Você vê que absurdo, mas é verdade.
BRUNO – E a história de que ele seria um ser intocável dentro do Departamento? Seria o chamado “Projeto Hoover”?
FRANCISCO – Isso é a imprensa que fez, ele caiu numa armadilha da imprensa. Aí foi um grampo, ele entrou em guerra com um delegado da Polícia Federal. Esse delegado, ou outro, não sei se foi ele, ele (o Chelotti) começou uma briga com várias pessoas e apareceu uma fita onde ele dizia isso. Agora, você sabe como é telefone. No telefone às vezes eu estava falando com minha mulher, outro dia eu falei para ela: “Porra, você fica dizendo que eu tenho uma mulher em cada canto, sabe o que vou fazer para me vingar de você, vou dar a bunda. Você vai descobrir que eu sou gay, falei pra ela”. Aí o cara pega uma fita dessas e vai dizer que eu estou dizendo que eu sou gay. No telefone você fala as coisas como se estivesse conversando aqui. Você entendeu, então eu tava tirando um sarro da minha mulher e disse: “Eu vou me vingar de você, vou virar e vou dar a bunda. Aí você vai dizer, melhor que ele estivesse saindo com todas as outras mulheres do que ter virado gay.” Então, imagina o cara pegar uma fita dessas? Você entendeu? Então o Chelotti falou assim: “Ah, eu sou o Hoover rapaz,(obs. J. Edgar Hoover, diretor do FBI que ficou 48 anos consecutivos no cargo), ninguém me derruba.” Que isso? Ele estava falando com um colega. O cara falou: “E ái Chelotti, você vai sair mesmo, os jornais estão dizendo que tu vai sair”. Aí o cara diz “Que isso rapaz? Eu sou o Hoover, daqui ninguém me tira.” Agora, ele não foi para uma tribuna do Congresso Nacional, falar “Olha aqui, eu sou como Edgar J. Hoover, e ninguém me derruba.” Não foi, aquilo foi uma conversa com um amigo. Aquilo ali ele falou com um amigo de sarro, o Chelotti é o maior tirador de sarro.
BRUNO – E o caso em que o irmão dele, que é agente federal, fez o grampo sobre o diplomata. O grampo era legal?
FRANCISCO – Era, foi a Justiça que mandou.
BRUNO – E puniram o agente, também né?
FRANCISCO – Puniram o agente que descobriu, o assessor do Fernando Henrique, seu Júlio César, erra, hoje é embaixador, olha só, a punição do cara foi ser embaixador em Roma.
BRUNO – Ele estava intermediando pelo SIVAM, correto?
FRANCISCO – Isto, intermediando pelo SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), que é um custo de US$ 1 bilhão de dólares, e foi flagrado no telefone negociando preço e sugerindo a participação de empresas. Então, no Brasil quando você faz um grampo legal, porque você oficialmente não faz grampo é ilegal. Se faz tem de prender quem está fazendo. Todos estes grampos que você viu na imprensa eram legais, você reparou?
BRUNO – A imprensa pouco divulgou isto.
FRANCISCO – Mas não tem um grampo ilegal (obs. nossa: Garisto fala a respeito dos grampos da PF). Aí o que você faz? Você pune o grampeador em vez de punir o que o grampo pegou. Em vez de apurar o que o grampo revelou. Ah, “não podiam gravar, gravaram o presidente”. E daí que gravaram o presidente? E em Watergate que pegaram as fitas todas do presidente e botaram o Nixon pra correr! E daí, o presidente é um funcionário público igual eu. Apenas a função dele é de comando do Estado, tá na Constituição Federal, tá aqui ó o que o presidente faz (obs. Garisto mostra a Constituição impressa), tá a minha função também. Então ele é melhor do que eu? Não, ele manda mais do que eu, ele tem mais atribuições do que eu. Mas no Brasil presidente da República e governador é como se fosse “Deus”.
BRUNO – Falando em grampo, ainda nessa época, a investigação sobre o grampo do BNDES esbarrou também nessa limitação também né?
FRANCISCO – Claro, cara, tudo. Não queriam que investigasse o BNDES, não durante a campanha política. Não estou dizendo que José Serra ou Fernando Henrique esteja envolvido até porque eu não tenho subsídio para falar isso, eu não calunio, já respondi um monte de processo por calúnia e fui absolvido em todos, porque eu não era culpado. Então, o que acontece é que esse povo não queria o apuratório durante a campanha e o governo queria fazer esse apuratório também para ferrar os caras durante a campanha. Essa é a grande verdade.
BRUNO – Isso no ano de 1998?
FRANCISCO – É. Então não apura. Agora, se o Serra não estiver no poder e descobrir alguma investigação sobre o Serra agora é pau nele, dane-se. Que nem o Serra e alguns delegados federais lá em São Paulo tentaram montar um dossiê contra o Lula.
BRUNO – Tu diz aquelas gravações de Santo André?
FRANCISCO – Isso, eu que descobri aquilo lá. Então, quer dizer, essas coisas, não é uso político isso? Você tem poder sobre a polícia, se é inimigo que está sendo investigado eles dizem “Não vamos interceder no trabalho da Polícia, ela tem toda a liberdade para apurar”. Quando você começou a apurar a Roseana Sarney, ninguém inventou também aquela dinheirama que estava lá. A Polícia não fez uma vaquinha nem botou R$ 1 milhão e meio de reais lá numa mesa para fotografar. Aquele dinheiro era de alguém. E não tinha origem? Estava lá. Então, vamos investigar a Roseana. Mas por quê? Por que ela estava com 22% das intenções de voto. Eu sei porque que aquele dinheiro era ilegal, tá todo mundo careca de saber que aquele dinheiro era ilegal. Do jeito que ela arrecada dinheiro ilegal, todos os políticos do Brasil, todos. Inclusive Tancredo Neves “que era a alma da honestidade”, e não sei onde seles foram buscar isso. Todos políticos brasileiros arrecadam dinheiro frio. Todos, sem exceção, desde a época que lançaram a primeira candidatura. Aí foram punir a Roseana porque sabiam que ela tinha. Aí você começa a investigar, usa a polícia para fazer isso.
BRUNO – Tu diz por exemplo, aquela capa com a apreensão foi uma operação de mídia?
FRANCISCO - O trabalho da Polícia era só fazer aquela foto, mais nada. Só que depois ela ficou mansa, ela saiu e o governo precisava do apoio do PFL para a campanha e não investigou mais. Parou, afastou o delegado, que pediu ajuda para mim e depois me deixou na mão, delegado sem vergonha, covarde. Esqueci o nome dele agora. Falou um monte, bancou o maior machão. Aí eu marquei umas reuniões com ele aqui, com o procurador Luís Francisco, para ele depor no Congresso, na Câmara, no Senado e não sei mais aonde e ele me deixou na mão. Deuselino Valadares, um pobre diabo. O único que não me deixou na mão e que me pediu ajuda e eu dei foi o Castilho. Por que o outro do Rio também me deixou na mão, o Deuler Rocha, que estava mexendo num caso sério lá na Telemar e BNDES e eu arrumei para ele vir depor aqui numa CPI. E ele veio aqui depor e disse: “Não, mas ninguém me pressionou a me afastar, eu que pedi para ir trabalhar no passaporte”. E eu discuti por ele, entendeu? Me deixou na mão. Chegou um senador e o senador disse: “Porra velho, era esse é o depoimento do cara?” Não não era esse, mudou do dia para a noite. “O que foi que houve?” Eu disse, pergunta para ele, também não vou matar o cara para ele falar o que eu quero. Agora o Castilho não, o Castilho está segurando. Foi lá depor lá e disse que foi usado mesmo, que o Paulo Lacerda está com interesse político mesmo.
BRUNO – Deixa eu lhe fazer uma pergunta. Na tua avaliação, o que leva o PT a assumir o governo e indicar alguém do PFL pra Direção da PF?
FRANCISCO – Conchavo.
BRUNO – Acordo pré-campanha?
FRANCISCO – Olha, você pode até dizer que é acordo pré-campanha, é uma tese, né.
BRUNO – É, consideremos uma tese, tô levantando agora.
FRANCISCO - Podem ser interesses.
BRUNO – Eu digo, o que me chamou muito a atenção foi aquela matéria, pequena até, quase uma notinha do Tognolli, na Caros Amigos, aquela que dizia a “Égua do PFL” (obs., Caros Amigos, No. 72, Março 2003)
FRANCISCO – Claro, fui eu que passei para ele. Você veja bem uma coisa, o Paulo Lacerda se aposentou com 20 anos de polícia. Eu tenho 27 anos de polícia, ele se aposentou com 20 anos. O Paulo Lacerda nunca fez uma prisão na vida dele, nunca fez uma prisão assim sozinho. Ele é o que a gente chama de delegado de maçaneta, só de inquérito, só faz inquérito, só abrindo porta de um lado e de outro. Nunca fez uma operação policial nem coisa parecida. Desde que ele se aposentou, ele já tem 8 anos de aposentado. E o Paulo Lacerda se aposentou, se aposentou “como o homem que investigou o PC Farias”. E na época ele me pediu ajuda em São Paulo, ele, e eu fui encontrar com ele em São Paulo, dizendo que o Diretor-Geral da época, que era o Romeu Tuma, veja como a história é interessante. O D-G era o Tuma e Paulo Lacerda me procurou dizendo que tinham tirado todas as condições de trabalho que ele tinha. Não tinha dinheiro, não deram passagem, tiraram até o escrivão e deixaram ele sozinho, a pé, sem carro, sem nada para fazer investigação daquelas. Claro que você não vai conseguir. Se você mesmo não tivesse as condições para fazer sua pesquisa tu não tava aqui agora. Imagine investigar o presidente e o PC! Tiraram tudo dele. Aí ele disse: “Mas eu não posso falar, você Garisto é um cara que mete a boca, é o presidente da Federação”, aquele era o meu primeiro ano como presidente. Depois eu fiquei seis anos fora e voltei novamente. Aí ele falou: “Pô me ajuda”, e eu fui ao ministro Célio Borges e falei com o ministro. Disse o que eles tavam fazendo e disse que ia denunciar todo o mundo, inclusive ele, o ministro Célio Borges. Ele é um homem íntegro, que havia sido ministro do Supremo Tribunal Federal e era ministro da Justiça na época do Collor, já havia sido ministro do Supremo Tribunal Federal e advogado no Rio de Janeiro. Um homem íntegro. E a república brasileira deve muito a Célio Borges, porque eu fui falar com ele e ele disse para mim: “Garisto, na investigação da Polícia Federal ninguém toca. Enquanto eu for ministro da Justiça aqui ninguém vai interferir na investigação da Polícia Federal. Nem o Collor nem ninguém. Eu sou o ministro da Justiça do Brasil não sou o ministro da Justiça do Collor e podem investigar o que bem entender”. Aí eu disse: “Ah, mas pode investigar mas não dão um litro de gasolina para ele. Não dão dinheiro, não tem nada. O ministro disse: “Mas a partir de amanhã isso vai acabar, eu vou entrar em contato direto com o delegado Paulo Lacerda e a partir de amanhã os problemas dele terminaram. Você pode acreditar nisso: se ele falar novamente com o senhor ou se o senhor ver que ele está sem condições de trabalho, o senhor pode me esculhambar como bandido”. Célio Borges me disse isso, assim mesmo, numa audiência no Ministério da Justiça. E eu fui liguei para o Paulo Lacerda e falei isso. Depois de 10 dias depois o Paulo Lacerda me ligou dizendo: “Garisto, nossa, tô com 10 peritos, 10 escrivães, 50 agentes policiais, com dinheiro em caixa pra fazer o que eu bem entender, que o ministro Célio Borges liberou o cofre para mim”.
BRUNO – Seria quase que uma força-tarefa?
FRANCISCO – Não, não era uma força-tarefa. Era uma equipe “do Paulo Lacerda”, todo mundo só fala em Paulo Lacerda e o Célio Borges liberou tudo para ele, até avião. Foi isso o que capacitou o Paulo Lacerda para poder chegar a alguma coisa na época. Então, por aí você vê: o combate ao controle do Estado sobre a polícia, você precisa da benevolência de um ministro da Justiça honesto como este. Se fosse o Paulo Maluf o ministro da Justiça o Collor estava como presidente até hoje.
BRUNO – Dá para fazer uma comparação quando era o Renan Calheiros o ministro da Justiça e houve o grampo do BNDES?
FRANCISCO – Ah, mas o Renan Calheiros é um político, né. Eu tenho o Renan Calheiros como um político. Não vou adjetivar ele como ladrão ou como honesto, mas eu vejo ele como um político que já dormiu na sigla do Collor, migrou para o PMDB e agora está aí para o PT. Então é um político, não tem ideologia. Político brasileiro não tem ideologia, não tem partido, não tem nada, “é o meu primeiro”. Eu conheço poucos políticos brasileiros que têm ideologia de pátria, não ideologia política de dogma, leninista, trotskista, que nem eu te falei, odeio esse negócio, pra mim isso aí não deveria nem existir. Você tem que ter um dogma mas dentro do Brasil. Como é que você classifica os sem-terra (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) hoje? Como um movimento revolucionário que quer tomar o poder, como estão dizendo aí? Não é nada disso, rapaz. Você tem que classificar o MST como um movimento social que está buscando alguma coisa. De forma errada, descumprindo lei, é por isso que nunca chega. Porque ele dá para o Estado o que falta para o Estado para reprimi-lo. Se ele ficasse só na reivindicação, invadindo, que eu acho que tem que invadir, mas quando tiver reintegração de posse tem que sair. Tem que invadir. Porque se não invadir quem é que vai ligar pros sem-terra? Agora, não pode é trancar estrada, saquear caminhão, fazer pedágio, aí é guerrilha, tem que meter a borracha nesses caras e prender todo o mundo. Agora, o MST é o único movimento organizado de necessitados desse país. Você tem aí 10% do ônus de todo o território brasileiro, vai tomar banho. Nós temos proprietários que tem terra a mais do que a Noruega.
BRUNO – Garisto, uma pergunta que é inevitável porque faz parte da história da PF e do meu roteiro como eixo do trabalho. Tu poderia fazer uma análise tua do impacto da greve de 1994 tanto para dentro da PF como para as categorias?
FRANCISCO – Foi uma divisão, um marco de procedimento dentro da Polícia Federal. Até a greve de ‘94 ninguém podia falar nada, ninguém podia abrir a boca dentro da Polícia Federal. Já era logo chamado de comunista, já era logo execrado por esses delegados do sistema. Esses delegados perniciosos politicamente que sempre se deixaram levar pelos chefes sistema. Porque o chefe da polícia, ele não é policial. Você veja, Renan Calheiros chefe de polícia, Íris Rezende chefe de polícia, Nélson Jobim chefe de polícia, Márcio Thomaz Bastos chefe de polícia, nunca botou o pé numa academia de polícia para saber o que é um fuzil. E eles que nomeiam Diretor, nomeiam Superintendente em São Paulo, para fazer investigação. E outros, Maurício Correa chefe de polícia, hoje é presidente do Supremo, foi ministro da Justiça. Alexandre Dupeyrat, o estafeta mais capeta de Itamar Franco, o paga-contas do Itamar Franco. A função dele era pagar as contas do Itamar Franco. O estafeta do presidente virou ministro da Justiça. É uma vergonha você colocar um quadro de um homem incompetente como o Alexandre Dupeyrat, um homem que não sabe nada de direito nem nada de polícia. Você colocar o quadro dele, porque tem os quadros dos ex-ministros, ao lado do Ruy Barbosa, do lado de Abelardo Jurema! Ta entendendo? Você vai lá e vê, Alexandre Dupeyrat ao lado de Ruy Barbosa!
BRUNO – Qual foi o balanço das conquistas da greve de ‘94?
FRANCISCO – A greve de ‘94 estabeleceu que a Polícia Federal não é composta somente de entes políticos, ela é composta de policiais que fizeram uma greve para obter melhores condições de trabalho, que fizeram uma greve pela não ingerência política dentro da Polícia Federal. Então aí foi um divisor, eles viram que se eles não usarem a Polícia Federal politicamente escondido, por baixo dos panos, como está fazendo agora o PT com o Paulo Lacerda, bem disfarçado, escondendo o negócio, “ah eu liberei para investigar o BANESTADO...” mas aí tira o delegado. Se você não fizer isso camuflado, nós denunciamos. E foi a partir daquela greve que toda a população brasileira soube que a Polícia Federal tinha problemas. Porque o Tuma dizia que a polícia federal era um FBI, e os caras ganhavam salário de fome, uma corrupção alarmante. O cara vem dizer que salário baixo não trás corrupção? Uma ova. Eu estava uma vez lá no Congresso e o Mário Covas falou isso para mim como senador. Eu estava depondo lá, para falar dos problemas da Polícia Federal na Comissão de Segurança Pública. E eu falei isso: eu falei “salário baixo trás corrupção”. Aí o Mário Covas falou assim: “O senhor me desculpe, mas se fosse assim todos os lixeiros seriam corruptos. Porque o que eu acho é que a corrupção é uma questão de princípios e de personalidade, questão de berço, a pessoa não se torna corrupta porque ela é pobre”. Eu falei: “Eu concordo com o senhor, só que se o lixeiro trabalhasse na ponte de Foz do Iguaçu onde o cara toda a hora oferecesse para ele US$ 1 mil dólares, ele seria corrupto, sim, todo lixeiro seria corrupto. É que ele não tem acesso à mala de dólares de cinco em cinco minutos jogada em lata de lixo. Ou o senhor acha que ele iria devolver essa mala, se ele está com a família com fome sem dinheiro para comprar uma caixa de leite?” Então a polícia traz corrupção, sim. “O cara ganha 800 reais, não paga uma faculdade nem dele, nem dos filhos. Ele apreende 200 toneladas de cocaína, que vale não sei quantos bilhões. Ele apreende não sei quantos mil relógios, ele apreende 2000 aparelhos de fax, e chega em casa e está com o cheque especial dele estourado. O senhor acha justo isso?” Por que um juiz tem que ganhar bem? Porque ele vai dar uma sentença de um bilhão dizendo se a Varig tem direito de receber do governo ou não. Você acha que não existe juiz ladrão? Existe, e muito. Então quer dizer, se o cara ganhar bem, tem gente que acha um absurdo um juiz ganhar R$ 17 mil reais, porque fica dizendo que os miseráveis ganham 240. Mas um miserável deste não vai julgar uma sentença de Estado. Esse juiz tem que ganhar 100 contos por mês, quantos juizes tem no país? Essa é a minha opinião, pode ser cruel perante o salário mínimo, mas a minha opinião é a seguinte. Você tem que dar condições para o cara e fiscalizar ele. Como é que um juiz pode ganhar 5 mil, como ganha lá em Sergipe e na Bahia? Tu está com um processo na mão de R$ 1 bilhão.
BRUNO – Qual o salário base de um agente federal?
FRANCISCO – R$ 5 mil. Líquido dá R$ 4 mil reais.
BRUNO – Qual o salário base de um delegado, fim de carreira?
FRANCISCO – Fim de carreira?
BRUNO – Isso.
FRANCISCO – Líquido? R$ 7 mil reais.
BRUNO – Eu tenho uma pergunta para lhe fazer, e te digo, justamente que o delegado Alciomar falou isso. Depois da greve de 1994, um agente consegue ter o salário equivalente a um delegado em início de carreira.
FRANCISCO – Ainda não.
BRUNO – Mas se aproximaria o salário, que estava muito defasado anteriormente.
FRANCISCO – Está defasado por culpa dos delegados, que eles não usaram esse poder político. Como é que delegado faz lobby no Congresso hoje, em 2003, agosto?
BRUNO – É justamente isso, uma das coisas que quero descobrir.
FRANCISCO - Eu, para eu fazer um lobby no Congresso Nacional e lobby bom.Brasil é que taxou lobby de coisa de gângster, de mafioso. Lobby existe no mundo inteiro. O que é lobby? Lobby é uma reunião de pessoas que vão ao Congresso Nacional reivindicar os seus interesses. E se esses interesses não forem os mesmos da nação você não leva. Porque tem deputado decente ali dentro, não tem só ladrão ali não, tem muito deputado e senador decente. O pessoal fala: sinônimo de deputado é bandido, não é não. Eu conheço grandes deputados, duro, fodido. Pessoa que chega na campanha e não têm dinheiro para fazer santinho. São reeleitos ali, com o pé no barro mesmo. Então você tem grandes deputados ali, não é uma casa de vagabundos, de corruptos como a população brasileira tem nojo. Que nem meu pai falou uma vez: “Eu tenho nojo de político”. É por isso, viu, Bertoldo Brecht, o analfabeto político. É só você pegar aquele texto ali, aí você vê a população brasileira espelhada, é por isso que o Fiúza se reelegeu, depois de ser cassado por corrupção e fica agora aparecendo toda hora lá no lado da foto. Então, você tem grandes deputados. Como é que deputado sabe o que delegado faz? Eu vou lá e falo olha, vocês estão criando uma Guarda Federal Fardada que não vai ser útil para a população porque você vai criar mais uma polícia, e a tendência brasileira é unificar as polícias. Por que tem essa zona nos estados que ninguém se entende? Porque existe polícia militar e polícia civil. O que é polícia militar? Que é essa que você grita aqui no 190. Se à noite o cara estiver roubando o teu carro na garagem você vai ligar para o 190, você não vai ligar para a Polícia Federal nem para a polícia civil, nem pro ministro. Você vai ligar pro 190 e vai vir um cabo e um soldadinho num carrinho para salvar a sua família. Então, a polícia mais importante desse país é a polícia militar, na minha opinião e prá população. Então, você tem a polícia militar, como ela é composta? No regime militar, ela foi criada para reprimir. Então, ela não é nem polícia, nem militar. Um militar, ele é treinado para extinguir o inimigo, se for fazer um combate entre Brasil e Paraguai na fronteira os caras estão lá com 200 soldados, eles vão ter que matar aqueles 200 soldados para poder invadir o território. Se der pra invadir deu, se não der dane-se. Qual a munição que os militares usam? É para arrebentar a cabeça do cara, 762, a mesma que os bandidos usam. A polícia não pode usar 762. Então, eles têm que eliminar o inimigo. Então, como é que você pode ter uma polícia militar, rapaz?! Nós não temos que eliminar o traficante, temos que prender o traficante. Nós temos que eliminá-lo quando estiver em situação de perigo, quando ele colocar em risco um outro policial ou um cidadão. Mas a PM não tem que ir para matar o traficante, quisera eu que fosse assim. Eu queria ser um policial militar, para matar os traficantes todos. Ter poder para matá-los né? Ele botar a mão na cabeça se rendendo e eu dar um tiro na cabeça dele. Quisera eu fazer isso, porque você vê que não adianta. Ele vai preso, paga advogado bom, ele sai, vai pra rua. E taí meus filhos, seus irmãos, todo o mundo à mercê desse traficante fdp. Mas eu não posso matar. Eu sou um policial federal, tenho que cumprir a lei, eu não saio fora da lei. Se eu saio fora da lei, acabou o sistema. Por isso é que o MST se ferra, na minha opinião. Por isso é que eu não gosto do MST. Porque sai fora da lei se rala, porque não tem nada que possa progredir fora da lei num sistema legal. Se você sair fora da lei acabou, está entendendo? Se você conseguir sair fora da lei e não for punido, acabou o sistema. Que seja até para burlar o paquímetro. Acabou, não adianta. Por que inventaram a tolerância zero? Que foi a coisa mais brilhante que já se fez, tolerância zero. Por que tolerância zero? Por que se o cara pegar um maço cigarro desse aqui é a mesma coisa que assaltar o BANESTADO. Porque através de um furto de um cigarro desse aqui é que o cara chega lá ao BANESTADO. É a consciência que ele prova a uma nação. Aqui não dá nada, aqui não dá porra nenhuma. Agora o governo do PT está colocando os bandidos todos na rua. Porque tiraram a classificação de periculosidade que havia antes, eles tiraram. Agora é tráfico de interesses também. O cara ta preso, e já pode ir pra rua. Você prende e ele vai pra rua. Tá cheio de bandido na rua que é prá esvaziar as cadeias.
BRUNO – Pela sua fala, tu falou que seria então a favor de uma polícia estadual unificada?
FRANCISCO – Claro, claro isso que tem aqui não existe em nenhum lugar do mundo. Agora, eu sou a favor que haja uma polícia uniformizada, e não fardada. Farda é coisa de milico, coisa de militar. O militar tem sempre que andar fardado até para o inimigo identificar, senão é ilegal pela Convenção de Genebra. Um militar sem farda é considerado espião, pode morrer na hora fuzilado. Tem que botar uma farda para o cara te ver, e pra não matar o cara errado. Agora, uniformizado, é outra coisa, uniformizada é a Polícia Rodoviária Federal. A Polícia Rodoviária Federal tem que ter uniforme. Se ele não tá uniformizado e ele manda a carreta parar, ela passa por cima dele. Agora chego eu lá na estrada: “Polícia Federal”, eu tô identificado pelo uniforme, de colete com a insígnia na frente e o nome nas costas. A Polícia Rodoviária tem que ter uniforme, a PM tem que ter uniforme, não farda.
BRUNO – Seria um modelo de academia único, como o americano?.
FRANCISCO – Claro. Aí o início de tudo seria pela Academia. Porque agora você tem dois diretores de Academia, duas Academias, dois professores, dois refeitórios.
BRUNO – Pela sua avaliação o Exército aceitaria isso?
FRANCISCO – O Exército não tem que ser consultado para isso.
BRUNO – Mas de fato ele é.
FRANCISCO – É outra coisa no Brasil, é uma excrescência brasileira, é você estar consultando o Exército para algumas questões que não têm nada a ver com o Exército. O Exército é a segurança da nação, da pátria, do território. Ou uma comoção interna de levantes, de golpes de Estado, só isso. Os caras não têm que opinar sobre segurança, não têm que opinar sobre nada. E hoje você tem generais aí que nunca entraram numa delegacia comandando pessoas da segurança, como teve até ontem aí. Quem controla todo o sistema de informação brasileira, a ABIN, é um general. E lá na ABIN você tem agentes que fazem investigação de tráfico de drogas. E agora foi aprovado na Câmara que agente da ABIN vai andar armado. Vai ser o primeiro agente a andar armado no país, no mundo, tirando James Bond, que ele pode. E agora além do James Bond, a ABIN vai poder também. Os militares teriam que ser treinados, eu tenho uma idéia de militar, de tipo profissional. Você tem 300 mil militares no Brasil hoje. Você manda embora 150 mil, pega o dinheiro destes 150 mil e dá para estes outros 150 mil que ficaram, e você vai ter uma tropa de elite militar. Melhor do que pegar um garoto e tirar da faculdade aos 18 anos e jogar ele para dirigir e fazer compras ao comandante, mulher do coronel. Isto é uma excrescência e você chama isso de Exército Brasileiro. Se nós tivermos que fazer confronto com algum país nós tamo é ferrado, porque está tudo tão velho enferrujado, que o Exército só é capaz de dar tétano nos garotos que estão lá dentro. Tudo ferrado. Já viu os equipamentos como estão velhos como os nossos? Uma vergonha. Os militares ganhando uma miséria. Então você tem que tirar essa metade e profissionalizar a outra metade, dar valorização para ele, que ele pense que é importante. Porque ele está com a cabeça na repressão ainda. Outro dia eu bati o carro aqui na Andrade Freitas no farol, e o cara PÁ, me bateu do lado do carro, atrás pô, tava errado. O cara foi sair fora, passar em primeira, sabe, para ganhar um carro ele carro arrisca bater um. Eu parei, do meu lado estava vazio, fui piscar para ele, ele piscava em primeira, na pole position, parecia carro de corrida. Aí ele saiu e pegou minha lanterna. Caracas... Aí eu desci e falei “Por que você fez isso aí cara, pô.” Aí ele quis discutir comigo. Mas eu falei: “Pô, mas você está totalmente errado”. Ele: “Ah, mas eu sou coronel do Exército.”. Eu disse: “Eu quero que você se dane, se você é coronel do Exército, ninguém mandou você não estudar. Eu tenho culpa que você é coronel do Exército? Eu não tenho culpa, você vai pagar a minha porra da lanterna”. Ele falou: “Ah, mas eu não vou pagar”. “Então eu vou encher tua cara de bolacha e você não precisa pagar minha lanterna, tá bom? O coronel: “Mas o que é isso?” É isso mesmo, eu vou encher tua cara de porrada e você não precisa pagar nada. Eu fico com meu prejuízo e você fica com suas porradas, seu bosta. Você é coronel do Exército, e daí? Não te ensinaram a dirigir naquela merda lá ou você só dirige tanque?” Porque que esse cara desceu do carro e falou que era coronel do Exército? Porque ele é daquela época da repressão. O cara falava, “Sou capitão!” Você podia morrer, ele te prendia, levava preso e sumia com você. Entravam até nas terras das famílias dos caras, tomavam as terras, dizia que era tudo comunista. Grilando as terras dos caras que eles prendiam. Como na Argentina, matavam e ficavam com os filhos, distribuía os filhos pra um monte de gente lá. Então que dizer, militar precisa ser valorizado. E hoje ele é um híbrido, ele não sabe o que ele é. Você tem uma Marinha que não tem guarda costeira. Você tem uma Aeronáutica que não tem controle de aviação.
BRUNO – A lei do tiro de abate já foi aprovada?
FRANCISCO – Foi nada, são uns cagalhões, os Estados Unidos não querem que aprove porque ele faz operação secreta nas nossas fronteiras e nós aturamos. Isso aqui é uma sucursal dos Estados Unidos. Pensei que fosse mudar com o Lula, mas o Lula é responsável pelo Bush de novo aí no investimento. A lei do abate tem que ter. Porque o abate é muito simples, você intercepta um avião com uma tonelada de cocaína lá na Amazônia, o cara fica mandando beijo pra você. E você de Mirage ali, do lado dele, baixando trem de pouso, que é a linguagem internacional, mandando ele pousar. E pelo rádio fala pra ele pousar. Que pousar nada. Ele faz assim ó (gesto obsceno), daqui há pouco ele vruummm e pousa lá assim no meio do mato e daí? A Polícia Federal mais próxima fica a 3 mil quilômetros. Eu estou falando de Brasil, não estou falando de França. A França é uma bunda de periquito, do tamanho de São Paulo. Os caras têm mania de querer comparar o Brasil com França, com Alemanha, com Itália. A Itália é uma lingüiça, uma península jogada num canto lá, quando você vai comparar territorialmente com um país como o Brasil. Territorialmente, porque tem um PIB maior que o nosso, 10 vezes maior que o nosso. E a lei do abate, hoje você não pode abater avião. E eu acredito que se for aprovada a lei do abate, você não vai precisar abater nenhum. Porque depois que tiver, eu duvido que eles vão ficar voando pra baixo e pra cima carregados com cocaína, com papagaio, arara, pele de jacaré e o caramba. Aquilo lá é uma zona. Fora o contrabando de cassiterita, minérios raros, ninguém liga. É uma piada, ninguém liga. Agora o SIVAM, o SIVAM é louvável, uma beleza. Acredito que daqui mais uns 5 a 10 anos nós teremos um sistema perfeito. Eu fui lá para fazer uma visita ao SIVAM, hoje o diretor do SIVAM é meu amigo particular, o Hélio Madalena, e é espetacular aquilo ali, parece que você está nos Estados Unidos: aviões, rastreadores, estão fazendo bases também. Agora você tem também o Pró-Amazônia porque não adianta o SIVAM identificar um avião e a Polícia Federal estar há 2000 kms de distância.
BRUNO – Na sua opinião quem guardaria a fronteira, é fosse a Polícia Federal, ou quem poderia ser?
FRANCISCO – Não, quem tem que guardar a fronteira é o Exército. É uma das funções básicas do Exército.
BRUNO – Mas então seria como a Gendarmeria da Argentina?
FRANCISCO – Não, isso aqui não é nada. É só usar os militares e treinar os militares de fronteira diferente de um soldadinho de 18 anos. Hoje eles falam que o Exército não tem condições nem preparo, porque; você tem algum irmão de 18 anos? Imagina pegar aquele seu sobrinho, ou vizinho, ou alguém que você conhece de 18 anos, que fica ouvindo rock o dia inteiro, mete uma farda nele, e bota prá policiar a fronteira, cara. É isso o que eles fazem e é isso o que eu digo que não pode. Você tem que treinar. Patrulhamento de fronteiras tem que ser feita por pessoal especializado, tem que ter treinamento para a pessoa ir para lá.
BRUNO – Pelo Exército?
FRANCISCO – Pelo Exército, pela Marinha, pela Aeronáutica, nas regiões onde tiver rio, como Foz do Iguaçu e outros, você coloca a Marinha pra ajudar. Agora, tem que ser gente especializada, não dá para jogar um garoto de 18 anos lá para virar fiscalizador de fronteira. E a Polícia Federal atuando junto, atuar sobre aqueles que desobedecerem ao Exército. Agora, em todo o mundo a polícia de fronteira é feita por militares, no mundo inteiro. E você tem junto com eles a Imigração, que faz o controle de estrangeiros, que o Exército não tem estudo para isto, não tem aprimoramento para isto. Também até podem fazer, se for o caso, são funcionários federais iguais a nós. Dá se você treinar um cara desses que nem a um agente federal. Então, você tem atuar na parte de tráfico, contrabando. Então você pode ter uma equipe do Exército policiando a fronteira e pode ter uma equipe da Polícia Federal para fazer os ilícitos de fronteira, isso aí que é certo. A Polícia Federal atuando como uma Polícia de combate a Entorpecentes, Contrabando, Imigração junto da Polícia de Fronteira, que seria papel dos militares, trabalhando junto. Como nós temos hoje na Ponte da Amizade lá em Foz do Iguaçu, tem a Polícia Federal e a Receita Federal. Mas o Exército não tá. E porque? Porque eles acham que o Brasil hoje não tem problema de fronteira com seus inimigos. Nós temos 8.000 mil quilômetros, sendo que metade são de fronteira seca, que não tem demarcação geográfica nenhuma. Você vai em Ponta Porã, e do outro é Pedro Juan Caballero (Paraguai), do outro lado da rua não é mais Brasil. Então você precisa ter um forte, precisa ter Exército nesses locais. Lá tem um quartel do Exército que fica a 3 quilômetros da fronteira, eu já tive lá. Fica a 3 quilômetros da fronteira, e fazendo o que eu não sei. Ah, “para quando o Paraguai invadir o Brasil, alguém dá alarme: Eles tão invadindo, e a gente sai correndo e enfrenta eles! Pronto, vai lá fazer guerra!” Então, eles ainda tratam o Exército como se fosse ter guerra amanhã, eles preparam o Exército para uma guerra que seria amanhã. Gastam milhões de reais com fuzil, com baioneta, com equipamento, para fazer uma guerra amanhã. E nós sabemos que a última guerra nossa do Brasil foi contra o Paraguai. O Brasil não é belicista, a Argentina também não é. Em nossas fronteiras não há nenhum país tentando tomar território. Paraguai, Argentina, Peru, Colômbia, qual é o país que quer bronca, disputando território com a gente? Já ouviu falar? Então para que ter esse Exército monstruoso, que vai ter alguma guerra amanhã? Quem tem de ter isso é a Coréia do Sul, do outro lado é a Coréia do Norte, Afeganistão, Síria, Iraque, se não tiver fronteira militar lá o cara tá ferrado. Como os israelenses com os libaneses, os palestinos, aí tem que ter exército. Agora, no Brasil, por que essa máquina militar, prá que? Você vai no Rio de Janeiro, tem um efetivo do Exército de 30 mil homens.
BRUNO – Uma das razões seria para controle interno, correto?
FRANCISCO - Você tem um quartel que dá 4 quadras, rapaz, em Fortaleza...
BRUNO – Qual a razão para um contingente interno militar tão grande?
FRANCISCO – Não sei. Você vai aqui no lago tem quartel, no Lago Sul, fazer o que no Lago eu não sei? Isso é uma piada, rapaz. Ninguém quer mexer nisso aí. Agora, eu estou apontando nos dedos das Forças Armadas, mas a Polícia Federal também está cheia de erros. A Receita Federal ta cheia de erros. Está tudo errado. Esse tudo errado é desabafo, claro que não está tudo errado, você tem que pegar as coisas boas e consertar as demais. A Polícia Federal hoje é um instrumento de Estado. Agora, quando ela se torna a Polícia que todo o mundo respeita é quando ela prende traficante, quando prende lá e estoura vai lá prender o deputado todo o mundo gosta. Quando a gente vai lá prender o José Carlos Gratz, prendemos o José Edmar aqui de Brasília, todo mundo gosta. O Gratz já foi prá rua, o Edmar já foi prá rua. O problema não é prender, o problema é manter o cara preso, por que nosso sistema é uma porcaria. Um deputado tem imunidade parlamentar.
BRUNO – Em relação à intervenção federal no Espírito Santo. Todos sabemos que não houve por causa de interferência política. Agora porque realmente não houve intervenção federal lá?
FRANCISCO – Política. A candidata a vice-presidente, a Rita Camata ameaçou o Fernando Henrique dizendo que se ele fizesse intervenção ela não iria mais ser vice do Serra, no meio da campanha. Porque o marido dela é suspeito, não culpado, suspeito também de falcatrua lá. É tudo isso...
BRUNO – Tem um detalhe aí. Vocês trabalham com a noção da oportunidade. De se antecipar ao desenvolvimento do crime, correto. A pergunta é de ordem lógica. Como é que a Le Cocq pode se desenvolver tanto, queria a tua opinião como profissional? Agora há um escândalo nacional com a Le Cocq, mas o Esquadrão ta no Espírito Santo há 25 anos. Ela teve origem no Esquadrão da Morte do Rio de Janeiro, migrou para o território capixaba e ninguém viu!?
FRANCISCO – Isto, exatamente. Agora, como é que exerce a influência? É essa relação policial com o Estado. A Federal não consegue ficar desse jeito aí porque a relação dela é pontual. O cara pede um favor, toma aí, e some, e deixa a gente em paz. A gente está prendendo contrabando, cocaína, está prendendo cara que fez isso, cara que fez aquilo, que fez evasão de divisas. Essa relação, ela é pontual, ela não é institucional. Mas a relação das polícias civis e das militares com o governo do estado já é institucional, pontual, já é tudo, é uma família só. E o governador se não gostar tira. Aí bota um secretário da Segurança Pública do mesmo jeito que um deputado federal bota um ministro. Um secretário de Segurança Pública é um promotor lá do estado que nunca trabalhou nem na Vara Criminal, só na Vara de Família, mas é sobrinho do governador, bota ele de secretário de Segurança Pública. Do dia para a noite ele vira o chefe da polícia militar, o chefe da polícia civil, sem nunca ter ouvido falar em polícia. É igual aos nossos ministros aqui.
BRUNO – Garisto, aproveitando este debate, qual a sua opinião sobre o secretário Luiz Eduardo Soares?
FRANCISCO – O Luiz Eduardo Soares é um profissional da segurança pública. Ele não é um prático, mas ele é um estudioso e tem o meu respeito. Porque ele tem projetos, por exemplo, o Luiz Eduardo Soares, que ele mesmo tentou, eu tenho certeza, que eu conheço o Luiz Eduardo, eu tenho certeza que ele ia estar decepcionado. Talvez se ele pudesse politicamente ele chutava aquela porra daquele cargo dele lá e ia embora, porque ele sabe que não vai conseguir fazer porra nenhuma lá, ele já viu a porcaria que é. Ele não vai conseguir fazer nada. O Luiz Eduardo é a favor da extinção do Inquérito Policial. Luiz Eduardo é a favor da fusão das polícias, Luiz Eduardo é a favor da distância da polícia com o Estado. Então, ele sabe que vai passar por aí e vai queimar o filme e o nome dele, acabou. Por que ele sabe, o PT defendia isso e agora faz a mesma coisa que o Fernando Henrique fazia, que o Itamar Franco fazia. Todos eles, desde D. Pedro I e II fazem isso. A mesma coisa. A Polícia Federal hoje é controle do PT, exclusivo, só faz o que o PT manda, através do seu Paulo Lacerda que é ligado ao PFL, estava te contando. Ele se aposentou, ficou 8 anos aposentado trabalhando no gabinete do Romeu Tuma. Trabalhando de estafeta, estafeta, fazendo servicinho lá.
BRUNO – A gente pode afirmar que o Tuma foi para a PF pela sua ligação com os militares?
FRANCISCO – Claro. A primeira vez que ele foi nomeado para a Direção-Geral foi pelo Sarney. E o Sarney era tampão aqui, não era nem pra ser ele. Quem tinha de ter assumido era Ulisses Guimarães. Naquela história famosa de que o Tancredo não tomou posse, como é que o vice tomou? E eles tiveram que discutir isso, ta aqui a Constituição. E eles botaram o Sarney, que foi presidente da ARENA (Aliança Renovadora Nacional, partido oficial do regime militar). Aí o cara ficou 3 anos e ainda ganhou mais 1. Loteou o país todo para ficar mais 1.
BRUNO – O Tuma ficou de 1985 a 1992, correto?
FRANCISCO – Ficou 10 anos na Polícia Federal.
BRUNO – Na greve ele ainda era D-G?
FRANCISCO – Não, era o coronel Romão, ele já tinha saído.
BRUNO – Esse coronel era do Exército também?
FRANCISCO – Do Exército, da guerrilha, ele trabalhou na CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento), deu um golpe, de R$ 50 milhões de reais na CONAB. Golpe não, prejuízo, deixou feijão apodrecer, não distribuiu, entendeu? Um coronel maluco, nunca viu uma polícia na vida. Os caras acham que os militares fazem a escola de Agulhas Negras e que lá se forma tudo, forma ministro do Estado, forma político, forma de tudo. E esse coronel era um despreparado, falteado, dá até pena dele.
BRUNO – Eu tenho uma pergunta de fundo. A relação, pelo menos na visão da FENAPEF, e as atribuições da PF com a ABIN, qual deveria ser?
FRANCISCO – A ABIN, ela tem que existir. Como o SNI teria de existir. Esses serviços do Estado, de informação do Estado, do presidente da república, do Executivo, tem que existir. Também não vou ser radical de dizer que tem que acabar com o SNI, tem de acabar com a ABIN. Até porque o presidente da República vai viajar para Porto Alegre amanhã e ele tem que saber se ele vai tomar torta na cara lá ou se vão jogar ovo na cabeça dele ou se não vão. Tem que ter um serviço de informação, se vão invadir a fazenda dele e fumar um charuto dele lá. Tu acha que a ABIN não sabia disso? Tu acha que a ABIN não sabia que os sem-terra iam invadir a fazenda do Fernando Henrique? Eles deixaram invadir para poder descer o cassete e colocar os sem-terra caírem no descrédito. E os babacas, os cabecinha de ovo, aquele Stédlie louco, aquele é que quer a revolução. Quando os caras falam que o Stédile isso, que o MST aquilo, o Bóris Casoy fala isso todos os dias. O Bóris é um retrógrado de direita assim como esses merdas de esquerda. O Bóris fala assim todos os dias: “A verdade do propósito do MST é uma revolução, ele quer implantar o regime comunista no Brasil”. E o Bóris é um homem inteligente, Bóris Casoy é um homem inteligente, então ele está fazendo uma maldade. Porque o meu pai falar isso é ignorância, o Bóris Casoy é maldade. Quem quer uma revolução comunista, uma revolução trotskista, stalinista é o Stédile e mais meia-dúzia de vermelhinhos que estão em volta dele. Só. Agora, você taxar o Movimento Sem-Terra, um dos movimentos mais importantes desse país, porque no dia que resolver o problema da reforma agrária, isso aqui vira o Canadá, ninguém enxerga isso aí. Eles querem continuar fazendo esses latifúndios porque hoje o preço da laranja, o preço do café, ele é controlado porque você não produz tanto quanto você produziria. Você derrubaria, o Brasil produzindo junto com todo o mundo, em toda a sua terra. Veja a nossa extensão territorial, pega o mapa mundi. E nós temos ainda 90% da nossa terra sem plantar, 90%, cara, sem plantar. Eu não to falando em 25%, falo 90%. O dia em que o Brasil assumir o seu caráter rural e assentar esses sem-terra, nós vamos ser uma coisa no mundo, porque daqui há pouco alimento vai ser igual combustível. Daqui há pouco, com essa população crescendo, daqui há pouco que digo é 50 anos, 100, você vai ver o que vai acontecer com o mundo. Quem tiver plantação de feijão vai ganhar a mesma coisa que o dono do poço de petróleo no Iraque, você entendeu? Quem tiver plantação de trigo, de arroz, é a mesma coisa que achar petróleo, porque os caras vão cagar pro petróleo, porque vão estar morrendo de fome. Não vai ter comida para todo o mundo, essa é a minha previsão.
BRUNO – Deixa eu seguir no tema do MST. A atribuição da Ordem Política e Social é da PF, correto?
FRANCISCO – Da PF.
BRUNO – Agora, eles, a ABIN, eles fazem controle do MST também. Não dá choque de interesses? De atribuições? De lealdades?
FRANCISCO – Da PF é só o enquadramento da violação. A ABIN é que tem que controlar os movimentos sociais, através do seu serviço de informações, que é para isso. Por isso é que eu falo da legalidade da ABIN, tem que existir a ordem legal para o serviço da ABIN. É ela que tem que saber se o Stédile é revolucionário e se todos no MST são revolucionários.
BRUNO – E porque que ela não opera pra fora? Ao menos na opinião da FENAPEF. Por exemplo, adido policial, não seria o caso de pôr algum oficial de inteligência
FRANCISCO – Ah, mas isso aí é outra excrescência. Isso é pros caras ganhar dinheiro. Não, isso aí foi feito para os delegados ganhar dinheiro. Na prática não existe.
BRUNO – Deixa eu reformular a pergunta. A PF não anteciparia uma série de crimes se tivesse gente investigando em Miami hoje?
FRANCISCO – Claro que sim. Ela não pode investigar, mas só com a troca de informações com a polícia local. Mas esse agito cascata que criaram aí, digo pela minha experiência, eu fui chefe da Polícia Federal em Buenos Aires por 2 anos e meio.
BRUNO – Em que época?
FRANCISCO – 1983 e 1984. Só que eu não era adido. Eu era chefe de segurança na embaixada do Brasil na Argentina, que estava em guerra lá, os caras ameaçando de invadir a embaixada. Eu fiquei 2 anos e meio lá. Eu tenho uma filha que nasceu em Buenos Aires. Eu fiquei dois anos e meio lá, mas não era adido, não tinha contato com polícia lá. Eu era segurança da embaixada, do embaixador e da sua família.
BRUNO – Mas, os italianos numa operação anti-máfia não operam no Brasil, por exemplo?
FRANCISCO – Não operam, nem a DEA opera no Brasil mais. Antigamente operavam, mas agora não operam mais. O Chelotti acabou com isso; e isso aí também ajudou a derrubar o Chelotti porque ele foi contra isso aí. Antigamente os agentes do DEA chegavam aqui e mandavam nessa porra toda. Eu mesmo trabalhei com eles. Uma vez eu desobedeci um cara do DEA. Eu estava em Campo Grande infiltrado vendendo éter e acetona e os caras vinham e diziam: ah, tu tem que ir para Cuiabá, porque eu descobri um cara lá. E eu: “Ah, vai te ferras rapaz. Eu não fiz concurso pro FBI não, eu fiz concurso para a Polícia Federal brasileira. Vai lá em cima, fala com meu chefe em Brasília, se o meu chefe mandar eu vou.” Eu disse: ‘Você que interferir no meu serviço, quer me mandar pra Cuiabá!” Ele: “É mas nós que tamos pagando tudo!” Eu mandei ele enfiar o dinheiro naquele lugar. “Pra mim vocês não tão pagando nada, vocês devem estar dando dinheiro é lá em Brasília. Pra mim o dinheiro que vem pra mim vem da mão do meu chefe.” E a primeira briga que teve de policial federal com o DEA fui eu que fiz.
BRUNO – Quando foi isso?
FRANCISCO – Em 1981, 1982. Depois quando eu voltei da Argentina e fui pra Entorpecentes, mais briga. Eu não aceitava a ingerência deles. Porque esses americanos são um grande bando de fdp. Eles criaram um Estado drogado. São um Estado de drogados. Se pegar os componentes da Casa Branca, não sei o percentual, mas muita gente ali cheira cocaína naquela porra. Todo o mundo cheira cocaína naquela porcaria daquele país, você vê nos filmes, todo o mundo cheira como se fosse coisa normal. Então eles criaram um país consumidor. Em vez de eles atacarem aquela porcaria de consumo, porque se não tem consumo: “quer ver, se eu não fumo cigarro, o cara vai vender este treco para quem? Ele, o fabricante de cigarro, só vende esta porcaria porque eu tô aqui fumando igual um babaca.” Senão ele não vendia essa titica aqui, a mesma coisa é a droga. Conclusão, se não tiver consumidor, não tem droga. Mas que que eles fazem? Eles fazem um combate de bosta lá, não reprimem, aí vêm atacar a Colômbia, vem usar o Brasil para reprimir os grandes traficantes. E querem a Polícia Federal brasileira inteirinha fique à disposição deles para pegar a maconha que vai pra lá. Mas quando se apresenta um plano que nem eu apresentei um plano estadual em São Paulo, identifiquei todos os grandes traficantes do estado de São Paulo. 1 ano e meio eu trabalhei nisso, 1 ano e meio sem prender ninguém. Só levantamento, da manhã à noite, sábado e domingo, eu e mais 10 agentes. Eu identifiquei todos os traficantes grandes, ramificações e o caramba. “E, agora, vamos prender?” Que nem eles fizeram no Rio, que eu fiz também, Operação Mosaico, onde morreu o Toninho Turco, e outros. Que eu ajudei junto com Pedro Dervante, tudo nós investigamos. Ficamos 1 ano investigando quem é quem no tráfico no Rio de Janeiro, naquela época (obs. nossa: meados dos anos ’80). Em São Paulo a mesma coisa. Aí, custa dinheiro para fazer isso. A PF não tinha dinheiro nem para comprar papel higiênico. Então nós apelamos pro DEA. Eu peguei o meu estudo, outro colega pegou o seu, condensamos num relatório dessa grossura assim (obs. Garisto abre a mão até quase um palmo de diâmetro) e fomos para o consulado americano. Aí fiz uma exposição com slide lá para os policiais americanos, com varinha, dizendo quem era quem e quem não era. Qual era a quantidade de droga que eles botavam no mercado paulista.
BRUNO – Não sei se tu pode falar, pela questão da confidência e sigilo, mas qual era a proporção nesta época de pessoas conhecidas, membros da classe dominante, elites políticas, dirigentes empresariais, neste teu levantamento?
FRANCISCO – Nada, nada, esse pessoal tu não vai pegar no tráfico, não assim. Esse pessoal tu vai pegar é no dinheiro, na lavagem de dinheiro. Agora pra você dizer que o dinheiro que circulou do tráfico e é o mesmo que ta lá no Bradesco, por exemplo, é muito difícil de concluir. É complicado, você não vai pegar envolvimento de político no tráfico, é difícil. Às vezes aparece um ou outro, entendeu? Então você vê por exemplo, voltando ao levantamento. Eu fiquei meia hora expondo. E no final fui conversar um por um e o chefe do DEA. Sabe o que me falaram? Que os Estados Unidos não têm interesse em participar de uma operação dessas porque essa droga vai ser toda consumida aqui. Os EUA só têm interesse na droga que vai pros Estados Unidos. Falaram na minha lata igual eu tô te falando agora.
BRUNO – E o controle sobre éter e acetona, isso pode ser feito. Não poderia ser feito a partir da própria produção da indústria?
FRANCISCO – Nós temos feito. Nós temos um setor que se chama Delegacia de Controle do Químico. Já e feito. Agora esse serviço que nós temos iniciou em um serviço de infiltração que nós fizemos, sobre o éter e a acetona. Mas eu acho que esse controle de químico, isso aí acabou ficando uma coisa política também, acabou ficando um controle supérfluo. Você tinha de proibir isso aí, punir os fabricantes. Mas aí ficou um negócio mole, o cara compra uma firma fantasma, desvia. E outra, o controle do químico, o cara não consegue comprar aqui, mas compra no Paraguai, onde não tem controle. Aí a Rhodia nossa aqui, faz uma venda de éter e acetona pro Paraguai, de não sei quantos milhões de litros. É todo legal, é exportação, inclusive essa venda vai pra balança comercial. E lá no Paraguai eles vão, compram e entra tudo de volta. Do outro lado da rua pode vender éter e acetona, do lado de cá não pode. Isso aí é baboseira. O que você tem de fazer, só existe um método pra você, porque acabar, não acaba. Para você controlar o tráfico, não o traficante, mas até o traficante menor, você tem que controlar o dinheiro dele. Você acha que Fernandinho Beira-Mar, dentro da cadeia, incomunicável, ele consegue ser líder do tráfico aqui fora, e porque? Porque os tenentes dele, distribuem dinheiro. Ele tem muito dinheiro.
BRUNO – Eu como leigo não posso imaginar de que um cara que saiu da favela Beira-Mar, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, vai saber operar no sistema financeiro da noite pro dia, corrreto?
FRANCISCO – Claro que não. Se você atacar o dinheiro dele. A hora que nós fizermos um rastreamento pra valer mesmo, não essa cascata de força-tarefa mentirosa aí. Se você fizer um controle real do dinheiro do Fernandinho Beira-Mar; aí você vai abrir a Folha de São Paulo e vai ler: Fernandinho Beira Mar assassinado na cadeia. Acabou, o poder de comando dele, o poder dele é por causa de dinheiro. Todo o traficante tem poder do dinheiro. Aquele pessoal do Rio de Janeiro, exerce aquele poder na favela, é por causa do dinheiro. E onde está aquele dinheiro? Você não tem que subir morro, não precisa prender traficante nenhum, cara. Você não tem que subir morro, se você prende 3 traficantes matam uma criança de 10 anos. Para mim, não serve 3 traficantes por 1 menino. É uma troca besta. Não tem que fazer operação no morro nenhuma, nada, zero. Você tem que ir em cima do dinheiro deles. Porque eles sem dinheiro, não são nada, não mandam nada. E onde é que está esse dinheiro? Que polícia é essa que não sabe onde está o dinheiro?
BRUNO – Não sabe ou não tem vontade de investigar?
FRANCISCO – Vontade tem, mas o sistema nosso não pode quebrar o sigilo bancário. Aí você pede para o Banco Central, aquilo fica 2 anos até conseguir e não quebra. Sigilo fiscal e bancário no Brasil é para proteger bandido. É para proteger bandido. Outro dia me falaram: “Garisto, e os caras vão quebrar o teu sigilo fiscal e bancário. Que se dane.” Eu assino aqui que permito a eles investigar.
BRUNO – Tu diz que quem não deve não teme, é isso?
FRANCISCO - Quem não deve não teme. Você só não pode dizer para a minha sogra que eu tenho 30 paus em caixa senão porque ela vai me encher o saco pra pedir empréstimo. Mas você ou qualquer um pode ir lá saber que eu tenho 30 paus lá na poupança aqui da Caixa. Tenho R$ 30 mil reais lá, numa ação judicial que eu recebi. Com isso eu quero comprar um carro pra mim, pode ir lá olhar. Porque se fosse pra me investigar por exemplo. Pega lá o extrato do Garisto, chega lá na Caixa e diz: “Olha, nós tamos investigando o presidente da Federação Agora, porque ele isso .... não ta de corpo presente, mas nós tamos investigando, ta a ordem aqui.” O gerente vai lá, pois não, senta aqui. Vai lá e pede meu extrato pro cara rapaz. Aí o agente observa: “Olha o seu Garisto tem R$ 30 mil, retirou R$ 2 mil ontem e...” Pronto, qual é o problema de fazer isso? Agora, se sair contando para alguém vai se ferrar. Pode usar pra ferrar a mim, pra me incriminar, com sigilo, sigiloso na investigação. Depois, torna público no Inquérito, se achar que aqueles R$ 30 mil foi garfado. Agora, descobriu que aqueles R$ 30 mil vieram nessa ação judicial que eu ganhei na Justiça, acabou. Pronto, foi uma investigação, ninguém ficou sabendo, a minha sogra não vai saber, os outros parentes não vão pedir emprestado os meus trintinhas você entendeu? Eu acho que é isso. Você não tem que proibir a quebra de sigilo bancário. Agora, se o investigador revelar aquilo por revelar. Imagina: “Ahh, encontrei R$ 5 milhões de reais na conta do seu Bruno.” Que nem o Luís Francisco faz (obs. nossa, o procurador do MP federal baseado em Brasília) ele é meu amigo, mas peca por causa disso, já ta perdendo a credibilidade por causa disso. Ele encontra R$ 5 milhões na conta na conta do Bornhausen, e diz que aquilo é remessa ilegal de dinheiro. Depois o Bornhausen vai e prova que aquilo foi uma empresa que ele vendeu, que ele mandou o dinheiro para um paraíso fiscal via CC5, que é algo legal, e lá ele investiu em não sei o que e não sei mais que lá. Pronto, já ta desmoralizado o Luís Francisco. O Luís Francisco peca por isso, é meu amigo, a gente janta aqui às vezes, ele me liga: “Vamos jantar? – Vamos.” Então a gente troca figurinha e todo. Agora, eu falo para ele: “Luís, você ta perdendo a credibilidade. Porque você ta acusando os caras antes de terminar a investigação.” Primeiro porque os caras vão fazer tudo pra você se ferrar. Vão se esconder porque sabem que você ta falando. E segundo, os próprios jornalistas quando o Luís fala já tão com o pé pra trás. Os próprios jornalistas já não tem o Luís como uma fonte confiável. Porque ele mete o cacete e depois não consegue provar. Aí não vale. Agora o sigilo bancário no Brasil, rapaz prá eu quebrar o sigilo bancário, quando eles enviam a ordem pra quebrar o sigilo bancário do cara, aí ele já raspou tudo. E até porque eles comunicam o cara. Quando eles me dão a quebra de sigilo bancário não tem mais nem um tostão na conta do cara. É o sistema, porque o Banco Central é composto de técnicos em finanças, controle de inflação e o escambau. Não é investigativo. Eles tem um núcleo de investigação lá, só que não tem liberdade para investigar nada.
BRUNO – A que tu atribui isso?
FRANCISCO – Atribuo ao sistema, a corrupção, a bandalheira, a política. Porque não é só corrupção de ganhar. Existe no Brasil a corrupção do lucro que eu chamo, daquele que entra na corrupção pra obter vantagens. O cara entra pra ganhar dinheiro numa licitação, entra pra ganhar dinheiro numa venda, de coisa, obra. Uma ponte de R$ 10 milhões custa R$ 100 milhões. Essa é a corrupção de grana viva. E a outra corrupção, que pra mim é a mais deletéria de todas é a corrupção do interesse político partidário, político de manutenção de poder. Por exemplo, o ministro da Justiça recebe o relatório da Polícia Federal que ta acusando um ministro do Supremo Tribunal, em tese que eu tô falando, em hipótese, e esse relatório ta acusando um ministro do Supremo. Aí acaba na mão do presidente da república, da Casa Civil, do ministro do Trabalho, da Fazenda, o escambau. Aí eles olham: ‘Isso aqui não é interessante pô, nós vamos prender um ministro do Supremo. Amanhã ele vai julgar a Presidência e ele julga contra nós. Nós vamos mexer aqui? Não.” E aí não dá nada pra ninguém. Eles tem aquela acusação e ficam mandando mensagem no ar: “Olha, aquele negocinho que você fez com a sua filha lá, em Passo Fundo, nós tamos investigando. Mas, o senhor fique tranqüilo viu, mas não se preocupe.”
BRUNO – Tu diz que a investigação se transforma em objeto de chantagem?
FRANCISCO - Claro, assim que o delegado pratica o lobby dele.
BRUNO – Como a CPI também serviria para isso? Esse tipo de chantagem?
FRANCISCO – CPI é uma excrescência.
BRUNO – Tu diz que se deixasse a Federal trabalhar, não ia ter CPI?
FRANCISCO – Não ia ter CPI nenhuma. Deixa o Ministério Público junto da Polícia Federal, dá mecanismos para a investigação, legislação adequada, que possa quebrar sigilo bancário. Mas se, um procurador desses, ou um delegado, ou um agente, qualquer agente de investigação, revelar qualquer coisa antes do término da investigação é cadeia para ele, 10 anos de cadeia para ele. Falta uma legislação dessas. Se vazar na imprensa, o cara é afastado preventivamente, mesmo que nem tenha sido ele. Vazou na imprensa já afasta esse cara aí, tira fora da investigação e bota outro. Você entendeu? Se tão investigando o Maluf, que encontraram US$ 30 milhões de dólares do Maluf lá na ilha de Jester, afasta o delegado que divulgou, afasta o procurador.
BRUNO – Deixa eu lhe fazer uma pergunta, uma vez que você trabalha com isso. Falando sério, não periga da casa cair não? Não periga de pegar todo mundo?
FRANCISCO – O que, qual perigo?
BRUNO – Tendo uma liberdade e um padrão investigativo assim, não periga de cair em cana boa parte da elite política e econômica brasileira?
FRANCISCO – Claro, é por isso que ninguém vai dar. Você acha que o rato vai dar asa pro gato?
BRUNO – Como tu mesmo afirmou aqui. Vamos supor, 70% de Caixa 2 de campanha é dinheiro frio.
FRANCISCO - É dinheiro frio, todo o mundo faz. Crime eleitoral todo o mundo pratica. Boca de urna é proibido e todo o mundo faz boca de urna. É proibido estacionar. Os carros estão tudo parado embaixo da placa proibido estacionar, Que país esse aqui? O pequeno e o grande, que país é esse aqui? E a Polícia não faz porra nenhuma porque? Porque o carro que ta parado embaixo da placa é proibido estacionar, está com a mulher do ministro que está no cabeleireiro. Chega o guarda pro motorista: ‘Meu amigão, olha, o carro ta em local que é proibido estacionar. : - Ah, mas esse carro é do ministro. : Ah ta o senhor me desculpa então.”
BRUNO – Tu diz que o servidor policial, da PF em especial, não teria liberdade para trabalhar?
FRANCISCO - Aí fica desse jeito. Aí o delegado pega, a primeira vez que ele pega para investigar, que nem o garoto que ia indiciar o investigar o ACM (Antônio Carlos Magalhães), por causa daqueles grampos lá da Bahia. Tomou um esporro do caramba e não indiciou ninguém. E se ele indicia o ACM antes do julgamento do ACM lá no Senado, ele não tinha se livrado. Agora, fizeram isso com o Luís Estevão.
BRUNO – Porque queriam cassá-lo?
FRANCISCO - O Luís Estevão, queriam ferrar com ele, então revelaram para a imprensa que a Polícia Federal indiciou ele. E ele foi cassado. E o ACM não pode ser cassado porque ele é a base de sustentação do governo lá. “Ah não, não mexe com o ACM porque ele tem 30 deputados.” Então enquanto você não quebrar esse cranco do sistema brasileiro, polícia é meramente figurativa, pra prender o Beira-Mar, tirar foto. Traficante de titica esse Beira-Mar, ele era tenente dos grandes traficantes do Rio de Janeiro. Aí botaram ele como um grande traficante que é pra esquecer os outros. Entendeu? Como é que o cara é ggrande traficante? Preso? Fugindo pela mata da Colômbia? É só você analisar isso. Como é que o cara é líder do tráfico, preso? O cara errado, teve preso aqui, teve preso em São Paulo, teve preso em Alagoas. Como é que ele pode ser grande traficante, e a cocaína não falta na praça? Claro que não é ele, o grande traficante ta de terno e gravata, na Vieira Souto (obs. nosso: avenida de frente para a praia de Ipanema, no Rio de Janeiro) só contando grana.
BRUNO – É o que o Hélio Luz fala então?
FRANCISCO – Então, como é que você vai chegar nesse cara? Não chega. Não tem quebra de sigilo bancário, e quando você tiver chegando, porque ele é financiador de campanha de um monte de gente. E então, quando você tá chegando perto, quando foi que houve a cassação de um traficante aqui no Congresso Nacional, chamado Jades Rabelo (obs. nosso, PTB-RO) de 500 e poucos votos dos presentes, ele teve 168 votos favoráveis a ele. Que que é isso aí? O cara vem dizer pra mim que o tráfico não tá infiltrado, presente no Congresso Nacional, claro que está. “- Pô Garisto, como é que você pode afirmar isso?” Da votação do Jades Rabelo (obs. nosso: PTB-RO). “Ah mas aqueles deputados já foram embora.” Mas eu tô falando daquela época, hoje eu não tenho análise nem nenhum fato gerador para eu poder apontar. Mas naquela época eu apontei e dei entrevista. Eu dei entrevista e saiu na Folha, um quarto (1/4) de página. “Congresso Nacional está infiltrado pelos cartéis da droga no Brasil também.” Aí eu coloquei isso aí. “Como é que 168 pessoas votam favorável a um cara que entrou no flagrante?” Ninguém inventou que ele fez tráfico, nós pegamos ele com 50 kgs de cocaína.
BRUNO – Ele?
FRANCISCO – Ele e o irmão.
BRUNO – Deixa eu lhe fazer uma pergunta. Tô me baseando naquela sua entrevista na Caros Amigos, não precisa dizer o que é. Mas conceitualmente, o que que você está chamando de Comando Delta?
FRANCISCO - Comando Delta é o sistema. O nome do Comando Delta é o sistema que está lá. Que você tem o Comando Delta por exemplo, ele se instalou e se ele não tivesse aceitado em algum momento a candidatura do Lula, o Lula não tomava posse. Ele nem seria eleito. Porque que você acha que o Lula está fazendo os mesmos princípios dos banqueiros?!
BBRUNO – Mas isso funcionaria como um estado-maior, como uma agenda algo informal.
FRANCISCO – Informal, que se reúne informalmente. E não existe nada de secreto. Eu tenho reportagens aí que foi feita uma reunião em São Paulo com o dono do Bradesco, com o dono do Itaú, Antônio Ermírio de Moraes, Rede Globo, Folha de São Paulo. Se reuniram todos em São Paulo para analisar a candidatura Lula.
BRUNO – Eu lembro disso.
FRANCISCO – Você lembra disso?
BRUNO – Lembro, foi durante a campanha. O Palocci foi nessa reunião.
FRANCISCO – Então eles levaram o Palocci, e disseram: “E aí meu irmão, ce quer ser ministro da Fazenda, mas que que você vai fazer?” Se eles não gostarem o cara tá ferrado, já era, o candidato tá ferrado. E o PT soube muito bem passar para eles que iria fazer o mesmo que Fernando Henrique. E ta aí o governo do PT. A mesma coisa, você tem juros de 24%, 25%, quem é que ganha com isso? Você vai pagar no final do mês, você paga 26% de juros pro cara. Os Estados Unidos dá 0,6%, dá 1%, 2% ao ano. Se você tem US$ 1 milhão de dólares nos Estados Unidos você enfia aqui, você tem U$ 1 milhão mais U$ 240 mil no final do mês.
BRUNO – Aí cai num circuito que atinge a vocês da PF, correto? Porque esse dinheiro vira moeda digital, começa a circular, sem controle nenhum e vai parar em qualquer lugar. Qualquer estudante de economia do 2º período sabe disso.
FRANCISCO – Claro.
BRUNO – A economia perde o lastro, começa a girar feito doido e entra em tudo quanto é buraco.
FRANCISCO – Agora, nós não temos um sistema de fiscalização, nem fiscal, nem policial, nem de punição, nada. Nós temos um sistema judiciário calcado em dogmas também. Que o desembargador do estado que nomeou foi o governador. Você não tem uma carreira judicial. Você nomeia advogados do 5º constitucional. Você nomeia o cara que faz concurso pra procurador, você o nomeia juiz depois no 5º, você nomeia um advogado.
BRUNO – Pela opinião de vocês. Vocês queriam todo um serviço público, Judiciário inclusive, baseado na carreira, correto?
FRANCISCO – Carreira rapaz, tudo é carreira. E carreira, tudo, você entra num negócio e termina no Supremo. É como nós queremos na Polícia Federal.
BRUNO – Eu vou entrar então no debate da Lei Orgânica. Isto porque toda a pauta que eu tinha marcado para esta entrevista, eu já teria cumprido e agora falta entrar neste tema. Eu conversei informalmente, com diretores do SINPEF, lá do Rio Grande do Sul e perguntei uma coisa para eles. Tomando a ti como exemplo. Tu tem 27 anos de carreira, um delegado em início de carreira, recém saído da academia, em operação, ele tem poder de comando?
FRANCISCO – Poder ele tem porque a lei dá para ele.
BRUNO – Isto em tese, mas e de fato?
FRANCISCO - De fato não. Morrem colegas nas mãos desses inexperientes desses garotos. O pessoal fala, “ah vocês querem um trem da alegria”. Mas eu contesto esse sistema de concurso público, concurso público não afere aptidão de ninguém, só afere conhecimento. Você pega um menino desses de 22 anos, que nunca trabalhou na vida, é filho de desembargador, juiz, tem uma biblioteca a disposição dele, foi formado no Mackenzie, fez o Objetivo para passar e depois se formou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul ou USP. Onde prá passar tem de ter muita grana ou então ser muito estudioso e inteligente. O que acontece normalmente, então, o cara foi fazer um concurso público e passa. E 24 horas depois ele é um delegado chefe de pessoas que têm 20, 20 e poucos anos de polícia, como eu. Então, vou pedir minha aposentadoria, vou ficar fazendo o que aqui? Eu sou formado em Direito, sou formado em Jornalismo, tenho pós-graduação em direito constitucional, comecei a fazer meu mestrado mas tive transferido para a Argentina e parei, vou terminar agora quando me aposentar vou fazer. Então eu acho que eu entendo de segurança pública um pouco, e assim como eu tem um monte de colegas que entendem. A minha área de especialização é repressão a entorpecentes, vai sair um livro meu agora pela Editora Casa Amarela, aquela da Caros Amigos, do Sérgio de Souza. Já assinei o meu contrato, vai ser assim nesse ritmo de bate papo, e o Cláudio Tognolli vai assinar o livro comigo. Que vai ser tipo assim: “revelações de um agente da Polícia Federal”, não tem título mas eu já fechei contrato. Vai sair no ano que vem, de 2004.
BRUNO – Garisto, retomando. Sendo sincero, francamente, essa Lei Orgânica tem condições de passar?
FRANCISCO -Tem condições de passar se o governo for honesto. Se o governo quiser consertar a polícia através da Federal. A Federal pode ser um exemplo pras outras polícias.
BRUNO – Isto pode gerar até um efeito cascata, acabando com os delegados nas polícias civis nos estados, correto?
FRANCISCO – Claro, você veja bem porque que nós queremos isto. Vou lhe dar um exemplo prático. Porque que nós somos contra o Inquérito Policial. O Inquérito Policial é um instrumento de barganha, para a corrupção, é um instrumento arcaico, só tem no Brasil, no Quênia, Uganda, Quênia e Indonésia. Além do Brasil só esses países que praticam esse tipo de investigação.
BRUNO – Nem Portugal tem?
FRANCISCO – Nada, em Portugal é misto. Em Portugal é um sistema de investigação misto, é o fiscal da Procuradoria, do promotor público. Nem em Portugal, lá já aboliram isso aí há muitos anos, em 1938 ou 1940, e pelo Salazar. Você pega só o Brasil, Uganda, Quênia e Indonésia que pratica esse tipo de coisa. Essa figura do delegado, nos Estados Unidos, você tem um delegado federal na fronteira. Mas não existe Inquérito Policial, você trabalha junto com o promotor público, com o procurador da república. Aqui no Brasil fica essa guerra entre delegado e promotor, quem ganha é o bandido. Agora o promotor público ele pode denunciar você sem inquérito. Se eu fizer um relatório agora, meu, agente de polícia federal Francisco Garisto, dizendo que você tá cometendo alguma atividade irregular lá no Rio Grande do Sul, coloco as provas junto do meu relatório. Falo que você é ligado ao traficante Fulano de Tal, do bairro Moinhos de Vento, que tá lá vendendo cocaína. E eu anexo fotos suas e rolo teu, provas. Prova, não é falar, eu provo, entrego pra Procuradoria, eles denunciam você direto. Então você vem e me pergunta: “O que você quer?” “É isso o que nós queremos cara”. O Inquérito Policial é um instrumento de barganha: “Ahh, o delegado vai ouvir o governador. Aí o delegado aparece em foto, a Rede Globo cobre e aparece o delegado: “Nós estamos investigando o Jorge Bornhausen.” É justamente isso o que ele quer, ele não quer saber de prender. È esse Inquérito que faz ele chegar lá no deputado e falar: “Pô o senhor ta com uma lei aí que não é muito boa pros delegados, pô os agentes tão sonhando. Mas, eu trouxe aqui o meu amigo aqui, ele tá fazendo um Inquérito do seu irmão lá, conheceu o senhor através de seu irmão. Seu irmão até quis vir junto pra falar com o senhor” Ele ta indiciando o irmão do cara, assim que eles praticam o lobby deles. Eles instauram o Inquérito, não apuram droga nenhuma e depois ficam insinuando. “- Pô mas será que eu vou ser indiciado lá mesmo? –Não, eu já falei com o delegado, segura aí só um pouco, ele só ta precisando de um favorzinho.” Então é assim que funciona. Não todos, é assim que funciona com o mau policial, e aí eles exercem isso aí. Quando tava votando alguma coisa no Congresso, e o Paulo até tava fazendo aquele Inquérito, eles levavam o Paulo Lacerda de avestruz, de pavão, pra todo mundo ver. Porque o Paulo Lacerda ele tinha um Inquérito que tava apurando a vida de todo mundo.
BRUNO – Já ouvi esse tipo de depoimento, em ocasiões informais com vocês. Porque numa investigação séria ninguém teria que aparecer, correto?
FRANCISCO – Claro pô, aparecer nada. Então por exemplo, você tem o Paulo Lacerda indo pros locais naquela época prá mostrar o Paulo Lacerda. “Ó o Paulo Lacerda ta aí ó. Ele também tem interesse numa prova aí. Se você aprovar a lei, amanhã ele te indicia.” Mas o que que é o indiciamento? Indiciamento é aquilo que fizeram da Escola Base lá de São Paulo, acusaram o dono, foram lá e tocaram fogo em tudo e depois viram que ra tudo inocente. Isto é o indiciamento. Depois ninguém tira, “fulano foi indiciado”, saiu no Jornal Nacional. Aí depois prova a inocência do cara e é um drops assim.
BRUNO – Tu diz que vira um fato político também?
FRANCISCO – Claro. Então esse indiciamento aí nós somos contra. O PT também é contra, o Luiz Eduardo é contra. Mas o governo parece que tá esquecendo. Porque o ministro ta na mão da Polícia. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos ta na mão de uma investigação da Polícia. Não que ele seja culpado, mas ele ta lá sendo investigado pelo funcionário dele.
BRUNO – Diz uma coisa. Essa proposta de Lei Orgânica ela foi discutida com as Forças Armadas? Foram consultadas? Deram posição até agora?
FRANCISCO – Não, as Forças Armadas não tem nada a ver com isso não.
BRUNO – Não quer dizer que elas não se posicionem, correto?
FRANCISCO – Não os militares não tem de opinar em nada; eu não opinei no regime interno deles lá. No almanaque, na cartilha deles lá, ninguém deu mandato pra Federal pra gente opinar. As Forças Armadas não tem que dar opinião em nada na Polícia Federal.
BRUNO – E a questão da SENAD pertencer ao GSI?
FRANCISCO - A SENAD tem que investir na área de prevenção, só que eles criaram a SENAD para criar uma outra polícia de repressão lá. Sem dinheiro, sem nada, com um bando de incompetente chefiando aquela porcaria lá. O Maierovitch, que é meu amigo, é um dos caras mais teóricos que eu conheço. Só que ele confundiu teoria com prática. Ele tava querendo fazer operação policial. Agora ele conhece muito de N’angretta, máfia napolitana, mas de comandar uma equipe de policiais para subir morro no rio de Janeiro ele não vai sujar o mocassim dele de couro alemão. Ele não, e ele não entende é nada daquilo. Ele conhece de máfia, Itália, eu já discuti isso com ele. O Maierovitch não entende nada de polícia, agora entende e conhece de crime organizado e de prevenção, aí ele entende e muito. Pode ser útil o Maierovitch, é um juiz que gosta do assunto, que perde o tempo dele pra estudar. Então deveria ser aproveitado na área de prevenção, repressão não é com ele.
BRUNO – Pôr a SENAD no Ministério da Justiça, tu diz isso?
FRANCISCO – A SENAD hoje é subordinada a presidência da república. Mas a SENAD foi criada para mostrar aos Estados Unidos que nós tínhamos uma Secretaria própria de combate às drogas. Então, não foi criada com aquele propósito da necessidade, foi criada toda errada. Foi criada com poder sobre a Polícia Federal. Como é que um organismo que é criado para tratar da prevenção pode comandar quem faz a repressão. É a mesma coisa a polícia fazendo prevenção, é uma piada. Como é que o policial vai fazer prevenção?! Eu vou num colégio e digo: “Olha, se vocês fumarem eu vou meter todos em cana!” Como é que eu vou fazer isso aí? É mentira, polícia fazendo prevenção. Porque a Polícia Federal, pela Constituição aqui, Artigo 144, ela é responsável, e tá tudo errado. Os caras quando aprovam estas porcarias aqui, aprovam tudo errado. E aí vira lei e acabou. Polícia Federal, ta aqui, entre as suas finalidades, prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes no Brasil. Então não é da SENAD, é até inconstitucional a SENAD fazer prevenção. Ta aqui ó, da segurança pública, através dos seguintes órgãos: Polícia Federal, prevenir e reprimir o tráfico de entorpecentes. Então ninguém pode fazer isso, só a Polícia Federal, ta errado. O que que a Polícia previne. Então a Polícia faz um trabalho de prevenção horroroso, que não faz, finge que faz, porque a Constituição diz que faz e a SENAD finge que faz investigação, porque também não faz. E fica essa porcaria aí.
BRUNO – A gente de fora, como observador, vê a instituição meio que preservada. A que que tu atribui, mesmo com tantos problemas, a PF ter um bom nome para a sociedade, ter uma imagem boa, um grau de eficiência maior que as demais polícias?
FRANCISCO – É por causa da organização e dedicação de seus funcionários. Porque se dependesse do governo pra fazer isso aí a gente tava ferrado. Hoje por exemplo, nós não temos gasolina. Temos delegacias sendo despejadas por falta de pagamento de aluguel, hoje. Não é ontem no governo Fernando Henrique nem no Itamar Franco, é hoje com Lula. Itajaí foi despejada, despejada.
BRUNO – Chega a esse ponto?
FRANCISCO – É meu amigo, mas não tem gasolina. Não tem uma passagem para um agente federal investigar lá o BANESTADO, mas tem 3, 4 passagens para o delegado passear lá na França na sede da INTERPOL. Para ir lá tirar fotografia de casaco no inverno e voltar. E eu reputo o grau de eficiência da Polícia Federal pelos seus funcionários, assim como há muitos anos a gente vem fazendo isso. Tem colega que viaja tirando dinheiro do bolso, e só vai receber a diária 6 meses depois. Se você me mandar hoje pra fazer operação em São Paulo, eu tenho que pegar avião não tenho, o governo me dá a passagem. Até porque paga, paga prestação prá VARIG. Tá a passagem ele me dá, e eu chego em São Paulo, vou dormir onde? Onde eu vou dormir, na rua? Debaixo do viaduto? Aí eu vou pra um hotelzinho lá, de R$30 paus a diária, um pulgueiro de hotel. Tá e depois, chega a hora do almoço, eu vou comer o que, um churrasco grego? E a noite, eu vou comer o que? Conclusão, o meu hotel, o meu almoço e a minha janta eu boto do meu bolso, sendo que poderia estar na minha casa com minha família, dando conforto pra eles. Mas eu tenho de levar aqui no bolso, milzinho (obs. R$1.000,00 reais) quando vou pra São Paulo, prá minha despesa. Do meu dinheiro, do meu, porque o governo só vai me devolver isto 6 meses depois.
BRUNO – Se o agente não leva o dinheiro dele não faz operação?
FRANCISCO – Não faz operação. É por isso que sai.
BRUNO – Se não vai o agente é punido por não ir.
FRANCISCO – Não, tem uma legislação que diz se não for não é punido. Só que o pessoal vai, porque o traficante tá lá com 50 kgs. “Eu vou perder o cara? Vamos lá, vamos prender!” A gente por amor, por tesão. Eu fiz isso milhares de vezes. Acabava a gasolina no meio da operação, e eu pensando “semana que vem o cara vai me trazer 100 kgs. de cocaína” e eu não posso encontrar com ele no interior do estado porque não tenho verba pra gasolina. Eu ponho do meu bolso, vou no meu carro, trocava a chapa, botava a chapa fria. Então é a mesma coisa armamento. O Departamento te dá uma arma sem-vergonha, agora aprovaram uma lei aí que o policial não pode ter uma arma que não seja da Polícia. Tu vai prá cadeia meu, contrabando. Tem que registrar lá.
BRUNO - Qual é a arma padrão de vocês?
FRANCISCO – Arma padrão é 38 e 9 mms.
BRUNO – O Departamento te dá?
FRANCISCO – É. A 9 mms. Que eu dou um tiro aqui em você e mato mais 3 do outro lado, vara todo mundo. Arma policial pra mim é 45. Acerto um tiro e você mas não atravesso. Mato mas não atravesso. Agora uma 9 mms. não é arma de polícia, mas a maioria dos colegas usa 9mms, por isso você vê gente morrendo a torto e a direito na rua por aí. 9 mms. é arma perfurante.
BRUNO – Mas então porque que usa, para imitar as polícias dos EUA?
FRANCISCO – Claro rapaz, é moda. No Brasil a gente imita, nos Estados Unidos eles usam. Só que lá eles usam a 9 com munição hollow point, é diferente. Aqui a hollow point custa o dobro do preço. Aí eles pegam a munição comum e põe na 9 mms. Você dá um tiro no bandido aqui: ‘Ih legal, o cara caiu!” É, mas morre uma velha lá no ponto do ônibus, morre uma criança que está passando atrás no ponto de ônibus e ninguém sabe porque. Aí dizem que foi o bandido. “Porque foi chumbo trocado, a ousadia dos bandidos.” Sempre é o bandido, porque a polícia usa 9 mms., 9mms. mata todo mundo mesmo rapaz; aquela menina lá não foi morta por uma 9 mms. agora? 9 mms. fura tudo.
BRUNO – Tentando amarrar uma conclusão. As categorias que compõem a PF hoje, estão a favor da Lei Orgânica? Digo, fora os delegados?
FRANCISCO – Tem muitos delegados favoráveis da Lei Orgânica. Muitos delegados que entraram há pouco tempo na Polícia e sabem que enquanto nós não tivermos uma unidade das categorias internas, não vai haver polícia integrada.
BRUNO - E delegados antigos? Tem algum? Tem gente de renome?
FRANCISCO – Tem, tem vários delegados que são favoráveis a nova estruturação.
BRUNO – São mais operacionais?
FRANCISCO – Claro, são os mais operacionais, os maçanetas é que são contra. Esses maçanetas, e a maioria deles vem da época da repressão. Então eles acham que vão quebrar a hierarquia, que nem o Bolívar, aqueles caras ali, eles acham que vai quebrar a hierarquia. Não vai quebrar hierarquia nenhuma. Eu quando fui chefe da segurança da embaixada do Brasil em Buenos Aires eu tinha 20 agentes subordinados ali. Aí foi um delegado pra lá, e ficou subordinado a mim. Ele chegou lá e queria assumir a chefia, porque ele era delegado. Aí o embaixador falou: “Negativo, o Garisto é o chefe. O senhor quer ficar aqui o senhor fica, mas não vou tirar o Garisto, ele ta há 1 ano e meio fazendo um trabalho brilhante. Eu devo a minha vida a ele, enquanto eu for embaixador aqui o senhor não assume.” E o cara prá ganhar os dólares, que a gente ganhava US$ 4.000,00 dólares por mês lá, e foi onde eu tirei o pé da lama da minha vida, que foi onde eu consegui estabilizar a minha vida financeira foi lá, aí o que aconteceu, ele ficou subordinado a mim. Eu mandava nele, onde é que está escrito que um agente não pode mandar num delegado.
BRUNO – Então tu diz que quando um delegado afirma a hierarquia do Departamento é isso, correto? É afirmar a hierarquia do delegado em relação ao agente?
FRANCISCO – E é por costume, isso não tá escrito em lugar nenhum. Não ta escrito em lugar nenhum que o delegado é chefe do agente. Não tem lei falando isso, você está entendendo? Não existe lei. E o que nós queremos não é tomar o lugar do delegado, nós só queremos mandar naquela investigação policial. E não ficar subordinado ao delegado que é subordinado ao governo, que fica fazendo tráfico de influência.
BRUNO - Pela pirâmide proposta então, a função do delegado seria o topo da carreira?
FFRANCISCO – A função do delegados seria o topo da carreira, porque o cara tem de ter uma carreira. Você tem de entrar aqui e internamente chegar aqui.
BRUNO – Mas tem uma coisa que eu de fora, e acredito que muita gente, verifico isso aí e não entendo. Quando o ministro fala no modelo do FBI, o FBI tem cargo único, correto?
FRANCISCO – Cargo único, claro. Lá só existe agente federal. Eu fiz um curso de 42 dias no FBI e no DEA. Então você lá não tem outra categoria que não seja agente federal. Como é que fica a hierarquia lá? Se eu for nomeado chefe da Polícia Federal de Nova York, todo o mundo é meu subordinado, não interessa o cargo. Você só tem mando sobre outro quando você estiver numa função nomeada.
BRUNO – Lá tem quadro auxiliar administrativo também? De nível médio também?
FRANCISCO – Sim, mas não é que nem essa porra daqui que não sabe nem escrever. Um funcionário administrativo lá vale mais do que um agente do FBI. O cara é formado em química, por exemplo, ele tem Phd em química em Stanford.Um perito cara colhe um pedaço da bomba no World Trade Center ele consegue refazer a placa do carro, dissolvendo os negócios no ácido e aparece ao número da placa que foi explodida.
BRUNO – A FENAPEF defende nível superior para todo o mundo não é?
FRANCISCO – Isso aí nós já somos. Sim, isso aí é lei, isso já é.
BRUNO – E esse concurso agora que aprovou nível médio para administrativo?
FRANCISCO - O administrativo não é da carreira do policial federal.
BRUNO – Mas é do Departamento.
FRANCISCO – É do Departamento mas não é da carreira policial. É uma carreira separada. Da carreira policial federal não existe hoje não existe nível médio mais.
BRUNO – Isso não volta?
FRANCISCO – Isso não volta. Não volta porque vai fazer o que com o pessoal de nível superior?!
BRUNO – Mas está provado que com a Guarda Federal Fardada voltaria, correto?
FRANCISCO – Ah, isso é que eles queriam. Isto é uma estratégia do Paulo Lacerda para fazer isso.
BRUNO – Assim como o Serviço Penitenciário Federal se for dentro do Departamento também voltaria, correto?
FRANCISCO – Não, mas isso aí seria outra coisa. Mas você criar um quadro fora da carreira como foi aprovado na Medida Provisória, fora da carreira como foi aprovado, fora da carreira de policial federal como foi aprovado, isso vai ser lá no Ministério da Justiça.
BRUNO - Mas vai ser outro Departamento?
FRANCISCO – Outro Departamento.
BRUNO – Então equivale a um Polícia Rodoviária Federal que também é outro Departamento?
FRANCISCO – Justamente, aí pode criar nível médio, analfabeto, aí pode criar o que quiser. E não vai resolver o problema. O problema do Brasil não é presídio, o problema do Brasil é controle.
BRUNO – Um debate levado hoje dentro da Universidade, de que a democracia está se consolidando, e que há a crença, sentido de crença, algo ideológico, de que tudo pode funcionar em um Estado de Direito. Existe essa crença de que tudo pode funcionar num Estado democrático? Tu acha que isso aí é comprovado? Por exemplo, “deixa a PF trabalhar, nós junto do Ministério Público e aí a coisa anda.” Existe esse nível de crença?
FRANCISCO – Claro, existe. Se não existisse você teria que mudar de país ou então sair da profissão. Tem que ir vender banana na feira e só se preocupar com o peso da balança. Então quem for servidor da justiça, policial, aplicador de lei tem que crer nela. Se tá errado, porque que eu falo isso? Porque eu quero que o sistema seja aprimorado. Você tem que crer e eu vou morrer acreditando. Minhas filhas às vezes falam: “Ah, tá tudo ferrado”. Eu digo que não está ferrado, estragado, está errado então nós temos que consertar o que está errado. Porque senão não há solução. Porque não ta tudo destruído, nós temos coisas boas no sistema. Agora não deixam ele funcionar. Nós temos leis que funcionam, digo, escritas, mas que não funcionam. Essa constituição é velhíssima. A Constituição de 1946, ela morreu, porque não regulamentaram ela. Essa Constituição ela é excelente, mas agora já tão passando por cima dela. O problema não é taxar o inativo, como estão fazendo na reforma da Previdência. O problema é você desobedecer isso aqui, ó. Cria outra coisa, mas nunca desobedeça. O dia em que a gente acreditar que isso aqui possa ser desobedecido como é, aqui tá escrito que ninguém pode cobrar mais que 12% de juros. Tira essa titica desse Artigo, mas não desobedece. É que nem a minha tese sobre as placas de proibido estacionar. Você não tem guincho no DETRAN (obs. nosso, Departamento de Trânsito, a nível estadual) para guinchar todos os carros estacionados de forma irregular, tira as placas então. Tira porque senão um garoto de 5 anos vai e diz: - “Pô pai o senhor vai parar aqui embaixo? Mas o E cortado não é sinal de que é proibido ?” Aí o pai: - “Não não, mas a gente só vai no banco e volta.” Esse moleque vai parar também. Então tira a placa, o moleque não vai ver placa nenhuma. Aí vão dizer: - “Ah, mas vai ferrar a rua.” Então dane-se, melhor ferrar com a rua do que ferrar com o sistema, a crença
BRUNO – Tu concordaria então com a tese do Hélio Luz de que não há interesse da elite brasileira de que a polícia funcione?
FRANCISCO – Claro que não, não há interesse de ninguém. De nenhum governo. Porque o dia em que aparecer um governo forte e sério e que realmente tenha vontade de apurar. E não é o PT. Eu pensei que fosse o PT e me enganei.
BRUNO – Tu crê que em menos de 1 ano de governo já provou que não tem essa vontade?
FRANCISCO – Ah, já provou. Tiraram o delegado Castilho e não falaram nada. Tu não vê ninguém do PT dizendo nada. Se eu sou presidente da república já gritava: “- Peraí, epa, vocês tão tirando esse delegado aí porque?” “- Ah, porque isso, isso e isso.” “-Não, negativo, ele pode até ser incompetente, mas a partir do momento que os jornalistas tão dizendo que ele tá saindo porque vocês tão querendo me encobrir, eu vou ficar como que to querendo encobrir envolvimento? Negativo, deixa ele lá e bota mais 5 prá mandar nele. Mas deixa ele lá. Bota mais 5 delegados, e dos terríveis, para apurar esta porcaria. Eu quero essa porcaria apurada até o último detalhe.” Eu ia dar uma entrevista dessa. Vem o jornal e diz: “Ah, o ministro tirou o delegado.” Eu iria e falava. “- Não vai tirar é nada. Márcio vem cá, não vai tirar não. Você tá tirando esse cara e tão dizendo que meu governo é ladrão.”
BRUNO – Mas Garisto, a nível estadual, o Luiz Eduardo quis fazer isso no Rio quase mataram ele.
GARISTO – Claro, então. E é por isso que ele tá quieto. Ele já percebeu que ele não pode falar. É meu amigo o Luiz, um cara sério, íntegro. Luiz é um homem sério. Deve estar se agoniando lá. Tá queimado no Rio, ta lá a Rosinha é inimiga dele e ele não tem pra onde ir o Luiz. Se ele sair daí ele vai sumir lá no Rio Grande do Sul, vai dar aula, cuidar de reforma de presídio, prestar consultoria. Luiz é um homem sério, que gosta do que faz, que planeja.
BRUNO – Ele tem o respeito da categoria hoje?
FRANCISCO – Da Polícia Federal?
BRUNO – É.
FRANCISCO – Claro, dos que trabalham e conhecem as falcatruas, sim. Dos que são ladrões e gostam de fazer o tráfico de influência detestam ele. Que são os delegados, os delegados detestam ele. Porque ele fala em acabar com o Inquérito. Ele fala em abrir a investigação pra todos os policiais, nós não queremos poder, nós queremos trabalho cara. Porque se tirar a atribuição do delegado aí do jeito que tá e passar pra mim, ela vai vir sem poder. Eu não vou mais ter poder, como agente, de fazer o que esses caras fazem. Eu só vou ter o trabalho de investigar sem ninguém saber.
BRUNO – Mas os delegados já perderam um pouco de suas atribuições com a nova Constituição, correto?
FRANCISCO – Perderam nada.
BRUNO – Mas e a retirada do mandado de busca e apreensão?
FRANCISCO – Ah, bom, isso aí sim. Antigamente eles podiam assinar mandado de busca. Eu vi, os caras mandavam fazer mandado de busca e iam lá na casa da ex-mulher que tinha separado do outro delegado. Aí ia lá fazer mandado de busca na casa da mulher pra ver se encontrava fotografia dos amantes da ex do amigo dele. Um mandava fazer pro outro, porque o cara não vai mandar fazer na dele mesmo. Aí chegava pro amigo: “- Aí assina aí o mandado de busca na casa de minha ex.” E o delegado assinava, eu cansei de ver isso.
BRUNO – Gostaria de deixar alguma declaração final, eu tô satisfeito.
FRANCISCO – Não, só desejo que faça um trabalho bonito. Em um segundo momento procure o Luiz Eduardo, procure o Luís Francisco, fale com alguns delegados que são homens corretos de polícia. E é por aí, a minha parte eu faço, eu espero que os outros também façam a deles.