Entendendo o que ocorreu
A discussão teve início quando o tema do programa era se o torcedor do Corinthians aguentaria pagar R$ 60,00 por ingresso em quatro jogos num mês. Vale lembrar que o aumento dos valores nos ingressos corintianos começou em 2009, com a vinda de Ronaldo ao clube e o avanço do marketing no clube.
Porém, acabados os contratos estabelecidos até a aposentadoria de R9, o clube começou o Brasileirão sem patrocinador máster – e, ao menos, uma camisa bem mais limpa que a de até o mês de abril. Apesar do aumento da receita com a TV, os torcedores acabam “tendo que ajudar o clube” nesse momento difícil e aceitar pagar um valor mais alto...
O jornalista Alberto Helena Júnior, um dos participantes fixos do programa semanal, defendeu que o futebol deve sim se tornar um esporte para as “elites”. Segundo ele, o torcedor “comum” deve assistir aos jogos pela TV, atual responsável por “massificar” este esporte:
“O estádio, como arena, um teatro grego, era uma praça pública aonde o povo ia para se manifestar, porque você não tinha outro veículo de comunicação. Hoje em dia, o futebol, que é um entretenimento de massa, encontra o seu palco na televisão, que alcança as grandes multidões e todas as categorias sociais. O estádio passou a ser o teatro e a receber uma ínfima parte do torcedor. E essa pequena parte tem que fazer parte do espetáculo, então a tendência natural é a grande massa vendo futebol pela TV e uma elite nos estádios”.
O discurso de Helena Júnior pode soar com certo preconceito, ao comparar o público do futebol com o do teatro. Enquanto muitos lutam para que a classe média tenha acesso a eventos culturais, este senhor acha que devem afastar o “povo” de um elemento cultural tão importante para o brasileiro quanto o futebol – da mesma forma que fizeram na Europa, com a justificativa de se retirar os hooligans dos estádios.
O que ele falou mostra ainda como muitos pensam, só que não tem coragem de dizer. O futebol chegou a tal nível de mercantilização, ou seja, a ser utilizado como mercadoria para as mais diferentes indústrias, que vale mais o rico consumidor que o apaixonado torcedor. Movimento este que é refletido com os “novos” estádios para a Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, com o fim das populares gerais.
Mesmo após uma discussão, Helena Júnior apontou a sua tese, muito defendida até mesmo por diretores de marketing de clubes brasileiros:
"O veículo de comunicação de massa através da qual o torcedor vai ter acesso a entretenimento, ao espetáculo é a televisão. Não é mais o estádio. Deixou de ser. Sou da tese que esses espetáculos deveriam ser vendidos para grandes empresas".
O contraponto
No mesmo programa surgiu uma opinião contraria ao de Alberto Helena Júnior. O experiente jornalista gaúcho Ruy Carlos Ostermann mostrou-se totalmente avesso a essa elitização e ainda disse que a imprensa pode alterar esse processo:
“Isso é a elitização do futebol brasileiro. Lamentável elitização. Quando o esporte começou, era jogado por europeus, ingleses, e o pessoal mais simples observava à distância, depois inverteu e agora quem está no campo são os atores e quem está vendo é a elite? Isso é um problema sério. Eu não concordo que isso seja inevitável. Pode alterar, por que não? Num estádio para 60 mil lugares, não pode ter ingressos a preços populares? Nós da imprensa temos que tomar uma posição em defesa daquilo que entendemos como importante e não do que está acontecendo”.
Ostermann aponta um relato histórico, que acabou sendo “comum” em quase todos os lugares do mundo em que o futebol foi instalado como esporte, já com suas normas.
Tanto Inglaterra, o berço do futebol normatizado, quanto o Brasil, “país do futebol”, possuem uma história em que há a divisão inicial entre elite e povo não só na prática quanto até para assistir ao jogo – no caso brasileiro, havia o medo da reação dos espectadores mais pobres...
Só décadas depois, com o processo de profissionalização, que este esporte “recebeu” membros de classes mais baixas que, no caso brasileiro, significava os negros e os mestiços. A elite largou o campo e passou a comandar o jogo, através de clubes e federações, estabelecendo uma nova relação patrão-empregado.
Uma volta a estes “tempos” é temerosa aqui no Brasil, já que a Europa vive isso há, pelo menos, duas décadas. Vale lembrar ainda que os preços atuais dos ingressos já estão deixando os estádios cada vez mais vazios. Assistir futebol pela TV, como quer Alberto Helena Júnior, também é muito caro. Ou você compra um pacote de TV a cabo, ou conta com a “sorte” do jogo do seu time constar na grade de programação da emissora aberta que controla as transmissões no Brasil.
Para a torcida o que é da torcida: torcer!
Se formos analisar os elementos básicos para uma partida de futebol, vem à imaginação o time dos sonhos, os melhores jogadores, o melhor gramado, a jogada perfeita, mas, principalmente, um estádio lotado. Nada é mais deprimente que entrar em um estádio vazio, mesmo que em um dia em que não há jogo.
O papel da torcida é fundamental para o espetáculo. O futebol tido como esporte de massa, popular, representado por uma imensidão de vozes que, mesmo com diversas opiniões diferentes, tem a mesma paixão. Torcidas essas que são, sem dúvida, a essência do futebol.
Qual o seria o sentido do esporte bretão sem torcida?
O mercado do futebol movimenta-se devido a ela. Os clubes investem no marketing para fazer com que o torcedor consuma. Bastou o Santos lançar uma camisa azul, comemorativa ao ano do seu centenário, que diversos torcedores aderiram ao novo uniforme. Mas qual torcida os clubes querem no estádio?
Há diferenças evidentes entre os tipos de torcida. A classificação é dada pela mídia por classes sociais. Acreditam (ou querem fazer acreditar) que o poder aquisitivo do indivíduo decide como ele se comporta dentro do estádio. Classes superiores são formadas pelas pessoas do bem; classes inferiores promovem as cenas de violência e desordem.
Pesquisadores ingleses descobriram que os hooligans, “principais representantes” da violência no futebol mundial, eram homens bem sucedidos, com bons empregos, mas que gostavam de ir aos estádios para brigar. No Brasil, a tendência é que os líderes de torcidas organizadas também sejam da classe média para cima, que têm tempo, e bons advogados, para entrar em qualquer enrascada.
TORCEDOR precisa ser respeitado, e há muito tempo! Ou será que teremos que fazer uma vaquinha entre os amigos para fechar o pay per view dos jogos do nosso time, gritando o máximo possível enquanto o “público de teatro” no estádio só sabe bater palmas quando alguém pede?