Para entender o caso
Todas e todos devem lembrar que a promessa da Lei Pelé (Lei do Esporte, nº. 9.615/1998) era libertar os jogadores dos clubes, acabando com o sistema de “semi-escravidão” que existia até 1998, em que, mesmo sem jogar, os profissionais tinham que ficar nos times até quando estes quisessem.
Só que em vez de isso ocorrer, vimos e continuamos vendo jogadores a mercê de decisões dos seus empresários (e amarrados nas entrelinhas de contratos tecnicistas, escritos no pior do juridiquês). A maioria acaba por criar uma relação com o "atleta" a partir das categorias de base, antes mesmo de o clube poder assinar um contrato (aos 16 anos), podendo criar vários empecilhos para a renovação do acordo (e dê-lhe ilegalidade).
Além disso, caso o clube não cumpra com os deveres trabalhistas por três meses, o profissional pode abandonar o trabalho e procurar outro emprego, numa vinculação à Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT). Isto não é ruim, pelo contrário, pois assegura, ao menos na ponta, uma relação de trabalho formal para quem vive do próprio corpo.
Oscar assinou um contrato com o São Paulo antes de completar 16 anos – sem vínculo empregatício, a partir dos 14 anos e com prazo máximo de dois anos. E outro, três meses depois de ter completado 16 anos, este já enquanto emancipado, com duração de 5 anos. Onde está a legalidade do primeiro contrato?
Em 2009, quando completou 18 anos, o jogador e seu empresário, Giuliano Bertolucci, tentaram fazer um novo contrato pedindo aumento salarial, o que não foi aceito pela diretoria do São Paulo. Segundo o agente, o último contrato assinado com o tricolor paulista já previa aumento de salário.
O meia, considerado um dos prováveis novos craques da base de Cotia, foi à Justiça alegando quebra de acordo legal, atraso salarial e pediu a rescisão do contrato de trabalho. Em primeiro grau, a decisão foi deferida, desvinculando o atleta do São Paulo. Depois de confirmada a sentença, Oscar ficou liberado e firmou novo acordo, com o Internacional.
Justo o São Paulo, que muito se aproveitou da possibilidade de quebra de contrato por falta de pagamento de salário e/ou FGTS para tirar de graça jogadores de outros clubes. Como o SPFC é razoavelmente bem administrado, sobra nas gestões pouco profissionais em relação aos concorrentes.
Apesar de tamanha lambança legal, de 2009 até aqui, Oscar ganhou uma Libertadores como reserva do Internacional, foi destaque nos momentos decisivos do Mundial sub-20 vencido pelo Brasil no ano passado, e se tornou um titular inquestionável no meio-campo do Inter, mesmo com forte concorrência.
De graça?
Como era de se esperar, o São Paulo não concordou com a decisão da Justiça, e entrou com um recurso ordinário junto ao Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, que veio a ser julgado somente agora em 2012. A decisão tornou válido o contrato de Oscar com o clube do Morumbi.
De fevereiro até aqui, ficou-se na expectativa de que o meia pudesse ou não atuar no colorado. Afinal, no Brasil, mesmo com decisão judicial, a permissão ou proibição para o atleta atuar em determinado clube vem do Boletim Informativo Diário da CBF.
Só depois de algumas partidas nessa condição duvidosa, que o BID desvinculou Oscar do Internacional e o colocou no São Paulo. Ainda assim, e mesmo com forte pressão até para entrar na Justiça contra o time gaúcho, o meia não voltou a São Paulo, treinando em separado no Inter.
O jogador diz não querer sair de Porto Alegre e os dirigentes paulistas aguardam o retorno do jogador ou o pagamento da multa rescisória, outro ponto de discórdia entre o empresário do "atleta" e o São Paulo.
Enquanto isso, Oscar corre o risco de ficar parado por um longo tempo, justamente na temporada que ele passou a ser essencial para o Internacional. Além disso, o imbróglio pode tirá-lo dos Jogos Olímpicos de Londres, o que seria uma grande perda para a Seleção de Mano Menezes e José Maria Marin (ai como dói falar isso), que muito precisa desse título inédito para ganhar fôlego para a Copa do Mundo FIFA.
Ex-companheiro faz críticas
O companheiro de seleção de base, e ex-companheiro de clube de Oscar, o volante Casemiro, disse ter recebido proposta parecida do empresário Giuliano Bertolucci para deixar o São Paulo.
Segundo o jogador, a oferta era de R$ 1 milhão nas mãos para jogar no Benfica ou no Chelsea. O atleta “apenas” teria que alegar que o São Paulo forçou sua maioridade. O jogador afirma aceitado por ter caráter e respeitar o seu clube formador.
Vale questionar até que ponto um adolescente tem condições de decidir sobre seu futuro profissional?
E agora?
O Internacional já admite negociar valores com o São Paulo, o que antes era negado sob qualquer hipótese. O clube do Morumbi teme que o rival Corinthians pague a multa e leve Oscar. Os valores ainda estão indefinidos, muita se fala, mas pouco se sabe e entra em consenso.
O fato é que se Oscar estava insatisfeito com o São Paulo, deveria ter pago a multa na época em que deixou o clube paulista, evitando problemas futuros. Comenta-se que o empresário teria levado em consideração um contrato de gaveta, portanto, sem valor jurídico.
O Internacional pediu no TRT-SP para ser considerado como um dos interessados no assunto, enquanto os advogados de Oscar entraram nesta terça-feira com ação no Tribunal Superior do Trabalho (TST), além de pedir efeito suspensivo da decisão do TRT-SP enquanto o caso não for novamente julgado pela instância superior.
Este não é um caso isolado. Recentemente, o atacante Lucas Piazon, também do São Paulo e empresariado por Bertolucci, foi vendido para o Chelsea após pressionar a saída.
Outro caso foi do jovem Jean Chera, que para assinar o primeiro contrato com o Santos, aos 16 anos, pediu luvas da ordem de R$ 1 milhão de reais. O clube paulista não aceitou e o jovem jogador partiu para o Genoa, na Itália. Não se adaptando ao clube, assinou contrato no final do ano passado com o Flamengo, que adquiriu 50% dos direitos econômicos do jogador (será que ele vai receber em dia no reinado de Patrícia Amorim, onde agora Kléber Leite é opositor?)
Vítima?
Embora muitos possam questionar a atitude de Oscar, devemos analisar se ele é vitima ou vilão. Parece-nos claro que o meia foi vítima de um empresário que o trata como uma valiosa mercadoria (isso é muito didático, explica com carne e cores a relação capital-trabalho).
O que aconteceu com o jogador do São Paulo/ Internacional ocorre quase que diariamente pelos campos do Brasil afora. Empresários agenciam meninos talentosos, que vivem na maioria das vezes em condições precárias, sonhando em jogar futebol para ajudar suas famílias. Desde novos, os “profissionais de fora do campo” prometem o mundo em troca de parte de direitos de imagem e econômicos, antes mesmo do primeiro contrato profissional – já que, (apenas) na teoria, só se pode assinar contrato com clubes.
Quem acaba sofrendo por decisões precipitadas são os jovens jogadores, muitos dos quais perdem grandes chances na vida até mesmo por conta de brigas entre empresários e clubes de futebol. Apesar de estar com a carreira bem definida financeiramente, Oscar está impedido de fazer o que mais gosta. E agora, o que diz o empresário?
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