Torcer, este é o termo. Nunca fui a um jogo do Grêmio para assistir. Nem mesmo de casa é possível somente assistir. O torcedor de verdade sempre acredita que o pensamento positivo emitido mesmo que a quilômetros de distância ajuda a bola a entrar.
Chego à nova casa por volta das 19h30. Um movimento intenso aos arredores da periférica zona onde foi construído um dos estádios mais modernos da América do Sul. A aglomeração nesta ocasião nunca costuma nos incomodar, quase todos estão ali pelo mesmo motivo: torcer. Mas claro que alguns só para assistir.
O que me deixa muito irritado são os guardadores de carro que ficam em torno da cancha tentando extorquir quem tenta estacionar. Os preços ali variam entre R$ 20,00 e R$ 30,00 para estacionar na via pública! Sem garantias de segurança, pois a PM nada faz para intervir. Nem mesmo a ação dos cambistas é coagida, eles vendem a preços exorbitantes, mas como quem comprará esses ingressos são pessoas de padrão de vida elevado, a polícia entende que estes não darão trabalho a eles no estádio, pois vão para assistir.
Opto pelo estacionamento privado, que nesta noite custou R$ 40,00. É mais seguro. Posso guardar minhas preocupações exclusivamente para o jogo.
Depois de muita espera, conseguimos acessar as dependências da Arena. As dificuldades se dão porque a revista da BM é feita nas rampas que dão acessos aos inúmeros portões.
Já acomodado no local ao qual tenho direito após a migração do velho Olímpico, tento relaxar, apesar do clima tenso que paira pelo ar em jogos decisivos, somado ao trágico acidente ocorrido três dias antes no coração do estado.
Confesso que é estranho, apesar de toda a modernidade e o conforto que a nova casa oferece. É muito difícil sentir-se em casa.
Ficamos em cima da Geral do Grêmio. Esta foi proibida pela Brigada Militar de levar as faixas e a charanga, devido aos incidentes provocados por integrantes em um jogo pelo campeonato gaúcho no Estádio Olímpico. Ao invés de prender os baderneiros, opta-se por proibir as faixas e instrumentos, como se estes fossem os culpados.
Depois de todas as justas homenagens às pessoas que perderam a vida em Santa Maria, a bola rola. A tensão continua. Jogar contra times que não querem “jogar” sempre é mais difícil. A LDU veio, como gostam de dizer os comentaristas, fechada, esperando contra-ataques. A tal da “cera” era de dar inveja a qualquer time catimbeiro argentino. A torcida cantava, apoiava, mas nada de ocorrer o momento mágico do futebol.
Veio a segunda etapa. Com um pouco mais de um terço dela, aconteceu o ápice. Em um belo chute, Elano, que trajava a mística camisa 7, que já foi de Renato Portallupi, leva a massa ao êxtase! Casais se beijam, desconhecidos se abraçam. O Grêmio consegue o empate no placar de 180 minutos.
Aí começaram os problemas. O novo estádio não suportou a pressão da massa. Após o gol, a avalanche feita no setor mais popular do estádio ocasionou a queda do frágil alambrado. Um momento de pânico tomou conta de parte do Rio Grande do Sul. Digo parte porque tem pessoas que não conseguem separar a rivalidade nem nesses momentos. O autor do gol pede calma à torcida. O Corpo de Bombeiros, assim como o serviço privado de ambulância, técnicos em enfermagem e paramédicos agem rápido. Cinco pessoas foram encaminhadas para o hospital por questões de precaução.
A situação volta ao controle. O alto-falante do estádio a todo o momento pedia para que os torcedores não fizessem o movimento da avalanche em caso de outros gols, que não ocorreriam.
Na rádio ao qual eu escutava os acontecimentos, o narrador dizia que naquele momento era importante a retirada das pessoas para que a partida recomeçasse. Neste momento, lembrei-me de Eurico Miranda na queda do alambrado do São Januário em 2000, quando pedia para que retirassem as pessoas para que o jogo continuasse.
Após a dramática, como de costume, vitória nos pênaltis, veio a classificação. Novos pedidos nos auto-falantes para que não houvesse nova avalanche. Os comentaristas locais começavam a fazer campanhas pelo fim da avalanche. Muitos deles há tempo pedem o fim do espaço mais popular do estádio. Teses são feitas em cima do futebol europeu, como se tudo tivesse que ser copiado daquele continente. A frieza dos estádios ingleses parecem encantar a mídia esportiva gaúcha. Esquecem os mesmos que há quase uma década a avalanche é feita no mais que cinquentenário Olímpico, e nunca houve um acidente de grandes proporções.
Comentaristas imploram pelo fim da popularidade do esporte bretão, pedem a colocação de cadeiras em todo o estádio, sob a alegação que espaços populares não quer dizer sentar no cimento, mas quem disse a eles que o setor destinado a Geral é para sentar?
Será que é impossível para uma grande construtora adaptar o local para que a avalanche ocorra sem maiores problemas? Se ocorresse em qualquer setor da Arena o mesmo que no estádio do Vasco em 2000 o alambrado cederia, e qual seria a solução? Sugiro que consultem os engenheiros que projetaram o velho Olímpico, lá a arquibancada nunca caiu.
Acabar com manifestações de massa é o esporte preferido da segurança pública. Doutrinar torcedores é ver o fim da alegria no futebol. Tudo se encaminha para isso, com clássicos de torcida única, proibição de faixas de protesto e o fim da avalanche mesmo que um dos feridos tenha pedido no telejornal esportivo local de maior audiência para que isso não ocorresse.
*N.E. Eu (Anderson Santos) sabia que o Dijair estava na Arena na quarta-feira e pedir um relato, enquanto torcedor gremista, do que foi aquele momento da avalanche mais falada dos últimos tempos - mais até que a de todos os torcedores na despedida do Olímpica. A ideia era acrescer à coluna semanal, mas ficou tão bom o texto que precisava ser publicada em separado.