A morte de Kevin Espada, torcedor do San José, após ser atingido por um rojão lançado da torcida corintiana, mais uma vez alçou o futebol para outras editorias. Mais uma vez, a existência das torcidas organizadas foi posta em xeque. Diferentemente de outras vezes, a Conmebol agiu, surpreendentemente, rápido. Punição justa, sensata?
No nível criminal, 12 corintianos, que alegam inocência, estão detidos no presídio de San Pedro, em Oruro, e aguardam que a defesa deles consiga que respondam em liberdade. Os presos ainda não foram ouvidos pela investigação.
De início, dois “torcedores” filiados a Gaviões da Fiel são acusados de disparar o artefato contra a torcida boliviana por estarem com modelos semelhantes de sinalizador, um deles da mesma série que atingiu o jovem boliviano.
No inicio desta semana, um menor de idade - para a lei brasileira - apresentou-se à polícia paulista como autor do disparo do fogo de artifício. Poucos acreditaram em sua versão.
Outras obrigações
Tratamos sobre essa questão dos fogos de artifício num texto após a primeira partida da final da Libertadores de 2012 (ver aqui). Enquanto a direção do Boca Juniors pediu para que sua torcida não levasse fogos à Bombonera, com risco de o clube ser punido pela Conmebol, a torcida corintiana os utilizou sem problema algum.
No estatuto da FIFA há a proibição de se usar estes materiais, mas será que alguém sabia disso antes do que ocorreu em Oruro?
A Lei n. 12.299, de 2010, que faz modificações no Estatuto do Torcedor, só que com mais elementos punitivos ao consumidor da prática esportiva, também proíbe. De acordo com o segundo inciso do Artigo 13, dentre as condições de acesso e permanência do torcedor está: “não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos”.
Quantas vezes não vemos, em vários lugares do Brasil, da América do Sul, da Europa - em pleno Camp Nou, estádio do Barcelona, no confronto desta semana contra o Real Madrid -, a utilização desses artefatos? Bem, geralmente eles só ganham destaque quando vão à direção do gramado. Fora isso, tudo é festa. Tudo é bonito.
Mesmo a torcida do San José fez uma cascata de fogos no alambrado antes da partida, com direito a remendos de jeans queimados que formavam o nome de “La Terrible”.
Antes de adentrarmos à discussão que dividiu quem até mesmo escreve esta coluna, é importante ressaltar a responsabilidade dos organizadores do evento. Todxs minimamente conhecedores do futebol sabem que a CBF é o paraíso quando comparada à sua versão sul-americana.
No final do ano passado, tivemos a notícia de que finalmente criariam uma espécie de STJD para julgar atitudes contrárias ao desporto, mas que ficaram tão comuns que ajudaram a constituir a tradição da Libertadores. Ainda assim, sem promotoria, o órgão só atua se o clube adversário exigir.
Se o Fluminense teve que jogar num gramado horrível em Caracas, na Venezuela – o da Arena do Grêmio era perfeito quando comparado –, ou quando se faz necessária a presença de policiais para proteger uma cobrança de escanteio, muito disso é (ir)responsabilidade da Confederação presidida há tanto tempo (27 anos) por Nicolás Leoz.
Se mesmo com a ameaça de punição ao Boca numa final de Libertadores, as torcidas seguiram usando fogos de artifício, seja na última Sul-Americana ou nas partidas iniciais da Libertadores, é porque a Conmebol sempre fez vistas grossas para qualquer coisa.
Além disso, não entra nas nossas cabeças que alguém consiga entrar com algo que foi criado para se utilizar em mar aberto e de tal tamanho num estádio de futebol. Como esconder uma coisa de, no mínimo, 20cm?
Independentemente de quem causou isso, também há responsabilidades por parte de quem sediou a partida. O “deixar passar” tirou uma vida e poderia ter criado um confronto ainda maior, como pode ser percebido pela ameaça de “asesinos” da torcida já no intervalo do jogo, atirando várias coisas no gramado – o que aqui tiraria o mando de campo do clube mandante.
As diversas teses da mídia nacional
Como sempre, uma tragédia ocorrida em qualquer campo social vira produto para ser vendido pela mídia. Em diversos programas jornalísticos, esportivos ou não, as imagens foram mostradas repetitivamente.
Comentaristas vão a público pedir o fim das torcidas organizadas, que seriam financiadas por parte da diretoria dos clubes. A mesma mídia que adora usar o termo “bando de loucos” para definir o fanatismo do corintiano. Até que ponto o orgulho demonstrado por uma paixão desenfreada não incentiva a torcida corintiana passar dos limites e infringir as leis?
Até mesmo no Japão, Mundial de Clubes FIFA, foi perceptível a utilização de sinalizadores, ainda que com um “potencial” menor do que os que foram levados à Bolívia. Competição FIFA descumprindo Estatuto FIFA, mas o que valia era a mais nova “invasão corintiana”. Usar fogos de artifício no rígido território japonês era mais uma demonstração do “jeitinho brasileiro” para fazer festa. Agora, tudo muda.
Punição para agradar a opinião pública
Parece evidente que a rapidez da Conmebol para punir o clube paulista foi para agradar a opinião pública. Em menos de 24 horas, a Confederação Sul-Americana publicou um comunicado informando que o Corinthians jogará como mandante com portões fechados, além disso, não será permitida a venda de entradas para corintianos em jogos como visitantes. Algo inimaginável.
O prazo é até ocorrer o julgamento, cujo limite é de 60 dias, o que faria com que o clube deixasse de atuar em casa, pelo menos, por toda a primeira fase. A diretoria corintiana prepara a defesa para recorrer à decisão e chegou até a sinalizar com a saída do torneio.
Diga-se que o que a Conmebol paga é muito pouco quando comparado a outros torneios e, assim, o Corinthians pagaria para jogar a Libertadores. Incluindo nesta conta as multas a quem já comprou os ingressos de forma antecipada.
Se já é difícil de imaginar um grande clube atuando sem quaisquer torcedores, mais ainda quando se trata da torcida corintiana e em partida de Libertadores após o fim do jejum histórico no ano passado.
Ressalta-se que essa punição valeu no Brasil nos primeiros anos do Estatuto do Torcedor, mas foi modificada. O clube punido tem que atuar a determinada distância da sua cidade, geralmente cerca de 200 km. Se prejudica o clube, não chega a tanto, possibilitando até atuar em locais com torcedores que não podem ver o time de perto.
Mérito da punição
Estes colunistas discordam sobre a punição impingida ao clube paulista. Qual seria o limite da responsabilidade do clube perante os seus torcedores?
Fujamos das atitudes, lamentáveis, de clubismo dos últimos dias, em que corintianos diziam que o clube não deveria ser punido, mas se tivesse ocorrido com um deles “seria diferente”; e que torcedores rivais chegaram a rir da situação.
Por um lado, havia, supostamente, 12 “torcedores” corintianos envolvidos na confusão. As imagens apontaram 2 possíveis culpados – com outros eu ajudaram, num primeiro momento, a afastá-lo do local. Mais outro menos que fo apresentado pelo adogado da Gaviões da Fiel como responsável, mas que segue aqui no Brasil.
“Puni-los parece ser o mais sensato. Que tipo de justiça é essa que priva 30 milhões de corintianos de assistir aos jogos do clube por causa de marginais que tiraram covardemente a vida de um jovem de 14 anos? De nada adianta punir o clube se este mesmo grupo de torcedores continuarem soltos”.
Pois bem, já foi afirmado aqui a necessidade de punir também, talvez até judicialmente, quem foi, no mínimo, conivente com a situação. Só que, por outro lado, a legislação desportiva brasileira, o que se repete com a nova regulamentação da Conmebol, afirma que a responsabilidade do que o torcedor faz, para punições, também é do clube. Quem participa das competições deve estar ciente disso.
“Vejamos bem. Imagina que num clássico, torcedores do clube visitante atire objetos no gramado só para prejudicar um rival. Quem deve levar a punição? Mesmo como visitante, há responsabilidades. Além disso, está a se tratar de um caso gravíssimo, da morte de alguém; da morte de um inocente; da morte de um jovem de 14 anos. Se a exclusão do Corinthians, inclusive por motivos mercadológicos, não seria o ideal, é necessária uma punição exemplar.
“Aqui no Brasil a partir do momento em que os clubes foram sendo punidos quando qualquer objeto era atirado no gramado, a própria torcida passou a advertir quem o fizesse. Não que defendamos a teoria behaviorista, mas, infelizmente, só após graves casos é que se passa a ter o cuidado da prevenção”.
REPÚDIO
Por fim, destacamos as falas do gerente de futebol do Corinthians, Edu Gaspar, e de Tite após a partida da semana passada. Palavras duras, emocionadas e sinceras. Ah, além disso, a do lateral Fábio Santos, que disse que se fosse para acabar com mortes futuras nos estádios, que o Corinthians fosse punido.
Mas não tem como deixar de repudiar o presidente Mário Gobbi. O ex-delegado tentou a todo o tempo da entrevista coletiva de quinta-feira naturalizar o ocorrido. O tempo inteiro mais preocupado em livrar qualquer ideia de que o Corinthians poderia ser excluído da competição, punição máxima, que em mostrar que o clube faria o possível para saber quem foram os (ir)responsáveis no caso, de repente, ajudar até a família do jovem assassinado.
Acompanhando pelas mídias sociais, até mesmo quem não defendia essa punição passou a acreditar que não seria um mal tão grande. Afinal, o representante-mor do clube parece não ter entendido que alguém morreu dentro de um estádio, local que deveria se limitar a momentos de alegrias ou tristezas causados apenas pelas partidas.
(Depois de tudo, apesar de confirmada a partida com portões fechados, 10 torcedores conseguiram liminar para entrar no Pacaembu na partida contra o Millonarios, tendo como referências o Estatuto do Torcedor e o direito de ir e vir, presente na Constituição. A diretoria pediu para que eles não fossem ao estádio, para evitar ainda mais prejuízos ao clube, e, ainda assim, 4 solitários corintianos ocuparam as arquibancadas).