Tudo caminhava bem...
Com o fim do Campeonato Brasileiro, os bastidores do esporte bretão costumam ser sempre muito agitados. Os clubes fazem algumas contratações, há trocas no comando técnico,... Enfim, fatos corriqueiros do mundo da bola.
Mas, como de costume, esta coluna deixa isso para os grandes veículos de mídia abordarem. Vamos mais a fundo e tentar fazer o que poucos têm coragem: falar sobre os “donos” do futebol. Ainda mais com a Confederação Brasileira de Futebol seguindo o critério “o que está funcionando bem ’a gente’ muda”.
Quem é jovem deve lembrar. Na década de 1990, os times “expressinhos” eram bastante utilizados para cumprir uma agenda cruel, com até dois jogos num mesmo dia (!).
Por mais críticas que possamos fazer a ele, Ricardo Teixeira soube melhorar o calendário aos poucos. Mesmo que o fosso para os times pequenos só cresça, a organização do Campeonato Brasileiro em pontos corridos, primeiro através da Série A em 2003 e dois anos depois na Série B, permitiu uma regularidade de datas jamais vista. Isto é inegável, assim como o fim das viradas de mesa. Agora grande cai, e isso é bom.
Quanto à competitividade, o ano estava bem definido. Os Estaduais – torneios que os grandes tratam com desdém, mas os que não o ganham sabem sua importância – dão a emoção dos clássicos regionais com caráter decisivo; a Libertadores é a cereja do bolo, difícil, mas prazerosa; o Brasileirão é a regularidade à prova, com decisões cada vez mais emocionantes tanto quanto na época dos mata-matas; a Sul-Americana ainda sofre por um respeito maior, mesmo com a vaga ao campeão para a Libertadores.
A Copa Kia do Brasil (ai, ai, não cansam de vender os símbolos para as transnacionais!) – não o Joorabchian, mas a marca de carros sul-coreana – dá a emoção dos mata-matas e a possibilidade de um pequeno surpreender (Criciúma, Juventude, Paulista e Santo André que o digam). Quer dizer, a Copa do Brasil dava esta expectativa, ou dará até 2012.
O torneio teve anunciada a mudança de sua fórmula a partir de 2013. Só não começa a partir do ano que vem porque o Estatuto do Torcedor exige prazo de dois anos para mudança de forma de disputa – e exige tantas outras coisas que deveriam ser respeitadas, já que o torcedor agradeceria.
O novo formato
O novo formato terá a participação de 86 clubes, no lugar dos atuais 64 (uau, quem não se lembra: onde a Arena vai mal, mais um no Nacional, onde vai bem, mais um também!). 80 virão segundo critérios da CBF ainda não definidos e disputarão mata-matas até que sobrem 10 clubes, ou seja, teremos quatro fases, no lugar das duas atuais, até se chegar às oitavas-de-final.
E os outros seis? Por mais que os dois primeiros anos de Série D, dentre outros problemas (financeiros, especialmente) tenha chegado a ter 5 classificados para as quartas-de-final, com três desclassificados sendo classificados depois, eles já corrigiram o erro a partir deste ano.
Para a Copa Kia do Brasil, os seis virão da Copa Santander Libertadores – haja marcas! Caso só cinco times brasileiros participem da competição sul-americana, o líder do ranking da CBF chegaria direto para as oitavas – hoje seria o Santos, não mais o Grêmio, que perdeu o posto no RNC no início da semana.
Este é um desejo antigo. Desde 2001 que os times que participam da Libertadores não atuam no torneio local por falta de datas, problema ainda sem solução. A ideia é que o tonrneio nacional vá de março a novembro, numa clara imitação das copas e taças dos países europeus. Estica o calendário, estica até que arrebenta os clubes médios, só restando os abençoados pelo pool de empresários-investidores!
Dos oito perdedores desse mata-mata, os quatro com melhores campanhas no Brasileiro do ano anterior serão remanejados para a Copa Bridgestone Sul-Americana (mais um torneio vendido!, Ay Caramba, Bolívar dá coices na tumba e Artigas esperneia também!) do mesmo ano. Quer dizer, se o torneio continental já não era levado a sério, agora a CBF assume que não precisa, afinal, virou um consolo.
Eles entrarão já na etapa internacional, eliminando os confrontos entre brasileiros na primeira fase e diminuindo pela metade a participação nacional no torneio.
Mas o problema não é só “imitação”
Esta decisão acaba com uma das fontes de disputa do Brasileirão. Com exceção de 2011, quando as vagas foram rapidamente definidas, a disputa por entrar na “zona da Sul-Americana” permitia que os times no meio da tabela pudessem dar trabalho e entrar em campo com vontade de vencer.
Além disso, se um torneio assim parece não ser importante para São Paulo ou Palmeiras – se bem que ambos estão com necessidade de títulos... – para clubes como Atlético-GO e Bahia, classificados para 2012, vale muito. É a chance de aparecer em nível internacional.
Além disso, com a ampliação de datas para o torneio, com Estaduais e Brasileirão mantendo os formatos atuais, o número máximo de partidas oficiais de um clube brasileiro em um ano saltará de 83 para 89! E em 2014, com a parada para a Copa do Mundo, como fica? Nem a CBF sabe.
Explicando 1 – O fator Corinthians
Pode se tratar de uma mera coincidência (o que estes colunistas duvidam muito), mas bastou o Corinthians ser eliminado na pré Libertadores para a CBF incluir os times que disputam a maior competição da América do Sul na Copa do Brasil. Teixeira deve ter tomado esta decisão na companhia de seus novos aliados Andrés Sánchez e Ronaldo – o mesmo que disse em 2009 que o presidente da CBF tem duplo caráter.
O time corintiano passou os primeiros meses do ano disputando “apenas” o Campeonato Paulista. Eles só não vêem que isso acabou sendo uma vantagem. O clube paulista pôde reformular a equipe e entrar descansado para o Brasileiro, onde venceu oito dos dez primeiros jogos disputados (mais dois empates). Quando caiu o rendimento, a gordura serviu para mantê-lo entre os primeiros. Porém, o dinheiro a entrar nos cofres foi menor.
Parece-nos claro que a CBF quer privilegiar os clubes grandes. O caminho para o título de um time dos chamados pequenos é bem maior. Quatro divisões nacionais – que não aumentaram a quantidade de participantes de forma geral – e mais uma Copa Kia do Brasil com duas fases a mais e nas oitavas de final com o enfrentamento com elencos montados para a Libertadores.
Além disso, se for eliminado precocemente da Copa do Brasil não parece haver problema. Mesmo que estes clubes não disputem mais nada ao longo do ano e tenham que encerrar suas atividades por falta de renda – algo mais que comum.
É a lei da CBF: fortalecer os grandes e os pequenos que se virem. E as federações, o que acham disso? Acatam, afinal todos são aliados do império da CBF. Que vergonha, hein, cartolagem estadual!
Explicação 2 – Fator Organizações Globo
Mas não podia ficar só nisso. Para quem trabalha com a Economia Política da Comunicação, ficar só no campo, esquecendo da “amiga gângster” Globo...
A informação vem da (sócia no Valor Econômico) Folha, em texto dos jornalistas Nelson Barros Neto e Sergio Neto: “A ampliação do período de disputa agrada ao Sportv, canal pago da Globo, que no próximo ano não terá mais o direito de transmitir a Libertadores e a Sul-Americana”. Elementar Watson, elementar!
O grupo de Rupert Murdoch passará a atuar de forma firme no Brasil. O canal Fox Sports chegará à TV fechada brasileira em 2012 – a partir de fevereiro, com sede no Rio de Janeiro – tirando as duas competições sul-americanas do Sportv. Quem mandou aprovarem o PLC 116, agora chora e guenta!
A nova fórmula da Copa Kia do Brasil é a aposta para se ter jogos a transmitir durante o ano inteiro e, ainda mais, contando com a presença dos melhores elencos do país a partir da segunda metade do ano, com a entrada dos que disputavam a Libertadores.
Não é à toa que o principal executivo da Globo Esportes, Marcelo Campos Pinto compareceu ao anúncio. Vale lembrar que a perda dos torneios olímpicos para a Record pesa muito contra ele dentro das Organizações Globo.
Finalmente o retorno?
Quem é nordestino deve se lembrar. Em 2001 e 2002 o futebol local viveu um dos seus melhores momentos. A criação da Liga do Nordeste, com dezesseis clubes de maior torcida de oito Estados da região (exceção do Maranhão e do Piauí), patrocínio master da Coca-Cola e transmissão das afiliadas e filiadas Globo (como a Copa União, 1987) foi sucesso.
Não é a toa que em 2002, a CBF resolveu apostar nos torneios ampliados por região, que davam vaga à Copa dos Campeões, torneio curto no meio do ano que garantia lugar na Libertadores. O problema é que, com exceção do torneio nordestino, os outros foram um desastre em termos competitivos e de lucratividade. Então, que os outros acabem?
A CBF acabou com todos eles, quebrando contratos importantes para os times nordestinos e diminuindo a visibilidade deles. Após anos de disputa judicial – que poderia gerar um prejuízo de R$ 38 milhões aos cofres da CBF! – finalmente parece que se chegou a um acordo.
A tendência é que o torneio volte em 2013 – houve tentativas menores em 2003 e 2010, mas sem nenhuma benesse, com direito a pedido do Sport para não jogar a competição e times reservas atuando. Para o torneio serão separadas 12 datas. A fórmula de disputa será a mesma de 2000, com quatro grupos de quatro times em jogos de ida e volta, com os dois melhores classificando para os mata-matas.
Qualificam-se para o torneio os dois melhores de cada Estadual no ano anterior. Estas competições também apresentarão mudanças, já que os seus representantes só poderão entrar na reta final.
A reunião que definiu o retorno do torneio foi realizada há um mês, com a presença de Ricardo Teixeira, Campos Pinto (Globo) e representantes da empresa de marketing esportivo, a pioneira, Klefer (do ex-presidente do Flamengo e ex-radialista Kleber Leite). Os cartolas locais não confirmam ter aceitado, apesar de a fórmula já ter sido publicada.
A cereja do bolo seria a vaga à Copa Bridgestone Sul-Americana ao campeão do torneio. Mas isto ainda depende do aval da Conmebol, das entranhas do Imperador Nicolás Leoz.
Efetivas mudanças
Mudanças em fórmulas de torneios nacionais e do calendário brasileiro já vimos aos montes. Nós ainda esperamos – sentados ou até deitados, para não nos cansar – o dia em que a gestão do futebol brasileiro mude para valer, passando a atender aos interesses dos torcedores e não apenas de certos cartolas, patrocinadores ou emissoras de televisão.