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Coluna Além das Quatro Linhas


O Estatuto do Torcedor não quer punir a cartolagem

Facom

Euricão amava o Vasco, amava tanto que quase tomou para si tudo o que o CRVG produziu ao longo de quase três décadas de reinado. Substituído foi por Bob Dinamite, outro que até deputado estadual foi. No meio disso, o jogo de interesses alenta e atiça o arrivismo de chefes de organizadas.

Bruno Lima Rocha e Felipe Fonseca – do Rio Grande, 23 de março de 2009

A Copa do Mundo de 2014 pode começar ainda este ano para os brasileiros. Os ministérios dos Esportes e da Justiça anunciaram um pacote para conter a violência nos estádios, visando “limpá-los” no período de 5 anos. Desde 2003 até hoje ocorreram 37 mortes em estádios ou em situação de jogo. Ou seja, um torcedor a cada dois meses, em média. Infelizmente nada disso é novidade, e é de se presumir que a motivação do Estado sejam os encargos da FIFA e não a preservação da vida de jovens torcedores.

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No começo, o governo e seu ministro Orlando Silva, acenaram que, com a modificação do Estatuto do Torcedor, todas as pessoas que pretenderem acesso ao estádio terão seus dados como CPF e impressão digital armazenados em um cartão magnético que também será o seu “ingresso”. Já cairíamos em um problema de dubiedade, pois o status de torcedor não é uma figura jurídica. No mais, também implica em delegar autoridade a uma entidade privada de caráter associativo, o clube de futebol. Na proposta original, esse cartão deveria ser fornecido pelo clube, só podendo ser cobrado em caso de perda. O cadastro dos torcedores seria nacional, e para todos os estádios que receberem jogos das séries A e B do Campeonato Brasileiro. Para facilitar a aplicação das penas aos infratores, o cadastro permitirá um cruzamento de dados com a Justiça Criminal comum. Mais uma vez, incorre-se no problema de fundo. Não há uma figura jurídica para o crime de “brigar em estádio de futebol”, o brigão e arruaceiro é enquadrado como “rinha” e este é um crime sem punição.

Porém essa mudança no Estatuto do Torcedor tem alguns pontos que não são facilmente solucionáveis: em princípio, menores de 16 anos estariam livres desta medida. A pauta se atravessa duplamente. Reduzir a maioridade penal é a sanha da direita mais reacionária, e muitas das vezes, das mais corruptas. No caso, embora seja relativamente comum ver a jovens cometendo atos injustificados no entorno dos estádios, nunca se soube de um menor de idade que seja “chefe ou líder de torcida” e nem nenhuma outra hierarquia do gênero. Não podendo punir os menores (de 16) infratores das violências dos estádios, ficaria fácil continuar cometendo os atos (a mando dos chefes de torcida, de cartolas e da demência que impregna a cabeça e o corpo explodindo de testosterona) que existem atualmente nos estádios e seus arredores.

Além da medida escapista, a de delegar aos clubes algo que é dever de Estado, existe também um movimento da OAB no sentido de que as novas regras ferem os direitos básicos do cidadão, como o de ir e vir. Isto sem falar, na afronta à presunção de inocência, uma vez que tanto cidadãos de bem, quanto arruaceiros – segundo o projeto - devem ser identificados antes mesmo de cometer (ou não) algum delito.

A lista de problemas que dão o contorno do pano de fundo é sabida, pública e notória mas nenhum dos atores-chave na questão quer entrar. A bancada da bola é poderosa, e boa parte dos parlamentares tem interessei eleitoral na paixão clubística. Luiz Fernando Zacchia e Paulo Odone materializam este conceito aqui na província. Toda torcida mais ou menos organizada tem vínculos com a diretoria de seus clubes. Toda a torcida mais ou menos violenta sabe que uma forma de ganhar dinheiro com a própria turba é gerar a simbologia da violência, da banalização do ato de agredir o outro. Todos os chefetes de torcida recebem entrada de jogos e organizam excursões para dar apoio ao clube quando joga fora de casa. Assim como boa parte dos cartolas mais notórios termina se projetando e se enriquecendo com a jogatina da supervalorização do futebol. O exemplo nacional mais bizarro é o de Eurico Miranda, ex-deputado federal pela legenda que sucedera a Arena – uma das – e que amava o Vasco da Gama, ao ponto de querer para si tudo o que o Vasco produzira!

Enquanto não for interrompido o vínculo cartolagem com chefes de torcida a violência irá seguir. Enquanto o clube de futebol, como pessoa jurídica, e seus dirigentes eleitos, como pessoas físicas, não pagarem pelos atos dos torcedores “organizados” por eles mesmos, a demência irá continuar. No caso do Rio Grande, dada a semelhança com los hermanos argentinos, temos triste exemplo das Barras Bravas, como a do Boca Juniors, e de políticos profissionais – herdeiros de empresários suspeitíssimos – tal é o caso de Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires (capital federal, unidad autônoma), co-fundador de um partido de direita neoliberal (o PRO – Partido para Uma República com Oportunidades) e cartola do Boca. É neste arranjo de mando, dinheiro fácil, paixão com euforia coletiva e demência projetada onde mora o perigo das torcidas organizadas. Sem isso, não há como alimentá-las e se interrompe o fluxo da imbecilidade e da covardia de gente que espanca – na base do 20 contra 1 – e ainda se crê possuidora de virtude e valentia!

Bruno Lima Rocha é cientista político; Felipe Fonseca é acadêmico de jornalismo da Unisinos






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