Em momentos de crise política brasileira e fim de modelo de crescimento em cima da venda de produtos primários para o mercado externo temos a tendência a fazer uma espécie de entropia, focando em assuntos internos e não observando as relações continentais. Parte do esforço analítico aqui tratado busca relacionar o desenvolvimento interno de nosso país com o ambiente regional e continental. Diante do crescimento do eixo do Pacífico através da expansão da interpendência comandada pela China, há uma tentativa evidente de concorrência e contrapartida dos Estados Unidos (EUA), conforme veremos a seguir. Nesta disputa, o Brasil e qualquer perspectiva de desenvolvimento autônomo - não subordinado ao aumento sem freios de circulação de mercadorias e serviços - entra em evidente desvantagem. A fragilidade da soberania popular caminha lado a lado com o aumento do poder do capital transnacional e a desregulação da força de trabalho, com a retirada óbvia de direitos sociais. Tal debate, portanto, é urgente e necessário.
O TPP e a projeção ao Pacífico
No dia 5 de outubro de 2015, Estados Unidos e Japão lideraram a assinatura de um marco do governo de Barack Hussein Obama, dentro de sua proposta de tentar uma inflexão ao Pacífico. O Tratado Transpacífico (TPP) foi firmado por EUA, o derrotado império japonês, Austrália (aliada incondicional do Império, equivalente a Inglaterra na região do Sudeste Asiático), Canadá e México (zonas de influência diretas do NAFTA - Área de Livre Comércio da América do Norte - e das cadeias de valor dos EUA), Brunei, Malásia, Cingapura, Vietnã (estes três últimos com grande capacidade de produção e concorrentes em pequena escala da China), além de Chile e Peru. Tais Estados em conjunto equivalem a 40% do PIB mundial e, vale comentar que, apesar do conceito de Produto Interno Bruto ser muito contestado dentre os economistas políticos críticos, aceitam-se este conjunto de dados para análise de comparação internacional.
O TPP é uma ponta da projeção de poder do Império, cuja meta inclui a assinatura do hoje ainda distante Tratado Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP), também conhecido por TAFTA. O início das conversações oficial foi em junho de 2013 e, de acordo com as regras da União Europeia, quem pode assinar o mesmo é a Comissão Europeia, especificamente sua comissão para tratados comerciais. Caso os EUA entrem neste nível de acordo com a Europa Unificada e especificamente com a zona euro, terão consolidado uma condição de domínio na chamada guerra fria comercial do segundo período pós-11 de setembro.
O Tratado, portanto, é parte desta grande estratégia que obedece a “regras” da geopolítica mundial, estando de acordo com as previsões do início primeiro período Pós-Guerra Fria. Durante o governo do democrata Bill Clinton, sua assessoria direta e indireta para temas internacionais e de segurança apontou como o grande risco uma reaproximação entre China, Rússia e Índia. Passados vinte anos do prognóstico, o mesmo se revelara acertado, sendo que o “risco” considerado pelo Departamento de Estado da Superpotência trata da capacidade de expansão chinesa pela via comercial e de investimentos diretos em diversos países.
O passo seguinte da presença comercial da China seria o de projetar uma nova arquitetura financeira mundial e é justamente contra esta possibilidade que se voltam os defensores da “multilateralidade” pronunciada pelos porta-vozes de EUA e Japão. Como afirma um de nossos especialistas brasileiros em potências médias e BRICS, o professor de Relações Internacionais Diego Pautasso, sabe-se que o volume de investimentos chineses está criando um sistema sinocêntrico, sendo que o mesmo ainda não tem uma estrutura financeira à altura de sua capacidade econômica. O passo avançado da marcha de Beijing se verifica com a presença de capitais chineses através do Banco de Desenvolvimento e do Eximbank chineses – superando o total de investimentos do Banco Mundial na América Latina – sendo complementados pelo Fundo de Contingência e do Banco dos BRICS.
O mesmo está ocorrendo com o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (AIIB), o adversário direto dos proponentes do TPP. EUA e Japão, além dos associados menores, entendem que o mundo não pode ser multipolar em sua estrutura financeira. Apesar de reconhecerem que a era de domínio absoluto estadunidense está realmente sendo modificada, a “nova arquitetura” pode implicar um “perigoso” giro considerando a aproximação estratégica entre Rússia e China.
E para a América Latina, o que resta?
Para a América Latina, a presença de México, Peru e Chile neste tratado é mais uma inflexão no rumo do Pacífico, acompanhando a guerra fria comercial entre EUA e China e afastando-nos de buscarmos saídas entre nós mesmos. Dentre estes países, o caso peruano é ainda mais complicado, pois como já assinaram um Tratado de Livre Comércio (TLC) com a China, o TPP vai deixa-los ainda mais expostos à enxurrada de manufaturas produzidas com mão de obra semiescrava e através do trabalho superexplorado.
A presença de empresas transnacionais em territórios ricos em minérios estratégicos causa uma evidente ameaça e tensão social em distintas regiões do país, como é o caso da empresa Southern Peru (subsidiária do Grupo México, mega-exploradora de minério e petróleo) e o conflito na região de Arequipa, província de Islay. O projeto de mineração de Tía María já indica uma hiper-exposiçao de nossos países como uma selvagem plataforma de exportação primária. Com a presença do TPP, tal exposição aumenta os danos sociais e ambientais já ultrajantes.
Já os efeitos para o Mercosul também são nefastos e cabe discuti-los em um texto próximo.