Uma das virtudes do fracionamento do PMDB é unificar conceitualmente analistas políticos que vão da ultra-direita à extrema-esquerda. Todos os comentários que este também analista pôde acompanhar, iniciados domingo até o presente momento, ao menos concordam com a caracterização da legenda como um conjunto de frentes de consórcios políticos regionais-estaduais. Não que os partidos político-eleitorais sejam coesionados programaticamente, longe disso. Mas, todos reconhecemos o fato de que esta sigla exagera na contradição. Onde coabitam e peleiam entre si gente tão diferente como Pedro Simon, Orestes Quércia, Geddel Vieira Lima, José Sarney, Jader Barbalho, Roberto Requião, Renan Calheiros, Garibaldi Alves, dentre tantos outros, incluindo o guru econômico da ditadura, Antônio Delfim Netto, não há nenhuma condição de resolver nada coletivamente. E, com esta nominata, não podia terminar bem sua consulta interna.
Sistematicamente brecada através de instrumentos mais que duvidosos, a própria regra das prévias foi um acerto possível e não o desejável. Ao menos o guarda-chuva aliado de Rigotto, composto por históricos e caciques com peso e tradição na legenda, optou por aceitar a derrota para um neófito. Diante da inevitabilidade, as velhas raposas fazem seus cálculos. Considerando que o inimigo convive na mesma legenda, pensaram ser preferível entregar a candidatura para um homem cujas bases são o assistencialismo e o apelo neo-pentecostal.
A outra opção, seria entregar o ouro para ex-Arenistas, liderados pelo ex-presidente José Sarney e seus aliados “biônicos” no Judiciário. Sim, o Judiciário cujas funções-chave são ocupados por indicações políticas por fora da carreira, são outro aspecto central unificador dos diversos analistas políticos. Não que este Poder seja imune às influências caso ocupado por magistrados de carreira. Mas, que diminuíram os efeitos nefastos desse estilo “menemista” de fazer política nas cortes superiores do país, disso não há sombra de dúvida. O papel exercido por Nélson Jobim nos últimos três anos atesta aquilo que afirmamos. Recentemente, as manobras e contra-manobras no STJ, com o ministro “biônico” Edson Vidigal na vanguarda da aliança Sarney-Lula, são prova cabal de que a influência política direta é algo mais que complicado.
Voltando às prévias do PMDB, o resultado é o próprio retrato da legenda no país. A política eleitoral é um jogo complicado, onde as tramas em busca de projeção e recursos são tão ou mais válidas do que as convergências ideológicas e programáticas. Com este quadro, Rigotto ganhou mas não levou, fazendo maioria absoluta de votos mas não maioria proporcional. Escolheram um sistema colegiado, cuja regra por si só é fonte de problemas em todos os países onde a norma é válida. Também não é preciso ser especialista para saber as formas e motivações aplicadas para mobilizar a militância do partido, especialmente em estados com menor participação política.
O melhor retrato da interna peemedebista é o fato de que domingo à noite, apurados todos os votos e feitos os cálculos proporcionais, ainda se especulava sobre o resultado, se seria acatado ou não. A polêmica seguiu até o início da tarde de segunda, 20 de março, quando Germano Rigotto reconhece publicamente a vitória do rival. Ainda falta saber quantos caciques estaduais acompanharão a empreitada campista rumo ao Planalto.
Antônio William Matheus de Oliveira parte para uma candidatura ainda mais incerta que a primeira, quando concorreu pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Garotinho foi levado para a nova sigla através das mãos de Wellington Moreira Franco, migrando para o partido de Chagas Freitas na companhia de seu aliado Sérgio Cabral Filho, um dos históricos do tucanato fluminense. O próprio Moreira Franco já experimentara uma migração em troca de candidatura. Isso ocorreu em 1982, quando o político de Niterói, fez-se herdeiro de Amaral Peixoto e concorreu em 1982 para governador do estado do Rio pelo antigo PDS. Foi derrotado por Leonel Brizola, protagonizando um dos maiores escândalos da redemocratização brasileira, o mais que conhecido intento de fraude comandado pelo sistema de apuração da Globo-Proconsult.
Quatro anos depois, com Moreira já de volta ao PMDB, derrota a Darcy Ribeiro na disputa pelas Laranjeiras, encabeçando uma ampla aliança que, de fato, ia do PDS de Amaral Neto ao PC do B de Jandira Feghali. Como se vê, Garotinho têm um padrinho peemedebista experimentado nas negociações políticas estaduais. Resta saber se seu nome emplaca nacionalmente, ou irá ser entregue à própria sorte, assim como a legenda já fizera em 1989 com Ulysses Guimarães e em 1994 com Orestes Quércia.
Entendo que a candidatura Garorinho é um caso à parte, merecedora de análise pormenorizada. A mesma será realizada em situação propícia e posterior. Isto porque, o momento atual exige o debate sobre o “maior partido do país”.
A verdade é que enquanto partido, o PMDB só existe em alguns estados. O MDB do Rio Grande e do Paraná, são raras exceções se comparado com outros lugares. Mas, é preciso lembrar a tradição dos partidos estaduais gaúchos, mantidas e ampliadas lealdades oriundas de divisões centenárias. Como a exceção só realça a norma, o PMDB de fato é uma sigla com forma de guarda-chuva, onde cabem todos desde que ninguém coaja ninguém a fazer aquilo que não quer.
Os últimos quatro dias foram tão intensos e recheados de manobras que mais pareciam um roteiro de cinema político. A capacidade operacional de Sarney e Renan daria ótimo material para Costa Gravas ou mais recentemente Michael Moore. Até o mecanismo das prévias nos faz lembrar o início de Farenheit 9/11. Assim como a regra aplicada na eleição presidencial dos EUA, as prévias do PMDB tiveram regramento colegiado e proporcional, onde a maioria ganha mas pode não levar.
Todo este enredo nos trás uma lição. A sociedade brasileira observa pasma e estupefata a capacidade criativa da classe política quando em defesa de seus próprios interesses. Este filme, assim como as obras dos diretores citados acima, por sua própria natureza, não pode ter um final feliz.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat