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O esporte olímpico como política de Estado


As crianças que aprendem a arte dos esportes náuticos poderiam ser regra, e não exceção, caso o país tivesse um sistema nacional de esportes olímpicos.

4ª, 18 de julho de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé

No dia 27 de junho de 2006, em plena Copa do Mundo, tive a oportunidade de escrever para este blog um artigo chamado: “O esporte de base e a omissão do Estado”. Tratava justo da ausência de políticas públicas para a prática desportiva no Brasil. Neste exato momento, quando atletas brasileiros de alto rendimento disputam medalhas nos Jogos Panamericanos mais caros da história, sou obrigado a voltar ao assunto.

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A motivação não passa apenas pela grandeza do evento, as vaias ao presidente ou a mais que discutida e controversa prestação de contas. Tem na edição de junho do Jornal da Universidade a sua raiz. Em seu número 99, o órgão oficial da UFRGS traz na capa oito crianças remando em caiaques no Lago Guaíba. Trata-se do Projeto Navegar, vinculado ao Ministério do Esporte e que no Rio Grande do Sul está sob a responsabilidade da Escola de Educação Física (Esef/Ufrgs)da mais antiga federal do estado. Como quase todo projeto bem feito, os custos são baixos e os resultados impressionantes. Remunerados pelo Projeto são três professores, um para cada modalidade, além de 14 bolsistas de graduação. O pacote do Ministério do Esporte inclui dez barcos a remo, dez à vela, dez caiaques, coletes salva-vidas e dois barcos infláveis com motor de popa para acompanhar as aulas e prestar socorro.

O público alvo são 160 crianças vindas de dez escolas públicas e moradoras de bairros ribeirinhos, como as Ilhas do Delta e Navegantes. O Navegar, iniciado há três anos, conta com 37 núcleos em 18 estados, e está incluído dentro do Programa Esporte na Escola. Ex-alunos desta escolinha passaram a treinar como atletas de competição nos clubes de Porto Alegre e hoje estão disputando os Jogos Panamericanos. Ou seja, do ponto de vista do alto rendimento, o caso é de sucesso.

Tomo a liberdade de citar textualmente um trecho da entrevista, feita pela repórter Ana Chala com o professor Ricardo Petersen, coordenador do Projeto em Porto Alegre e diretor da prestigiada Esef. A íntegra consta na página 8 da edição No.99, junho de 2007 do Jornal da Universidade:

“...não vemos outra possibilidade (de difusão dos esportes olímpicos) senão nas escolas ou em projetos desse tipo, que atingem milhares de crianças em todo país. Eles têm que ter continuidade e se tornar parte de uma política. Só assim começaremos a desenvolver o gosto pelo esporte. Isso é muito mais importante do que a realização do Pan, apesar da visibilidade que ele traz para o país.”

O depoimento de um acadêmico consagrado e entusiasta dos esportes olímpicos é mais do que convincente. De forma sutil e educada, o professor Petersen manda um recado e uma exigência. Uma política pública para o esporte de base como parte de uma política de Estado com a projeção olímpica do Brasil. Ou seja, os Jogos Panamericanos, a realização de uma Olimpíada aqui, deveriam ser ponto de chegada e não de partida. Não se trata de má vontade, mas de crítica feita a partir de centenas de experiências como as descritas acima.

Quando o debate entra no quesito volume de recursos, o terreno fica espinhento. Segundo o repórter Luiz Carlos Azenha, a previsão de gastos iniciais para o Pan era de R$375 milhões. O evento acabou custando quase dez vezes mais. É certo que os equipamentos e instalações desportivas vão permanecer no lugar, catapultando o Rio para sediar a Olimpíada de 2016. Mas, e o material humano?

Voltando à simplicidade e eficiência do Projeto Navegar, o entusiasmo com o resultado gerou uma segunda etapa local, chamado Navega Tchê. Os profissionais de educação física formularam um segundo momento, com oficinas profissionalizantes de carpintaria naval e treinamento em barcos de competição. O orçamento necessário é da ordem de R$600 mil, para um pacote fechado de dois anos de duração. São R$25.000,00 por mês, incluindo remuneração, combustível, alimentação, instalações e equipamentos. Se fosse um empreendimento comercial, o Navega Tchê seria uma micro-empresa, e das mais modestas. Proponho um exercício de projeção, imaginando que estamos em um país que faz planejamento no longo prazo, coisa que é rara por aqui.

Se imaginarmos um núcleo deste projeto por capital do país, teríamos um orçamento anual de R$ 8 milhões e 100 mil reais. Cada núcleo, mantendo a proporção dos colegas gaúchos, atenderia a uma média de 150 crianças por estado, dando um total de 4050 em todo o país. Cada um deles custaria ao país, ao longo de 12 meses, uma média de R$2000 mensais. Em dez anos, o Brasil poderia ter uma nova safra de atletas, custando pouco mais de R$81 milhões. Multiplicando esse custo para vinte modalidades olímpicas, e em uma década, o investimento inicial de R$1bilhão e 620 milhões de reais iria colher uma chuva de medalhas. Por ano, o orçamento do Ministério do Esporte teria de investir apenas R$162 milhões de reais. Representa menos de 10% dos lucros trimestrais de um grande banco brasileiro.

Com um terço dos gastos iniciais previstos para o Pan e em dez anos seríamos uma potência olímpica. O governo de Luiz Inácio já entra em seu segundo mandato e fez a opção errada. Aplicando o dinheiro do Estado em megaeventos, O Ministério do Esporte capta recursos para um momento e não para a sociedade.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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