Um tema comum de engenharia política de forma comparada é tomar como exemplo demonstrativo as fórmulas democráticas nos países vizinhos com regimes de competição e alternância de poder. Dentro desta área, um dos fatores relevantes neste campo de estudo, é o fato das eleições serem ou não obrigatórias.
Apenas para exemplificar, recentemente a direita venezuelana utilizou como argumento para deslegitimar o regime de Chávez o fato das últimas eleições proporcionais terem uma abstenção de 75% do eleitorado.
É preciso ressaltar o fato de que naquele país ninguém é obrigado a ir votar e o governo bolivariano conta com maioria absoluta em ambas câmaras federais, além de ter uma Suprema Corte leal. Se somarmos a isto o fato dos partidos tradicionais das oligarquias daquele país terem se retirado da disputa, está dada a resposta. Uma vez que não havia nada em jogo, não restara incentivo algum para o eleitor mediano ir até uma urna.
Eleições não-obrigatórias são uma faca carneadeira com de fios bem cortantes. Num país como o Brasil, quanto menos estímulos para alguém votar, mais fortes serão as “prebendas”. Ou seja, mais fortes serão as práticas clientelísticas. Havendo a obrigatoriedade do voto, os partidos têm a certeza de uma margem mínima de afluência votante.
Um eleitorado que seja coagido a votar, como o brasileiro, dificilmente ultrapassará os 20% de abstenção. Por mais brandas que sejam as multas e punições aos eleitores ausentes, estas por si só já são um conjunto de estímulos para um eleitor médio gastar algumas horas de um dia de feriado para cumprir com seu dever cívico.
O mesmo ocorre com a propaganda eleitoral na televisão. Bem sabemos serem estas peças publicitárias superfaturadas, parcialmente financiadas com dinheiro público, servindo de evasão e lavagem de divisas. Mas, comparando os custos, são mais baratas do que peças de propaganda privadas com horários de televisão pagos diretamente pelos próprios fundos das campanhas.
Tomando os EUA por exemplo, o custo das campanhas é um dos fatores que impedem a demais partidos que não Democratas e Republicanos a disputarem eleições, sejam estas majoritárias ou proporcionais. Este custo tão elevado e sem subvenção oficial possibilita a retomada do mito do self made man, pois seguidas vezes multibilionários apresentam-se como candidatos “independentes”.
É interessante como este fenômeno que tanto apavora as oligarquias tradicionais, a de uma democracia plebiscitária, seja bem visto por estes mesmos setores ultra-conservadores quando o candidato/a é um dos seus. Em geral, quando estes magnatas se apresentam, são “bois de piranha” do Partido Republicano, empurrando candidatos como Bush Jr. e Bush pai para posturas reais bem mais à direita daquelas que ao menos poderiam declarar-se publicamente. Se isto ocorre nos Estados Unidos, com poderes constituídos e instituições consolidadas, imaginemos o estrago feito por estes mesmos “super” candidatos em democracias instáveis como as nossas.
Todos sabemos que não há investimento sem expectativa de retorno. Tampouco existe aplicação de capital em projetos políticos estruturalmente contrários às ambições dos doadores. No mundo real não há separação entre o ideológico, o político e o econômico. Nenhuma grande corporação é apenas um animal econômico. Nenhum político profissional move-se apenas atrás de parcelas de poder e expressões ideológicas.
Apenas para materializar o exemplo, alguém em sã consciência imagina uma transnacional investindo pesado na campanha de um candidato cuja plataforma de governo seja baseada na nacionalização imediata dos recursos naturais e dos serviços públicos?! Que chances teria este candidato sem os recursos públicos de campanha?
Realisticamente, ou este candidato tem uma base popular forte e organizada que o respalde ou não terá chance alguma. Mas, por outro lado, caso tenha uma base tão forte, não precisará dos recursos públicos para fazer política. Para uma campanha eleitoral vitoriosa, sim será necessário. Já para fazer política ao nível popular, não. E aí é que o modelo de representação apresenta suas maiores debilidades.
O jogo democrático implica rotinas e procedimentos competitivos em vias de consolidação e com capacidade real de resolução. Na América Latina temos os procedimentos consolidando-se há 20 anos, mas não temos chances reais de decidir o que há de estrutural em nossas sociedades. Canalizar as demandas estruturais para as urnas é algo que o sistema de competição eleitoral não prevê e menos ainda suporta.
Suponhamos que o recente referendo sobre a comercialização de amas de fogo e munições não contasse com o voto obrigatório. Qual seria o porcentual de abstenção?! Cifras precisas são impossíveis de afirmar, mas que seriam altíssimas disto não há dúvida.
A legislação eleitoral brasileira não prevê o mecanismo dos plebiscitos, ao contrário do Uruguai por exemplo. Aqui existem apenas os referendos e as leis de iniciativa popular. Tivéssemos plebiscitos sobre temas reais e as campanhas ganhariam contornos ideológicos, seriam mais politizadas e pegariam fogo.
Bem ao contrário da próxima campanha majoritária onde um mesmo arranjo macro-econômico servirá como pano de fundo comum. Pré-definidos os temas estruturais e as máquinas político-partidárias taticamente aliadas a consórcios econômico-políticos poderão “tranquilamente” dedicar-se a telenovelas de espionagem política com enredo de mesquinharia pessoal. E o melhor, este produto tem garantia de popularidade, uma vez que a lei obriga os brasileiros a irem votar.
Com a obrigatoriedade do voto, o protesto nas urnas tem algumas variáveis. Uma destas possibilidades é a anti-candidatura, como o “Carareco” do antigo MDB em contra as eleições do regime militar. Também é bom lembrar ao Macaco Tião, vitorioso em eleições municipais no Rio de Janeiro na segunda metade da década de ’80.
A anti-candidatura pode manifestar-se como um anti-candidato, como foi o caso de Enéas Carneiro em 1994 e 1998. Tivesse este médico cardiologista levado a si mesmo um pouco mais a sério, montando uma infra-estrutura partidária capaz de recepcionar os milhões de votos obtidos e teríamos hoje no Brasil um grande problema político.
Basta imaginar os efeitos de uma versão renovada da Ação Integralista Brasileira para antevermos os problemas que o Dr. Enéas e sua equipe optaram por não gerar. Lembramos que em todos os casos citados, ainda que dando vazão para o sentimento popular, haviam partidos e organizações políticas trabalhando, e muito, para remar a favor da maré.
Alternativas de protesto mais comuns são o voto nulo e voto em branco. Destas falaremos nos próximos artigos, assim como os custos que implicariam o voto opcional.
Ressaltamos que este artigo embora crítico, assim como o analista que o escreve, também se posiciona. Como modelo democrático defendemos um sistema mais participativo e onde a população tenha poderes reais de deliberação. Ou seja, somos a favor de mandatos imperativos e um sistema com mecanismos plebiscitários. Isto implica uma forma de representação que não delegue poderes e imunidades sem limites nem cobranças além das urnas.
Mesmo tendo em conta os altos custos de mobilização, sabemos que esta forma democrática não se realiza a força. Por isso somos a favor do voto opcional.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat