22 de agosto de 2013 , Bruno Lima Rocha
O caso do brasileiro David Miranda, estudante de comunicação social, e sua retenção por nove horas no aeroporto de Heathrow (Londres), materializam mais um episódio que obedece a uma lógica determinada pela estratégia dos EUA. Como se sabe, Miranda é companheiro do jornalista estadunidense, Glenn Greenwald, que escreve para o The Guardian. O alvo de suas investigações – o sistema de espionagem eletrônico dos EUA - foi à causa da detenção de seu parceiro, “justificada” pelo governo de Cameron a partir do estatuto de defesa interna e contra-terrorismo. Podemos ler este gesto como uma retaliação a Greenwald, dado o alinhamento automático da estratégia britânica para com a projeção mundial dos Estados Unidos. Infelizmente, a indignação de parte da opinião especializada brasileira tem dois pesos distintos.
Episódio semelhante e ainda mais vexatório ocorreu quando o avião presidencial da Bolívia, com o chefe de governo a bordo, foi detido em aeroportos europeus e revistado. A aeronave do presidente é território soberano do país, tal como embaixadas e consulados. Na ocasião, os críticos brasileiros comentaram se tratar de um país sob governo bolivariano, logo “suspeito” de favorecimento dos dissidentes da potência hegemônica. Especificamente, desconfiava-se da presença de Edward Snowden no avião de Evo Morales. O debate no Brasil fomentava críticas ao presidente boliviano e aliado ao finado Hugo Chávez. E agora, como justificar a retenção do cidadão brasileiro? Por suas relações pessoais com um repórter estadunidense?
Trata-se de dois problemas de ordem distinta. No Brasil, ainda temos muitos formadores de opinião e especialistas a reproduzir a máxima do período da Bipolaridade, dizendo que “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil”. Tamanha asneira reflete o pensamento colonial que atravessa parcela da inteligência daqui. Outro problema é reconhecer que para a hegemonia dos Estados Unidos, a vigilância eletrônica é um imperativo. A alegação é a guerra contra o terror, especificamente o combate livrado globalmente contra as redes integristas sunitas e cuja herança maldita foi Bin Laden e seus seguidores.
A conta é simples e os críticos nacionais não enxergam. Para os EUA, se o inimigo não tem rosto, logo as comunicações interpessoais são um alvo permanente. A lógica que vale para o opositor serve também para o concorrente. Já o fato Brasil ser alvo de monitoramento eletrônico deve ser visto como reconhecimento da destacada posição do país no sistema internacional.
Obs: reconhecer a posição do país no sistema internacional não significa estar de acordo com sua política externa de forma integral e menos ainda concordar com as tímidas reações do Itamaraty diante da retenção de Miranda e a apreensão de seu computador pessoal. Estamos diante de um episódio de Guerra de 4ª Geração, e por tabela, David Miranda posiciona-se ao lado de Julian Assange, Bradley Manning, Edward Snowden e Glenn Greenwald. Definitivamente, a 5ª economia do mundo (ou a 6ª, conforme o índice), não está à altura deste desafio. Ainda não pelo menos.
A versão original deste artigo foi antes publicada no blog do jornalista Ricardo Noblat