Bruno Lima Rocha
6ª, 24 de outubro de 2008
Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé, Liga Federal dos Povos Livres
No último artigo, repeti a afirmação do absurdo. As premissas ideológicas do sub-prime, derivativos, bolhas especulativas e imobiliárias são as mesmas do neoliberalismo. Isso implica, não em chavões, mas em loucura e crime em linguagem para-científica. Vejam a ladainha de Milton Friedman (1912-2006), que aliás eu já pus aqui, mas repito de novo, dado o absurdo e as terríveis conseqüências.
Em 1953, na sua obra The Methodology of Positive Economics (A Metodologia de Economias Positivas) dentro de uma coletânea de “ensaios” (Essays of Positive Economics, Chicago Univ. Press), o mentor intelectual dos Chicago Boys e da experiência do Fascismo de Mercado no Chile de Pinochet, afirma (p.14):
“...hipóteses realmente importantes e significativas possuem pressupostos que são representações descritivas tremendamente imprecisas da realidade...”
Anos depois, em seu livro de memórias (póstumas), Alan Greenspan, o homem que autorizou a desregulação dos Bancos de Investimento dos EUA e deixou estourar a bolha das empresas ponto.com, afirmou algo semelhante. Em “A era da turbulência, aventuras em um novo mundo” (Campus, 2007), o ex-membro do Gabinete de Crise de Gerald Ford e todo poderoso do Fed de Reagan, Bush pai e Bill Clinton (de 1987 a 2006), afirma (p.325-326):
“O capitalismo de mercado é uma grande abstração que nem sempre é compatível com a visão ‘espontânea’ de como funciona a economia. Presumo que os mercados sejam aceitos em face de sua longa história de criação de riqueza (grifo meu). Contudo, muita gente não raro se queixa, inclusive para mim: ‘Não sei como os mercados funcionam, parece que sempre estão à beira do caos’.[...] quando as economias de mercado se desviam durante algum tempo de uma trajetória aparentemente estável, reações competitivas entram em ação para restabelecer o equilíbrio (grifo meu).”
Para não seguir adiante na ladainha, as origens deste pensamento de tipo fantasioso, mas operacionalmente nefasto, pode ser encontrado em uma obra profética. Em “Capitalism and Freedom” (Capitalismo e Liberdade, no original de 1962, Chicago University Press), o irmão gêmeo intelectual de Friedrich Hayek (1899-1992) apresenta seu receituário básico:
“1) os governos deveriam abolir todas as regras e regulamentações que se interpunham no caminho da acumulação de lucros.
2) deveriam vender todos os ativos que possuíam e que podiam ser administrados pelas corporações, com fins lucrativos.
3) precisavam cortar dramaticamente os fundos destinados aos programas sociais.”
O resultado das premissas e aplicações de Friedman no Chile e as conseqüências das medidas tomadas – e as não tomadas – por Alan Greenspan nos EUA e, por tabela direta, no mundo inteiro, estão à vista de todos. A tal da turbulência dos mercados nada mais é do que o fruto de 8 anos de farra dos derivativos, onde um valor representava 64,3 vezes este mesmo valor! Um conjunto de hipotecas formava uma carteira de títulos. A partir daí, se formavam outras carteiras, com coleções de títulos derivativos desta mesma coletânea de hipotecas com calote anunciado. O todo do rombo é o mesmo valor do todo negociado – e sem lastro. Muito dinheiro se incorporou aos fundos de investimento, fortunas em bônus de “desempenho” entraram para bolsos de altos executivos e contas offshores em paraísos fiscais e financeiros. Enfim, a conta a pagar pela humanidade é de US$ 668 trilhões.
Para termos um marco de comparação, os dez maiores PIBs do mundo em 2008 (dados de 2007), segundo o FMI, são da ordem de:
Estados Unidos US$ 14,20 trilhão
Japão US$ 4,87 trilhão
China US$ 3,94 trilhão
Alemanha US$ 3,65 trilhão
França US$ 2,84 trilhão
Reino Unido US$ trilhão
Itália US$ 2,83 trilhão
Rússia US$ 2,33 trilhão
Espanha US$ 1,70 trilhão
Brasil US$ 1,62 trilhão
Com este demonstrativo, podemos expor o tamanho do rombo e a conta a ser paga pelo absurdo da coisa. Quantas empresas jogaram no cassino digital? Quantas transnacionais estão penduradas por seus balanços fraudados? Porque agora os resultados de 2008 estão aparecendo muito piores do que em 2007, mesmo tendo a crise do sub-prime (o não pagamento das hipotecas em função do aumento dos juros básicos dos EUA e a da inflação estadunidense vinda dos gastos com as guerras do Iraque e do Afeganistão) estourado no primeiro semestre do ano passado? Será porque os Estados, através dos Bancos Centrais, estão comprando ações das empresas quase-insolventes, e assim salvando a liquidez destas pessoas jurídicas administradas como macro-organizações criminosas? Sim, acreditem que sim. As pistas seguem os rastros das patas dos mesmos tubarões das finanças e que foram em cana nos EUA.
Voltando aos papas intelectuais e operadores financeiros do rombo, cabe uma cruel ironia para concluir este breve artigo. Greenspan está arrependido. É como Antonio Delfim Netto; depois de servir como ministro da Fazenda dos generais Costa e Silva e Médici; ser ministro da Agricultura e do Planejamento do general Figueiredo, Delfim se disse de “centro”, posicionou-se ao lado de Lula (o sindicalista que segundo ele mesmo, tal como Lech Walesa, ‘nunca foi de esquerda!’ e não foi mesmo) e apagou seu passado de Fascismo Econômico.
Voltando ao ex-chariman do Fed, em depoimento no Congresso dos EUA, sob juramento, Greenspan afirmou sem meias palavras:
“This modern risk-management paradigm held sway for decades. The whole intellectual edifice, however, collapsed in the summer of last year.” / O moderno paradigma de gerenciamento de risco assegurou os balanços durante décadas. Entretanto, todo o edifício intelectual entrou em colapso no verão do ano passado (2007)”
Precisa dizer mais? Ficam perguntas “singelas”, temas “simples”, do tipo:
- Como pagar uma conta que é maior do que o conjunto da riqueza em moeda digital junta?!
- Como pagar estas contas de exuberância irracional sem uma racionalidade que a regule?
- Como o mundo confiará na auto-regulação outra vez?
A resposta não está nos balanços fraudados, mas na correlação de forças que o mundo do trabalho e dos povos em luta tem de reconstruir. O caminho da soberania popular passa por lutar pelo controle das cadeias produtivas e o fim da interdependência tecnológica e financeira.
Seguiremos no tema, sem trégua e nem fraudes.