Como já é sabido e notório, PFL e PSDB protelaram o inquérito. Vão tentar emparedar Palocci no segundo tempo desta partida, a ser jogada na CPI dos Bingos. Aí sim, vão utilizar toda a munição acumulada contra ele. Serão levantadas suspeitas sem fim, iniciadas ainda quando o hoje ministro cumpria mandato na prefeitura da rica cidade paulista de Ribeirão Preto. Suspeitas e denúncias estas, que os bem informados leitores deste blog irão considerar uma redundância se as retomarmos. Neste artigo portanto, vamos nos ater aquilo que nos parece ser o mais importante.
Retomando a análise dos efeitos, no dia seguinte do depoimento, a sensação transmitida pelos comentaristas políticos e econômicos é de “tranqüilidade no mercado”. Este mito dos tempos atuais, o “mercado”, é a personalidade coletiva agregadora de pessoas físicas e jurídicas manejando especulação financeira de alto nível. São todas ardentes defensoras da livre circulação de capital volátil e ficaram tranqüilas depois que um ex-militante socialista depôs por horas seguidas. Para alegrar o resto da semana dos banqueiros e financistas, o ministro não só disse que continuava, como vinculava sua permanência no cargo a execução da mesma política econômica. A consequência imediata “sinaliza” a satisfação do “mercado”. Palocci depôs, o dólar caiu e a Bolsa subiu.
Um dia antes do depoimento, quando se especulava abertamente em todos os meios a possível queda de Palocci, alguns nomes eram cotados para assumir a pasta. O substituto imediato, Henrique Meirelles, talvez já seja o ministro de fato. O ex-presidente mundial do Banco de Boston e deputado federal eleito pelo PSDB de Goiás, representa sem tirar nem pôr, a continuidade da política econômica de Pedro Malan e Armínio Fraga. Outro possível substituto, o secretário-executivo da Fazenda Murilo Portugal, nada alteraria das orientações já praticadas desde 1994. Na hipótese de nenhum desses operadores político-técnicos de orientação tucana assumirem a pasta, outros dois nomes foram cotados.
Para quem já se surpreendera com a presença de tucanos no ministério de Lula, dando a continuidade a política monetarista que faz a alegria do sistema financeiro, garantimos que o susto é maior ainda. No dia da proclamação da república, a especulação girava também em torno de dois arenistas. O primeiro e mais forte é hoje deputado pelo PMDB de São Paulo, Antônio Delfin Netto. Uma outra possibilidade mais remota, era o também ex-membro de governos militares, Afonso Celso Pastore. Definitivamente, para a percepção da maioria dos brasileiros, não foi para endossar Chicago boys que o companheiro Lula foi eleito.
Como se vê, acentuando ou aliviando timidamente a ortodoxia, qualquer opção seria apenas mais do mesmo. Juros altos, superávit primário aos custos da fúria fiscal e aumento da carga tributária, crescimento inercial que talvez não atinja nem 3,5%, rolagem da dívida pública, pagamento religioso dos lotes de empréstimos contraídos com o FMI, além das perdas sem fim nos serviços e juros da dívida externa. Ou seja, nada de distribuição de renda, aumento do emprego formal e fim da quebradeira de micro e pequenas empresas.
Sendo assim, duas perguntas são inevitáveis e devem ser feitas. Se pouco ou nada muda com ou sem Palocci, seja o ministro da Fazenda do PSDB ou da ARENA, então quem exerce o governo de fato? Considerando que o presidente eleito da 11ª economia do mundo tem margens mínimas de manobra, então quais são os agentes coletivos operando no país que ajudam a estreitar estas margens? Com certeza, na atual conjuntura que vive o país, estes agentes são os grandes operadores do “mercado”, materializados nos membros do Copom, nas direções executivas da Banca privada nacional e estrangeira, na alta gerência de fundos de investimentos e nos tecnocratas de carreira dos organismos internacionais. São estas as pessoas físicas, brasileiras ou não, que operam a execução das políticas orientadas a partir de pessoas jurídicas hegemônicas hoje no Brasil. Traduzindo, são estes os que mandam de fato. Mandam a ponto de tornar sem efeito a chiadeira do empresariado, da ministra Dilma Roussef, do ex-primeiro ministro José Dirceu, do vice-presidente e também empresário José de Alencar, dos altos mandos das Forças Armadas e de quem mais quiser gritar.
Tudo isto vai além da crise de paradigmas, da crise política e da “governabilidade”. Esta é uma crise da própria capacidade de governo. Há quase quarenta anos atrás, alguns pesquisadores brasileiros exilados no Chile, dentre eles Fernando Henrique e José Serra, ajudaram a construir a Teoria da Dependência. Mesmo que o primeiro tenha pedido para esquecermos o que ele escreveu e o segundo seja um dos nomes de confiança da FIESP, esta foi uma importante contribuição ao pensamento latino-americano. Hoje, durante o governo do Chefe de Estado Luiz Inácio, deveríamos nos dedicar a construção da Teoria da Subserviência. Isto porque, o Brasil não somente abriu os portos as nações amigas como também seus cofres. Os cálculos mais conservadores indicam a perda média de R$ 1 bilhão de reais, escoando ralo abaixo nos juros e serviços da dívida, além das perdas com corrupção passiva e ativa. Não há tesouro nacional que agüente nem governo que possa exercer de fato o mandato que recebeu para fazê-lo.
Lástima mesmo é a ausência das forças sociais atuando nessa crise. Quando um governo eleito não corresponde aos anseios de quem o elegeu, somente estes mesmos eleitores para desautorizá-lo. Temos certeza que milhões de brasileiros não chegaram a ler àquela famigerada Carta ao Povo Brasileiro, redigida a quatro mãos pela Banca e o Campo Majoritário. A massa votou num sentimento e este se transformou em frustração. Ninguém votou em Palocci e Meirelles e muito menos no sistema financeiro para governar o país. Esta conta, a cada dia mais cara, terminará por ser cobrada e não apenas nas urnas.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat