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Aumento dos congressistas e legitimidade


Obra monumental da arquitetura brasileira, os nobres parlamentares se colocam de costas para a nação que os delegou poderes limitados. No intuito de se equivalerem com o restante da nobreza do Estado, é a plutocracia que se locupletam com as finanças públicas.

3ª, dia 19 de dezembro de 2006, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé

O aumento concedido pelos congressistas a si mesmos, coroa a série de desmandos orçamentários iniciados pelo Judiciário e o MP. Foi o próprio STF que iniciou a concessão de aumentos, seguido pelo Conselho Nacional do Ministério Público e culminando com os 91% dos salários do Congresso Nacional. Como as corporações republicanas forçaram, o efeito cascata vai virar uma enxurrada. Subir o salário dos parlamentares para R$ 24,5 mil foi apenas a ponta do problema. O debate de fundo é a legitimidade destas instâncias e suas formas de resolução.

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O primeiro absurdo é constatarmos que estes políticos poderão ter o bônus do aumento salarial sem nenhum ônus em sua imagem. Isto porque, mais uma vez, se recorreu a mesa do colégio de líderes. O mecanismo por si só, embora possa disciplinar aos parlamentares a votarem junto de seu partido, também funciona como uma câmara semi-secreta para decisões delicadas. No meio sindical e estudantil, este procedimento, em geral acertado por dirigentes ao costado das bases, é conhecido como “conchavo”. Ou seja, a decisão de líderes sem consulta, definindo entre poucos, aquilo que deveria ser uma decisão coletiva.

Em si o aumento já é um escândalo por dois motivos. Nenhuma categoria está arrancando conquistas dessa ordem, e o mecanismo decisório é um convite à falência democrática. Já escrevemos vários artigos defendendo o voto aberto universal e obrigatório nas casas parlamentares brasileiras. Pode-se até argumentar que tal mecanismo vai trancar a pauta legislativa. Esta mesma pauta é travada quando convêm às legendas e suas lideranças. Assim, o argumento de que o voto em aberto, nominal e público é feito para atravancar as votações, não é correto. Como investimento na transparência política, pode ser uma das tábuas de salvação da legitimidade dos congressistas.

Se a política é feita a partir de identidades e prebendas, o senso comum deve valer para analisar o comportamento parlamentar. Em qualquer bairro humilde e cidade pequena deste país, prevalece a sabedoria popular de “quem não deve não teme”. Sendo assim, porque os “nobres parlamentares” da Câmara e do Senado não podem votar em aberto, fazendo fila para falar em plenário e defender de peito aberto temas delicados? Poder até podem, mas não querem.

Quando o mecanismo decisório propicia uma maximização de ganhos e diminuição de perdas, porque mudar? Sim, se entendermos que o político profissional se comporta antes que nada como um agente de seus próprios interesses, o colégio de líderes tem sua razão de ser. Inúmeras fórmulas importadas pelo neoinstitucionalismo militante nos ofertam conceitos analíticos do comportamento parlamentar. Supostamente, a fórmula pronta do presidencialismo de coalizão aponta dados irrefutáveis da “governabilidade”: maioria parlamentar e aprovação das políticas da presidência.

Isso é certo, mas falta uma pergunta crucial para o interesse público:

- E os custos de transação? Qual o preço da maioria que assegura a “governabilidade”?

Supostamente, associamos o comportamento nefasto ao chamado “baixo clero”, cuja representação simbólica máxima foi a presidência de Severino Cavalcanti. Estes parlamentares teriam um procedimento de atitudes paroquianas, defendendo antes que nada seus redutos eleitorais e as prebendas para seus correligionários. Já os cardeais, em tese, deveriam se portar como grandes estrategistas políticos, articuladores entre toda a sociedade, magistrais ao moverem-se nos corredores do Congresso. O colégio de lideres prova o oposto.

Os congressistas, ao se afastarem das bases que os elegeram, tanto por seus rendimentos como pelo proceder, acercam-se da forma como os poderes constituídos se portam de fato. Ou seja, nada é como nos dizem e tudo é como parece. Basta acompanhar a cobertura factual da mídia política e ficar estarrecido. O escândalo não se torna em alternativa justo por falta de teoria democrática que se contraponha a falência de ritos e procedimentos promovidos por operadores político auto-regulados.

Não é preciso aprofundar-nos na história para comprovar esta hipótese com evidências. Basta comparar o salário mínimo proposto pelo Copom e o aumento auto concedido pelo Supremo, o MP e agora o Congresso Nacional. Na defesa de seus interesses diretos, magistrados, procuradores e parlamentares vão gerar um efeito enxurrada tão ou mais nefasto do que os escândalos das sanguessugas e mensaleiros.

O salário mínimo nominal de novembro de 2006 é de R$ 350,00. Segundo o preceito constitucional deveria ser da ordem de R$ 1.613,08. O repasse para a saúde seria de 12% da receita líquida do país, e quando muito atinge a 6%. Os médicos residentes, são responsáveis por 70% do atendimento hospitalar do SUS, até a greve recebiam R$5,00 a hora, com carga horária contratual de 60 horas e com desconto de 20% na fonte. Após a vitória do movimento grevista obtiveram um aumento de 30% de seus vencimentos.

Sem nenhuma demagogia, porque os congressistas não perguntam para a população qual o aumento que deveria ser dado, tanto no salário mínimo como para os trabalhadores do SUS? Alguém tem dúvida de qual seria a resposta? Se o aumento dos congressistas não for ilegítimo, então onde está a legitimidade republicana?

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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