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O Caseirogate é a ponta do iceberg


Caso as paredes e portas das mansões do Lago Sul falassem, a república cairia mais rápido do que nos depoimentos de Jeane Mary Corner.



Viamão/RS, 18 de abril de 2006

O escândalo do abuso de poder envolvendo a testemunha principal contra o ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci, é apenas a ponta de um gigantesco iceberg. Sobre este, a república segue ancorada há mais de vinte anos. De tão costumeiro, incorporamos a idéia de que isto é normal. Antes que algum leitor de memória mais aguçada venha a rebobinar sua mente, buscando algo de raro no ambiente, uma nota desapercebida de jornal, algum furo que não emplacou, ressalto de que não se trata de fato nem factóide. Pelo contrário, o problema é sistêmico.

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Não apenas tem base sistêmica o abuso de poder de ministros contra Eribertos e Francenildos, como é sistêmico o uso da máquina estatal para fins político-econômico de ordem privada. A sociedade contemporânea tende a organizar-se cada vez sobre redes sobrepostas a estruturas e recursos. Estes, podem ser privados, nacionais, transnacionais, estatais ou “tudo ao mesmo tempo agora”. Para espasmo das teorias estanques, a realidade é complexa e tudo acontece de forma simultânea.

O fato concreto, evidenciado pela realidade, é um só. As redes conformadas a partir do comitê executivo do Partido dos Trabalhadores durante a gestão de José Dirceu e seu sucessor José Genoíno, partiram para a conquista do espólio do Estado sem dó nem piedade. A rede formada pelas relações de confiança direta de Luiz Inácio da Silva, como por exemplo, os agora famosos Paulo Okamoto, o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, o advogado Roberto Teixeira, o filho do presidente, dentre outros, levou a uma disputa política no interior do governo. Assim, as bases de apoio formadas por atores-agentes ligados a José Dirceu e a Lula, quando cooperadas, vieram a complementar-se.

No início da fritura, caem primeiro os “amigos do ”, ele próprio incluído na gordura ardente saindo dos holofotes e da CPI. O Planalto e a Banca pensaram que seria tranqüilo seguir operando sem o amigo-rival. Ledo engano. Depois do afastamento de Delúbio e Silvinho, o alvo passa a ser Palocci. Ou seja, as tarrafas da oposição aproximam-se de Lula. Um por um vai sendo atingido, sendo que as bolas da vez são da extrema-confiança do presidente. Isolado do partido, os números do governo do ex-metalúrgico parecem como tábua de salvação. E o são, na campanha política. Mas, antes dos palanques, cuja freqüência esquenta depois da Copa do Mundo, tem as CPIs, os relatórios, indiciamentos e todos os homens do presidente na berlinda.

No momento, aparentemente, a Polícia Federal deu o ar de sua graça. Depois da derrota da categoria na greve de 2004, o órgão portou-se de forma tranquila e fidedigna ao comando do Dr. Bastos. Todo e qualquer projeto ou esperança de alterar as relações internas fez água. O “FBI brasileiro” ficou apenas nos boletins e clippings da muito competente Diretoria de Comunicação Social (DCS). Mas, as redes da inteligência policial vêm se movendo, apesar de seu chefe maior ser de confiança do presidente, cujos aliados e auxiliares diretos são alvos de investigação. Quando o cliente e o comando são amigos dos investigados, como fica a lealdade dos agentes?

Um outro raciocínio lógico indutivo pode ser feito. Com a independência e o sigilo do procurador-geral Antônio Fernando de Souza, estará uma parte significativa do aparelho jurídico-policial trocando de lealdade? Mirando a PF com olhos de lince, encontramos o diretor-geral delegado Paulo Lacerda, homem de confiança do senador Romeu Tuma (PFL-SP), comandando de forma inabalável o departamento ao longo do governo petista. E agora, obedecerá ao Dr. Bastos ou irá abrir uma brecha operacional? Irá destacar alguma equipe de ponta, fornecer documentos, evidências, dossiês e munição, tanto para a campanha como para os tribunais?

A ponta do iceberg apareceu na superfície a partir da baixaria do Caseirogate. Jorge Mattoso deve estar profundamente arrependido, o jornalista Marcelo Netto também e até os momentos de esbórnia do Lago Sul já se tornaram uma amarga lembrança. Infelizmente, longe de ser uma exceção, o uso privado dos recursos do Estado, incluindo aí a capacidade de influir diretamente sobre nossas vidas privadas, é uma constante sistêmica. Hoje esta forma de controle e disputa, que não passa pelas urnas nem é auferida pela satisfação popular, têm o pomposo nome de redes. Mas, uma versão não tão sofisticada já foi chamada de outro jeito.

Estas redes vieram a redefinir algo mais que estudado dentro das corporações estatais e seus vínculos com poderes e vontades privadas. A mais conhecida no Brasil é o chamado facciosismo militar. Muito marcado foi o uso e desmando da caserna, dos episódios da “linha dura” contra os “sorbonistas”. Teses e livros às centenas foram devotados sobre o tema. Pois bem, finda a ditadura militar, porque chegamos à ilusão de que as estruturas fundamentais de controle dos recursos da União haviam mudado?

A mágica da “democratização” institucional através dos mesmos atores e agentes, que funcionaram dentro e a partir do regime de exceção, contaminou a todos. Em comparação com Sylvio Frota, Golbery do Couto e Silva parecia um democrata. E quem se autodenominou herói da Abertura? Sim, ele, o general ferrabrás Hugo Abreu. Tamanha barbaridade encontrou eco e subsídio acadêmico. Co-influenciou operadores políticos como Fernando Henrique, José Serra, Mário Covas e Sérgio Motta, a chamada “transitologia”. A salvação da lavoura democrática estava no pacto de elites para a consolidação de um sistema político concorrencial e aberto.

Pouco a pouco foi-se isolando a caserna, após mais de 10 anos transitando entre a meia democracia e o regime dos quartéis. Findo o regime, a tecnocracia ficou no mesmo lugar, gerando cultura própria e autonomia. Mudaram os chefes, agora vindo a ser eleitos, e a forma de controle mudou. Mas, seu mecanismo injusto, corrupto e anti-popular permaneceu exatamente o mesmo. E porque haveria de mudar se as relações estruturais se mantiveram quase intactas?

Este tipo de pensamento mágico é tão crível como a famosa “governabilidade” ou a “estabilidade democrática”. Não levam em conta as relações sociais ancoradas na supremacia e na injustiça. O mundo real, nos trás de volta ao fato de que a maioria no Congresso se consegue às custas de mensalão. E que, na ausência deste, vale o conceito estadunidense de pork barrel, também conhecido como coxeira de porco. Vorazes, os representantes cujo mandato não é revogável vão de dentes em riste para levar “obras e benfeitorias” para seus redutos. Se o orçamento é votado no prazo ou não, isto é secundário. É o preço a se pagar, seja pingando uma certa quantia todo mês ou então comprando de atacado para aprovar a emenda da reeleição.

Para democratizar a democracia também é preciso tornar público o uso e controle dos recursos do Estado. Sob o manto dos critérios “técnicos”, somos roubados em milhões de reais todos os dias. Aproveitando o segredo governamental, as mais distintas redes operam dentro e nas barbas da inteligência policial. Fazendo barbaridades como a quebra de sigilo bancário e telefônico de gente humilde que, acidentalmente, foi parar na berlinda.

É preciso abstrair da concorrência eleitoral e ver as coisas como são. O que foi feito não se faz, sob regime algum, não importam as justificativas. Ou alguém pensa ser menos injusto o Caseirogate do que a venda-entrega da Vale do Rio Doce ou o escândalo Coroa-Brastel?

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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