3ª, 3 de março de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé
No domingo último, se comemorou uma data conhecida como 1º de abril, dia da mentira. Foi também aniversário do golpe militar de 1964, cumprindo 43 longos anos desde sua conquista do Estado. Na verdade, domingo se festeja não um golpe, mas dois. O mais conhecido é o de Estado, e o movimento discreto, fruto da brilhante operação de comunicação e marketing que proclamara a vitória dos aliados de Lincoln Gordon no dia 31 de março, e não na data nacional da chacota.
Passadas mais de quatro décadas, o silêncio continua. Ainda que o Brasil esteja no segundo mandato de um ex-preso político, sendo este precedido por um ex-exilado (embora não banido), o pacto da lei de anistia irrestrita segue cada vez mais forte. É certo que os últimos estertores da doutrina de segurança nacional e da modernização conservadora estejam caindo, como prova o motim dos controladores aéreos. Olhando desde outra ótica, ex-aliados dos governos militares seguem cada vez mais fortes.
No auge da crise do mensalão, chamava atenção a presença cada vez maior de ex-arenistas no governo de Lula. José Sarney, Delfin Netto, Ibrahim Abi-Ackel, dentre outros da confiança de Luiz Inácio, tanto foram operadores políticos do regime militar como agora são leais ao mandatário de turno. É certo que, conforme afirmou o deputado do PP de Pernambuco Severino Cavalcanti, ele (e outros) “sempre foram governistas”. Ou seja, tudo não passaria de adesismo se não fosse a presença de uma serie de ex-guerrilheiros no 1º escalão do Planalto.
Tampouco é novidade na história da humanidade o recrutamento de ex-inimigos, transformados em aliados táticos. A prática é antiga. Delúbio Soares convocou Marcos Valério e José Dirceu alugara o apoio tático no presunto através do presunto mensalão. Logo no segundo de existência do Exército Vermelho de Stálin, boa parte de oficias czaristas e cossacos haviam sido incorporados e com seus graus de comando assegurados. Faz parte da lógica de fins e meios, sendo que o processo termina inverso, estando os fins como produto dos meios e processos. Não fosse assim, a história da esquerda oficialista não teria esta triste série de reconversão de usos e costumes. Geane Mary Córner que o diga.
Toda aliança implica uma negociação de favorecimento e barganha. Lula optou por não alterar a política econômica de FHC e nem tocar na ferida dos arquivos da ditadura. Por opção de imobilismo presidencial, os arquivos do antigo SNI, hoje Abin, continuam intactos. Sendo classificados como Ultra Secretos, têm a função de apagar o passado, não apenas dos desaparecidos políticos, mas também de antigos colaboradores do regime.
Considerando que mexer no passado significa ressuscitar a memória, muita gente não quer ver seu nome aparecendo em letras garrafais ou abertura de páginas de internet. É certo que boa parte desse material era produzido por arapongas e zangões, muitos eram relatórios encomendados, com o intuito mesmo de gerar contra-informação e destruir a carreira ou reputação de um colaborador ou membro do regime. Mesmo assim, o tal risco de punir a alguns inocentes deve ser considerado como mal menor.
Nenhum mal pode ser pior do que condenar as geração atual e as seguintes a não saber o que são nem tampouco o que serão. Infelizmente a historia é cruel. Embora seja um chavão, a máxima que “os que não sabem de onde vêm não podem saber para onde irão”, é um acerto. Esta pode ser uma outra opção estratégica da atual administração. Tampouco é o primeiro.
Fernando Henrique pediu que esquecessem suas obras. Já Lula, afirmou que nunca foi de esquerda. Ambas as afirmações são verdades parciais. Também reforçam uma idéia de identidade fragmentada, a mesma saída “mais fácil” da Abertura lenta e gradual e sua posterior opção pelaAnistia Ampla, Geral e Irrestrita. Quando recrutou a base aliada entre apoiadores e aliados civis da última ditadura, o governo já disse a que veio.
Não abrir os arquivos Ultra Secretosnão foi uma surpresa, apenas mais uma desilusão.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat