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Lula, Sarney e a parábola orwelliana

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Injustiça com os porcos compará-los com a elite política brasileira, os suínos se tornaram semelhantes aos antigos inimigos políticos na promiscuidade patrimonialista palanaltina

03 de agosto, do Rio Grande, por Bruno Lima Rocha

Comentário na forma de prólogo:

o bruto desse texto foi redigido antes da ação de censura mediante o uso e abuso da ação patrimonialista de um desembargador da mini-república de Joaquim Roriz, Nenê Constantino (o amigo do peito e do colchão forrado de dinheiro sem origem) e José Inácio Arruda. O mesmo se dá no raciocínio de auto-preservação de Sarney, que agora anuncia sua saída em função do desgaste! Antes com Antônio Carlos Magalhães e o atual governador do DF, o ex-tucano e atual UDN da oposição (DEM), Arruda passara algo igual. Renan Calheiros usara de expediente semelhante e hoje manda ainda mais. José Ribamar, pode deixar a Presidência da Mesa da Câmara Alta, desde que nada nem ninguém encoste em um centavo de seu patrimônio privado acumulado mediante negócios de Estado. Em 2002 houve a Operação Lunús, com Serra e Itagiba na cabeça. Efeito político mediante fato midiático assegurado, Roseana fora do páreo presidencial, mas fora o caixa dois devidamente apreendido no flagrante sobre a mesa, seus bens e posses permaneceram intactos. Sarney caminha junto da filha; vai de volta para o fundo do plenário do Senado dos Caciques políticos de sempre. O país fica onde está.

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Introdução:

Neste breve texto, veremos como o abandono do projeto político de reforma radical (da década de ’80) pelo maior partido eleitoral da América Latina fez com que as demais posições políticas fossem abandonadas. É um enigma da política que flerta com o paradigma de George Orwell. Nesta magistral obra, conhecida no Brasil como “A Revolução dos Bichos” (a edição que tenho é antiga, data de 1964, publicado pela Editora do Globo, em Porto Alegre; o texto original de Animal Farm, em inglês, é de 1945), afirma a transformação do ex-inimigo à imagem e semelhança do opressor de antanho. Isto se dá quando, ao se aproximar do ex-adversário, um operador se faz de espelho do antigo adversário outrora irreconciliável. Sua atualidade se dá neste exato momento, ao motivar a ovinocultura política do Planalto a balir e bradar: “Duas patas bom, quatro patas ruim!” Vejamos os porquês.

O erro de cálculo do professor de economia

A nota escrita pelo senador Aloizio Mercadante (de carreira, professor de economia licenciado da PUC-SP e da Unicamp) líder do governo no Senado, pedindo o afastamento de José Sarney da presidência da “mui leal e valorosa” câmara alta da república, fez recordar ao país que existe uma queda de braço na interna do PT. A presidência – com a eminência nada parda de José Dirceu de Oliveira e Silva bombeando por fora e detrás - explicitamente desautorizou seu líder mantendo o apoio ao senador pelo Amapá. Duas moedas estavam em jogo, tendo seu lastro calculado na projeção de curtíssimo prazo, na contagem regressiva para a corrida eleitoral.

Uma moeda é de ordem tática, visando garantir a “blindagem” do governo perante a CPI da Petrobrás. Outra, estratégica, mira no projeto eleitoral de 2010 e a complexa rede de alianças com as diversas facetas do PMDB que ocupam parcelas importantes de controle do Estado brasileiro. No final das contas, o presidente mais popular da história do país se atira nos braços dos ex-inimigos políticos e isola qualquer voz discordante. Se Sarney sair – o que deve se suceder - sai na paz e na integridade patrimonial. Na analogia que fazemos com a fazenda orwelliana, neste caso, trata-se do latifúndio político da família de Roseana, exemplo vivo de como uma cultura política de caciquismo oligárquico pode se reciclar, aliando-se a ex-esquerda e mantendo como fonte de renda o botim e espólio de parte das riquezas da sociedade de classes expropriada e nunca redistribuída pelo Estado capitalista do sub-império do Brasil.

Voltando à ladainha planaltina, a mensagem é explícita. Não importa o motivo da discrepância entre políticos petistas e seu símbolo maior, para Lula e seu núcleo duro (a instância de vinculação pessoal com o presidente e não com a legenda e menos ainda com as correntes internas), nada pode estar acima das lealdades do governo para com quem o sustenta. A banca paga e recebe, mas quem dá as cartas na Articulação Política tem suas asas mais largas do que as da legenda do presidente.

Este é um dilema clássico da política, ocorrendo quando um operador político paira acima de qualquer organicidade partidária. Por fazer cálculos próprios, este líder tende a preferir bases de apoio para a chamada “governabilidade” (um continuum de mais do mesmo, a começar pela política econômica que nada mexe nas relações estruturais da economia política brasileira) e a projeção de continuidade do mandato pelo sucessor. Quem o suceder tem de dar as garantias de em nenhum vespeiro mexer, evitando qualquer cheiro de investigação federal sobre desvios, desmandos ou roubos afins. Ou seja, há de fazer o mesmo de agora, tal e como Luiz Inácio engavetou os indícios do governo de Fernando Henrique e seus aliados, a começar pela troca da CPI do Banestado pela PEC 40/03, a famigerada “Reforma” da Previdência em 2003. Embora soe estranho, é como abrir mão das metas originais para manter uma parcela do poder do Estado, concentrado no Brasil no caixa da União e nas prerrogativas do Executivo.

Nada de novo no latifúndio chamado Brasil

No começo da fábula política, Duas Patas eram ruins e Quatro Patas era algo bom. Depois, ao se aproximar do antigo inimigo, Quatro Patas tornam-se tão boas como as Duas Patas do verdugo de antes. No final da história, a mesma se repete como farsa, na restauração dos poderes anteriores, fundindo a nova fração de classe na forma de elite dirigente com os patrões do regime vencido e que se restitui. Neste caso, é como em Brasília, “Duas Patas bom, Quatro Patas ruim!”

Nada disso é novidade na trajetória recente de Luiz Inácio. Este processo já se faz notar desde, pelo menos, a difusão da Carta ao Povo Brasileiro e a aliança com José Alencar para vice em 2002. Naquele momento, o pouco que restara do projeto político da década de ‘80 se perdeu na planície. Restaria então a aliança orgânica com as correntes internas do PT e os partidos de esquerda eleitoral. Como meta de governo, Lula e sua equipe tentariam ao menos a execução dos planos setoriais, sendo a reforma agrária e a retomada do poder de compra do salário mínimo as bandeiras históricas. Fez-se apenas um arremedo de ambas, e o temporal chegou na hora de dividir o botim de Estado. Os urubus se degladiaram sobre uma carniça gorda e viva chamada Furnas e as relações obtusas com a turma do querido adversário Aécio Neves. Valeu a máxima: “Quem com Dimas fere com Dimas será ferido”.

Ainda assim Lula provou ser duro na queda, superando tudo, desde a abertura do esquema do Mensalão e resistindo a fragmentação partidária quando do lançamento da dissidência que posteriormente formara o PSOL. Sobreviveu a Roberto Jefferson fazendo das lentes da Câmara seu tribunal do júri. A rotina da política brasileira se aproximara do ethos político dos líderes da Baixada Fluminense. Na hora de chamar a Lurdinha para matraquear, a UDN na Oposição (o DEM, então ainda PFL) com carinho e com afeto se deixara embalar pelos sonhos de calmaria do PSD tucano (PSDB), todos muito emocionados pela colher de chá de Araucária saboreado através do relatório do deputado federal José Mentor (PT-SP) durante o ano de 2003. Se o Planalto com José Dirceu e tudo aliviara na CPI do Banestado, nada mais sério ocorreria. O sistema financeiro deu o ok com Mr. Meirelles devidamente blindado pelo Supremo e tudo ficou como antes. Mesmo assim, depois do susto de 2005, Lula não quer mais passar por apertos de nenhuma ordem.

Epílogo na Fazenda do Planalto: Sarney pode sair, mas seguirá mandando

Agora vale o texto relatado abaixo pelo escritor George Orwell ao final de sua fábula política hiper-realista:

“Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez: mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco.”

Faltando exatos doze meses do início da campanha presidencial de 2010, o Planalto não vai arriscar nada. Isto implica em pagar o preço necessário para evitar que José Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá e cia. não venham a se tornar uma versão peemedebista do irado petropolitano Roberto Jefferson Monteiro Francisco de 2005. Para evitar esse risco e manter altas as chances de Dilma Roussef e seu provável vice do PMDB, Lula vai pagar o preço que for preciso. Ou seja, se José Ribamar sair, vai ser por desgaste de sua imagem e no acordo com o governo. A fórceps ele não cai, inclusive porque Lula não deixa.


Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas da Unisinos (IHU)






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