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Debatendo um modelo de organização política como força motriz para o processo de radicalização democrática

movimentodemocraciadireta

Retirar poderes dos políticos profissionais e repassá-los para as instâncias de decisões em conselhos ou conferências técnicas ou político-técnicas é uma das metas permanentes de uma acumulação de forças para a democracia direta.

11 de março de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha

Com esse texto, entro na seara da organização política propriamente dita, observada, analisada e defendida através da Matriz Libertária e, por conseqüência, da Teoria da Interdependência das Três Esferas. Reconheço que o tema é polêmico e tanto as caracterizações como as críticas que aqui faço estão longe do paradigma hegemônico tanto da ciência política, como dos partidos políticos como um todo. Ao contrário de escamotear este conflito, o afirmo e ressalto, defendendo ontologicamente a idéia de democracia participativa como o conjunto de interesses, direitos, valores e motivações, representados de forma direta e não pela via de uma casta de políticos profissionais de carreira, sejam estas mesmas transitórias ou perenes.

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Apresentando a modelagem e a carga intencional explícita

Antes de iniciarmos o tema, é necessário expor algumas bases necessárias para compreender o seu correto desenvolvimento. Como o artigo também dialoga com o formato acadêmico-científico, o mesmo consta de bibliografia ao final. Faço a observação de que nas obras e autores citados, os comentários entre parêntesis são de minha autoria. Voltando ao tema, busca-se aprofundar a proposta de modelagem política, e transita-se no diálogo com as teorias e interpretações de maior gravitação na ciência política praticada no Brasil e na qual particularmente fui treinado (embora as conteste em sua maioria). Trata-se de um exercício de construção de uma tipificação de Organização Política, um “modelo de partido”, de acordo com a proposta defendida por mim, tanto em tese de doutoramento, como em textos e eventos posteriores, e que está localizada como agente de movimento dentro de um do estudo e análise estratégica no sentido amplo.

A hipótese formulada nesta nova seqüência de textos, dentro da perspectiva da democracia social, é a de acumulação de forças e radicalização democrática de longo prazo. O modelo aqui apresentado, embora tenha matriz e perspectiva libertária (assim como tudo o que produzo no âmbito da politologia), não tem necessariamente um só viés ideológico, mas representa uma possibilidade de aplicação dentro de um campo de intenções, motivações normativas e interesses estratégicos dentro da América Latina em geral e do Brasil em particular.

Assumimos algumas pré-condições que estão sempre presentes. Todo “modelo de partido” inclui na modelagem as condições e regras pelas quais este partido/organização política está constrangido e por onde esta mesma instituição (legal ou não) se dispõe a percorrer dentro de suas metas de médio e longo prazo (veremos o planejamento estratégico em outras ocasiões). Para ser teoricamente coerente é necessário apresentar modelos factíveis de serem testados, mas que, antes de nada, sejam aplicáveis de acordo com as hipóteses levantadas.

Como já afirmei em outras ocasiões e artigos, é impraticável o exercício teórico de Radicalizar a Democracia no sentido distributivista (sócio-econômico e de poder) estando essa apresentada com a premissa oculta de jogo de soma zero no conjunto de uma sociedade realmente existente. O problema que me proponho a contribuir na solução é a possibilidade de construir um processo visível, palpável, em termos de sistematização teórica, a partir das práticas políticas realmente existentes na América Latina de hoje.

Nas linhas que seguem, o debate se dá sobre parâmetros de treinamento político, partindo do treinamento em si ao qual um cientista político passa no centro de formação onde eu mesmo tive a grata experiência de duros e fecundos embates teórico-metodológicos.

O início da tipificação de funções do partido político no regime democrático-burguês

Devo ressaltar que não tenho a intenção de entrar no debate específico a respeito das teorias de partidos políticos. Reconheço que a ciência política tratou largamente o assunto, que o objeto de análise – partido político – é uma unidade de análise estrutural essencial para a o campo e que há extensa literatura a respeito. Segundo Baquero (2000 p. 22): “Os estudos produzidos sobre partidos têm-se orientado em várias direções: aqueles que examinam os partidos do ponto de vista das funções que desempenham; aqueles que se preocupam com a caracterização do que os partidos são; aqueles que os analisam do ponto de vista de suas estruturas; aqueles que do ponto de vista ideológico, buscam compreender os partidos a partir do seu papel histórico.”

Reconheço a validade de todas estas orientações de estudo, mas realizo um estudo que, do ponto de vista ideológico, aborda o partido no funcionamento de sua estrutura, daí certa ênfase a partir dos termos e conceitos empregados por Panebianko (1982). Esta abordagem das funções orgânicas é para observar o tipo de execução que esta unidade de análise tem no exercício do processo de Radicalização Democrática. Nosso eixo analítico é o funcionamento da organização política e o treinamento necessário para sua projeção. O que muda é o ponto de vista ideológico explícito – e não implícito, do tipo premissa oculta – e a localização da organização social voluntária e integrativa (partido político de quadros dotado de democracia interna) como estratégica para a acumulação de forças desde um ponto de vista classista e libertário.

Antes de adentrar no tema da modelagem desta organização (que virá na seqüência de artigos de difusão científica), é interessante o diálogo com parte da literatura vigente. Abordo em específico naquilo que diz respeito à caracterização do partido, ao tipo de participação, ao ambiente macro-político (qual democracia?) e o formato de processo de longo prazo onde esta organização se insere. Para a caracterização de partidos políticos, uma definição passa por Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004, tomo II, p. 905) quando os autores caracterizam o partido como:

[...] o partido compreende formações sociais assaz diversas, desde os grupos unidos por vínculos pessoais e particularistas às organizações complexas de estilo burocrático e impessoal, cuja característica é se moverem na esfera do poder político. [...] as associações que podemos considerar propriamente como partidos surgem quando o sistema político alcançou um certo grau de autonomia estrutural, de complexidade interna e de divisão de trabalho que permitam por um lado, um processo de tomada de decisões políticas em que participem diversas partes do sistema e, por outro, que entre essas partes se incluam, por princípio ou de fato, os representantes daqueles a quem as decisões políticas se referem [...]

Bobbio, Matteucci e Pasquino caracterizam os partidos como sendo de tipo de organização de massa (pp. 900, 901) ou eleitoral de massa (p.901) e é visto como um fenômeno equivalente a uma configuração organizativa e como conjunto de funções desenvolvidas (p.903). De minha parte, caracterizo estas funções, dentre várias, como as de representação política, intermediação política, questionamento político, incidência nas decisões fundamentais de uma sociedade, escola de quadros para elites, nicho de poder específico, e porta-voz de interesses diversos, difusos e específicos. Também compreendo esta unidade de análise como um recipiente fomentador e acumulador de força social e de experiências de protesto e contestação. A função de pólo de debate estratégico é a natureza da organização social de tipo partido político aqui sendo estudada.

Já Villalba e Muñoz (2006 pp. 45-47) aportam uma classificação de partidos mais complexa e completa. Estes seriam: carismáticos (com forte liderança de um indivíduo, muitas vezes adotam seu nome ou aderem a este personagem); programáticos (que se estruturam em torno de um programa); monoclassistas (cujo foco organizativo e de representação é de uma classe ou setor de classe); policlassistas (se dizem representar a interesses comuns a toda a sociedade); doutrinários (baseiam sua prática política em um sistema de idéias morais, políticas ou filosóficas, com alguma coerência discursiva); confessionais (adeptos de uma doutrina social de origem religiosa); nacionalistas (invoca o nacionalismo, o território original com motivação étnica, cultural, religiosa e expressando vontade de autonomia ou independência); de quadros (segundo os autores, caracterizados pela verticalidade de mando e autoritarismo); de massas (segundo os autores, caracterizados pela democracia interna e interação entre chefes, quadros e bases).

Nota-se que a maior parte das caracterizações e tipificações de partidos políticos diz respeito a agremiações que operam e disputam dentro de sistemas políticos constituídos. Mas, esta engenharia institucional não é algo “natural” na política e nem nas sociedades. A relação direta entre complexidade do sistema político e a existência de partidos nos remete a um período anterior da representação. É importante ressaltar a etapa do Estado moderno anterior aos partidos, como reforço da crítica à “naturalização” de uma forma organizativa. Para Bonavides (1978, p.439), a presença do partido político como parte do sistema político, legal, jurídico e estatal foi uma luta de posições. “Com efeito, não foi fácil ao Estado moderno acomodar-se em termos jurídicos a essa realidade nova, essencial e poderosa que é o partido político. Rejeitou-o o quanto pôde.”

Entendo a relevância de se retornar para uma conceituação anterior a um sistema político legal, e não apenas restrito ao social. Porque para pensarmos em modelos não hegemônicos de organização social de tipo partido político é preciso compreender que a democracia de partidos de intermediação política não é absoluta e nem tampouco é a única forma de exercício do direito a se organizar e a expressar opinião e interesses

Dentro da literatura a respeito de partidos políticos encontram-se distintas teorias, tipologias e formatos de análise. Entendo que uma generalização ilustrativa se encontra em Villalba e Muñoz (2006), onde os autores indicam como características dos partidos políticos: “organização permanente e durável; organização completa até em nível local; vontade de exercer e conquistar poder; vontade de convocatória, de atração e obtenção de respaldo popular; organização e representação de classes sociais” (pp. 41-42).

Além destas características, Villalba e Muñoz 2006 apresentam os níveis de participação, segundo sua leitura de Gramsci e de Duverger. Ressalvo que estas tipologias abordam, segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino, a partidos eleitorais de massa. Concordo com esta caracterização, visto que estas tipologias abordam organizações sociais de filiações abertas. Voltando a caracterização das formas de participar, para Gramsci (apud Villalba e Muñoz pp. 42-43), haveria três níveis de participação: base (necessitam de força de coesão); dirigentes (organizam parte da força de coesão); quadros (elementos polifuncionais) e outros elementos organizativos (encarregados de questões específicas e político-técnicos).

Já na tipologia retratada por Villalba e Muñoz a respeito do estudo de Duverger (pp. 44-45); este divide o grau de participação em círculos, estando estes divididos em: eleitores (conjunto de cidadãos que expressam sua preferência a uma legenda ou sigla); simpatizantes (eleitores confessionais, que expressam aberta e regularmente sua preferência político-partidária); aderentes (afiliados de base com mínima responsabilidades na estrutura) e militantes (aderentes ativos, em número menor e com capacidade organizativa superior).

Apontando uma modelagem para a Radicalização Democrática

O modelo compreendido por mim nestes textos, na montagem de uma nova/antiga Teoria Política, no resgate e defesa de uma Matriz Libertária de Pensamento (com base Estruturalista e de Estudos Estratégicos) remonta à outra tradição, por fora do jogo eleitoral e que não se enquadra nestas tipificações. Para fins didáticos e termos comparativos, a modelagem organizativa se refere a um partido de quadros, com organização por círculos de compromisso e adesão e com democracia interna. No campo doutrinário, se vê como interlocutor de uma frente de classes (classista, mas não exclusivista de um setor de classe); opera para a sociedade através de um viés classista e de maiorias; admite e reivindica a origem nacional e popular e necessariamente é programático. Mais à frente, em artigos futuros, aprofundamos o conceito.


Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)



Bibliografia referenciada:

BAQUERO, Marcello. A vulnerabilidade dos partidos políticos e a crise da democracia na América Latina. Porto Alegre, Ed.UFRGS, 2000.

BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política (volumes 1 e 2). Brasília LGE Editora/Ed. UnB, 2004

PANEBIANKO, Angelo. Modelos de Partido. Madrid, Alianza Editorial, 1982.

VILLALBA, Enriqueta Davis, MUÑOZ, Freddy E. Blanco. Ciencia Política y Sociología Política (tomo II). Cidade do Panamá, Imprenta Universitaria, 2006






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