Por duas semanas, a Coluna Radar.com trouxe informações sobre problemas internos na Rede Record, inclusive, com suposta ameaça de greve dos funcionários por falta de pagamento. Algo inimaginável por se tratar de um grupo de comunicação que, desde que foi resgatado de uma crise nos anos 90 ao ser adquirido pelo mesmo grupo da IURD, conta com recursos extra-midiáticos para se manter, pouco importando na prática que a Globo ainda continue com mais da metade do bolo publicitário.
O proprietário da histórica emissora utilizou o “Domingo Espetacular” do dia 11 deste mês para responder às acusações da revista. Como já fizeram com outros desafetos – casos da própria Rede Globo e, de forma mais recente e mais frequente, com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira –, o tom foi pesado, com direito a denúncias jamais contadas em TV aberta. A matéria começou denunciando as relações do Grupo Abril com o grupo de mídia sul-africano Naspers, que teria apoiado o apartheid na África do Sul. Este tem 30% das ações da empresa brasileira, que teriam sido adquiridos num momento de crise do grupo brasileiro.
Após chamar cada empregado da equipe de reportagem e perguntar quando receberam o salário atrasado, repetindo uma fórmula parecida dos cultos televisivos, o bispo da IURD sugeriu que a revista poderia mentir mais vezes: “Eu fico pensando quantas outras mentiras eles devem veicular nessa revista”. Segundo Macedo, as denúncias, de uma revista que ele quase não lembrou o nome, viriam num momento “importante” para a TV brasileira, em que outra emissora transmitirá os Jogos Pan-Americanos. Além disso, a saída de alguns atores para a Globo seria algo “natural” num mercado em concorrência: “Se nós estivéssemos em crise, você acha que responderíamos desta forma [publicamente] a essa revista?”
Sobre a disputa em si, lembramos que enquanto a Record se posiciona favorável aos governos petistas, seja do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou da atual presidenta Dilma Rousseff, a Revista Veja se coloca como o meio de comunicação mais crítico a ele. Uma clara divergência de posicionamento político, mesmo que provisório e não de classe.
No caso da Record, a aproximação com o governo de turno não passa de estratégia comercial. A presença de repórteres ex-globais na emissora emergente contribui para travestir as disputas no mercado. O embate editorial não representa nenhuma ruptura com a essência conservadora e a adesão aos princípios liberais. Nesta empreitada em busca de atingir o topo, figuras conhecidas do “jornalismo global” como como Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha e Rodrigo Vianna são fundamentais para marcar o contraponto – que é também virtual – aos articulistas da Rede Globo e da Revista Veja.
O consenso ideológico da chamada “grande mídia brasileira”, muitas vezes recorrendo a mentiras para atacar adversários políticos, tem colocado em xeque a credibilidade do principal telejornal e da revista de maior tiragem no país. A Record sabe disso e, empenhada em credenciar-se perante a audiência, busca por parceiros que, na atual conjuntura política, possam ajudá-la a atingir seu objetivo.
Se a líder é anti-petista, mesmo incorrendo em um erro estratégico devido à enorme aceitabilidade do último governo, nada mais coerente do que explorar esta brecha. Diferente do que faz a Rede Globo, a emissora da IURD não impede seus jornalistas de manterem blogs próprios sem hospedarem-se sob o domínio da própria empresa. Assim, os ex-globais ficam livres para tecerem críticas aos ex-chefes.
Obviamente as contestações à família Marinho são muito bem-vindas pelo atual empregador. A revista dos Civita entra na disputa Globo X Record por estar afinada com os interesses político-comerciais da líder, sendo os principais articulistas desta publicação muito próximos das forças políticas responsáveis pelo acordo com a Time-Life.
Mas o pior é que a disputa em questão tende a ficar ainda mais acirrada após a aprovação da Lei Federal 12.485 – antigo PLC 116. A nova legislação do serviço de TV por assinatura abre o mercado para as empresas de telecomunicações e, segundo reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo, a Record supostamente pretenderia fechar um acordo com a Oi na busca por disputar mercado com o portal G1 através do IG, em que cederia vídeos.
Cabe lembrar também a proximidade do governo petista com a Portugal Telecom, que rendeu a aquisição de aproximadamente 25% de participação na antiga operadora brasileira, a qual deveria ser um “gigante nacional” após a fusão Brasil Telecom/Oi. Isso está se intensificando e atinge também o mercado editorial. Principalmente através das articulações do ex-ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu, cuja esposa é Diretora de Marketing do jornal Brasil Econômico, periódico pertencente à Ejesa, na qual a portuguesa Ongoing – que tem 10% da Portugal Telecom – tem 30% de participação.
Como é difícil definir quem fala mais a verdade, Record ou Veja – afinal, jornalismo-verdade, ilusoriamente objetivo, só ocorre em lema de emissora de TV –, o importante em mais um racha na classe dominante dos meios de comunicação do Brasil é que só nesses momentos algumas denúncias sobre os proprietários destes meios são difundidos de forma massiva.
Pensar as relações de negócios em âmbito político-econômico é uma premissa necessária para entender a falsa polarização encabeçada pelos principais grupos de comunicação brasileiros. Se, por um lado, os empresários se mexem, de outro, o governo procura aproveitar a nova configuração de disputa no mercado midiático para obter maior inserção discursiva junto à sociedade. Com isso, segue faltando o de sempre: espaços expressivos para o protagonismo dos movimentos sociais, com o investimento pesado em canais essencialmente públicos.