O fato concreto é da ordem da redistribuição geográfica do capitalismo mundial. Fundar os pilares de um Novo Banco de Desenvolvimento e um Fundo de Contingência é um importante passo para sobrepor a moribunda ordem nascida em Bretton Woods.
Mais importante do que disputar espaço decisório dentro do Fundo Monetário Internacional (FMI) é compor outro organismo multilateral de modo a fortalecer a posição dos emergentes à frente do G-20. Especificamente, a instituição financeira pode fortalecer a posição brasileira para consolidar tanto o MERCOSUL como, no médio prazo, a Unasul.
Infelizmente, esta visão não é compartida pelo conjunto das elites políticas nacionais e nem sequer dos sócios-clientes do Estado brasileiro, como as maiores empreiteiras ou o agronegócio. Se fosse, esta realização - a de criar um Banco de fomento não subordinado a superpotência e nem a União Européia (leia-se, Alemanha e seus satélites) - seria consensual aqui.
Eis a primeira certeza. A de que os países médios necessitam criar mecanismos próprios, porque o desenvolvimento através da integração absoluta ao capitalismo transnacional é simplesmente inviável.
Quando os latino-americanos viviam sob tal consenso, nossas sociedades quase se desintegraram. O subcontinente ultrapassou os 50% de atividade informal, com o desmonte do setor público e os pilares do amparo social (que já eram fracos) dissolvidos. Para evitar o retorno a esta catástrofe societária, é positivo o fato do país líder da América Latina ser membro dos Brics.
A segunda certeza é inversa. Assim como os vencedores da Guerra Fria não ofereceram nada mais do que integração subordinada, os perdedores (Rússia e China) tampouco têm sociedades dignas de exemplo.
Não há relativismo que possa tolerar a ausência de liberdade política ou a total violação dos direitos fundamentais. A Índia, apesar de ser a maior democracia formal do mundo, é uma arcaica sociedade de castas. Portanto, o eixo dos Brics forma, no máximo, uma alternativa econômica e não a recriação de possibilidades políticas transformadoras.
A nova geografia do capitalismo mundial é o fruto indesejado da globalização vitoriosa. Passa pela incorporação de quase 1 bilhão de novos consumidores e o uso abusivo de mão de obra intensiva. Por tabela, possibilita outro ordenamento do eixo de expansão capitalista.
Artigo originalmente publicado no blog do Ricardo Noblat.