20 de maio de 2015, Bruno Lima Rocha
A cidade de Mahabad é conhecida como a capital do Curdistão iraniano, e hoje opera como o epicentro da rebelião popular dos curdos contra a autoridade xiita de Teerã. O Curdistão Leste (Rojhelat) viveu um momento de rebelião após o dia 7 de maio quando uma jovem curda se atirou do 4º andar de um hotel cinco estrelas onde trabalhava como camareira. O motivo do suicídio de Farinaz Xorowanî foi um ato de rebeldia contra agentes da inteligência iraniana (Itlaat) que, ao alegar querer interroga-la tentaram forçar um estupro. O sacrifício da trabalhadora resultou em rebelião franca e aberta, com as tropas anti-distúrbios da província e forças regulares da Guarda Revolucionária do Irã (Pasdaran) usando munição letal no meio da rua. Tal episódio, ao contrário de ser uma raridade, é a norma de convivência entre o regime dos Aiatolás e a esquerda curda. Nos dias posteriores, a polícia política dos aiatolás prendeu mais de 800 militantes sociais curdos, o que certamente irá aumentar a estatística regular de assassinados pelo Estado; cerca de cem ativistas por ano são enforcados pelas leis do fundamentalismo xiita.
É difícil fazer uma critica contundente do Irã diante da esquerda ocidental. O regime fundado por Khomeini opera como um catalisador anti-imperialista, sendo criado para desafiar o alinhamento do ex-governante (o tirano pró-Ocidente, Xá Reza Pahlevi) derrubado em 1979 através de uma rebelião popular comandada pelos clérigos xiitas. A esquerda que restava no Irã passou a ser perseguida em 1981, quando foi expulsa das instâncias do novo governo e depois, equivocadamente, viu alguns de seus líderes posicionando-se ao lado de Saddam Hussein na guerra Irã-Iraque. Como o Irã vem desafiando tanto EUA como Israel e suas pretensões na região, sua imagem é bem recebida pelo progressismo ocidental, talvez por um amplo desconhecimento de sua política de controle interno. Assim, no ambiente doméstico, o governo de Teerã é tão autoritário quanto os demais da região, embora o xiismo seja- de fato – mais institucionalista e previsível do que o integrismo sunita e suas redes de terror indiscriminado.
Desde 1979, o governo integrista xiita de Teerã foi responsável pela vitória militar do Hezbollah sobre Israel e seus aliados da direita cristã no sul do Líbano e recentemente, opera como aliado estratégico do governo de Bashir Al-Assad e o que resta da Síria já sem integridade territorial. Uma linha de poder xiita pode ser construída caso a Síria como governo formal e não de fato, somado com o controle de Bagdá pelas forças xiitas e todos retro-alimentados por Teerã. Para evitar esta malha de influência direta, o sunismo conta com as monarquias recheadas de petro-dólares e seus canais de apoio para as duas maiores redes integristas a Al-Qaeda e o Daesh (Estado Islâmico). Já as forças à esquerda no Oriente Médio dependem totalmente do guarda-chuva de organizações políticas-sociais-feministas e militares do PKK. No Irã, a representação do Confederalismo Democrático se dá através do PJAK (Partido da Vida Livre no Curdistão), fundado em 2004, cuja frente militar é operada pelo HPG (Forças de Defesa Popular).
Os acampamentos do HPG nas montanhas do Curdistão com soberania do governo da direita curda (KRG) formam a reserva estratégica da revolução social curda e, uma vez destruídos, toda a estrutura sócio-política do PKK por de vir abaixo. No Irã, isto implicaria a subordinação definitiva de mais de 14 milhões de curdos, dentro de uma população de 77 milhões de habitantes, com 50% de xiitas, sendo também relevantes os contingentes étnicos de árabes, azeris e turcomenos. Para os aiatolás, derrotar a rebelião curda é vital.
A vitória da esquerda curda em Kobanî (cantão central do Curdistão sírio) alertou para a possível necessidade de uma aliança tática no plano militar entre Irã e Turquia. Caso o HPG seja derrotado, Ankara e Teerã se livrariam do seu mais poderoso adversário doméstico e com influência direta na demarcação de suas fronteiras físicas.
O artigo foi originalmente publicado no Jornalismo B