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Clientelismo de baixa intensidade


Na charge do blog acertodecontas, uma caracterização aproximada do conteúdo deste artigo através da capacidade de síntese do artista do humor

4ª, 23 de abril de 2008, Vila Setembrina e endividada dos Farrapos; Continente de São Sepé e da Província do Eucalipto; Liga Federal de los Pueblos Libres de Artigas y paisanos

Aproximam-se as eleições municipais e a política local passa a ganhar foco e atenção. Na semana passada dediquei atenção ao contraponto entre a má gestão de prefeituras, o repasse de verbas e a péssima distribuição impositiva brasileira. Mantendo o foco, inicio o debate a respeito das práticas de clientelismo e a contaminação do tecido social por parte dos aparelhos de representação política municipal. O tema em pauta é o dos “estágios” em órgãos da administração direta e indireta das prefeituras.

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Existem formas consagradas de exercício de função pública remunerada, ocupando cargos de chefia e assessoria direta e que não passam por concurso. Muitas vezes o indicado não é servidor público, sendo empregada a sigla de CC, ou seja, cargo em comissão ou cargo de confiança. Quando o ocupante do posto é servidor de carreira, a sigla empregada é a de FG ou CD, respectivamente, função gratificada ou cargo de direção. De comum entre ambos é o fato de não haver seleção universal para ocupação do cargo. Tampouco se fortalece a democracia no local de trabalho porque nunca se aplica a eleição entre os servidores para os postos de chefia.

Além de FGs e CCs, outra forma de aplicar recursos públicos sem passar por concurso ou licitação é o uso indiscriminado de consultores e funcionários terceirizados. As pessoas físicas que exercem consultorias costumam ser diretamente contratadas por órgãos públicos – administração direta, autarquias e empresas estatais – ou fundações de apoio. A partir destas pessoas jurídicas, a cadeia de comando e produção utiliza-se de uma técnica gerencial chamada de “sistemista”. Nestes casos, uma função pública é aplicada por um consultor, muitas vezes sob contrato temporário com outra empresa, por sinal sub-contratada pela terceirizada inicial.

No caso específico das administrações municipais, estas têm por hábito empregar “estagiários”. Muitas vezes, os estágios são obtidos de forma idônea, registrando os currículos dos interessados e direcionados para alguns postos de trabalho. Vejo nestes casos três problemas em ordem crescente. O primeiro é o fato destes mesmos postos de trabalho ocupados por estagiários retirar o emprego de um trabalhador em idade madura. O segundo mais grave, porque muitas vezes, os estagiários não passam por cadastro e seleção de empresa alguma. Assim, entram na administração municipal sem concurso público, por indicação direta de alguém com capital político na ponta da caneta. O terceiro problema é diretamente relacionado com o segundo. Quando não há transparência abunda a desconfiança. O mecanismo de estágios sem seleção pública é terrível, reforçando na população a mentalidade do “é dando que se recebe“.

Longe de exagerar, relato aqui algo que vejo na própria rua onde moro. Infelizmente não sou o único. Em termos da ciência política, este comportamento revela uma hegemonia da cultura política paroquiana. Nas ruas de barro e calçamento com sobra de pedreira, esta vivência reforça o duplo discurso. As famílias que vêem seus filhos e filhas destinadas ao subemprego reclamam do mecanismo injusto. Ao mesmo tempo,cresce o capital político do possível empregador.

Ou seja, a indicação de jovens para empregos sob o manto jurídico de “estágio” aumenta a relação de prebenda. O possível vereador, secretário municipal, diretor de autarquia e mesmo o presidente de diretório municipal de um partido da coalizão de governo local é visto como um tipo que pode ajudar. “Uma mão lava a outra” segundo o dito popular. Em termos conceituais, a base eleitoral torna-se clientela.

Aplicando algum rigor conceitual e uma dose forte de ironia eu batizo essa prática infeliz de “clientelismo de baixa intensidade”. Para os leitores deste blog, acostumados a acompanharem as tramas políticas planaltinas, um tema assim pode aparentar ser de pouca monta. Asseguro que não é. Justo por ter “baixa intensidade”, a indicação de jovens para ocupar um emprego sem passar por seleção pública e universal macula o imaginário político e social.

É na ponta que o sistema revela toda a sua capacidade de desorganizar o tecido social. Bastava aplicar o mecanismo de concurso público e a idéia do estágio por indicação cairia por terra. O valor do estudo, cada vez mais em baixa nos municípios periféricos de regiões metropolitanas, iria se reforçar. Isto porque a noção de meritocracia é a mais potente inimiga direta da “esperteza aplicada”.

Sendo otimista, imaginem a propaganda proativa gerada por uma prefeitura com 100% de transparência. Uma palavra de ordem para os cabos eleitorais poderia ser: “aqui, na gestão do fulano, tudo é em pratos limpos e até o estagiário faz concurso!”. Mesmo com toda a dificuldade que este hipotético prefeito encontraria, tenho certeza de que a imagem renderia um capital político acima da mediocridade típica do “é dando que se recebe”. Romper com os desmandos, desvios e fraudes municipais não é algo fácil. Uma boa medida seria começar com o fim do clientelismo de baixa intensidade.

Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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