Havia uma sutil expectativa de que o mandato de um ex-torneiro mecânico fosse pender a gangorra para o lado da classe trabalhadora. Ledo engano, aliás, auto-engano. Bastava ler a “Carta ao Povo Brasileiro” divulgada durante a campanha de 2002 para saber o perfil do governo que viria. O que ninguém poderia imaginar é o exagero na dose de continuísmo. A partir da tênue crise política de 2005 ficou óbvio para todos os brasileiros politizados que o governo de Luiz Inácio era uma seqüência dos mandatos anteriores. As negociações pouco ou nada republicanas entre Executivo e Congresso são uma das facetas visíveis desse modo de governar. Outra face é a subordinação da economia real e das políticas de emprego e renda às exigências do sistema financeiro. Apresento alguns números de conhecimento público para que possamos analisar com precisão o tamanho do problema para a maioria dos brasileiros.
O Brasil insiste em gerar mais lucros para os setores que menos empregam. No primeiro semestre de 2007 o lucro líquido das 24 maiores instituições bancárias atingiu o recorde de R$ 14,52 bilhões. Além das taxas de juros cobradas com o crédito, os bancos chegam aos recordes astronômicos através das cobranças por operações. No período este mesmo setor gerou somente 4.320 postos de trabalho. Se dividirmos o lucro das empresas pelos empregos diretos oferecidos nos vemos em um mundo surreal. Cada posto de trabalho, por seis meses, custa no bruto R$ 3.361.111,00 por cada novo emprego. Detalhe, os salários dos bancários sobem pouco ou nada e a cada tanto a banca desemprega a milhares de trabalhadores.
Os dois maiores bancos do país, Bradesco e Itaú, lucraram respectivamente R$ 4,007 bilhões para 180 dias de funcionamento. Isto dá um lucro médio diário de R$ 22 milhões por dia! Enquanto os bancos privados avançam, o Banco do Brasil fecha o semestre com R$ 2,5 bi. Isto é, um crescimento de 14, 9% em relação ao segundo semestre de 2006, mas uma queda de 36, 3% no ano. Detalhe, o BB é líder em número de correntistas, total de ativos e rede de atendimento.
Na divisão dos lucros da economia o setor bancário é o líder de superávit e crescimento entre as empresa de capital aberto. Supera em lucratividade ao petróleo, que faturou R$ 11,39 bilhões e a mineração, com R$ 10,99 bi. As instituições bancárias faturam 22% do total do lucro na Bovespa. É uma equação simples. Quem mais fatura mais onera a economia real e menos emprego gera. Se de um lado aumenta o crédito pessoal, para o consumo a prazo, de outro, estas mesmas reservas não funcionam como sustentáculo para o crescimento.
Na ponta debaixo da tabela da vida como ela é, os setores do comércio e da construção civil são os que menos lucram, com 0,7% em média. Ao mesmo tempo são os que mais empregos geram. O ramo do comércio faturou no semestre a R$ 433 milhões e gerou 97.051 empregos diretos. Entre lucro bruto e custo por posto de trabalho gerado a conta sai a R$ 4.461. A construção tem níveis semelhantes, faturando a R$ 370 milhões e gerando 97.751 postos de trabalho. O custo por cada mão de obra empregada gerado sai, no bruto, por R$ 3.792 no semestre.
Números são importantes para termos uma dimensão material que vai além dos discursos. O lucro diário do setor bancário no Brasil está na média de R$ 80 milhões e 600 mil. Não é à toa que é no gigante adormecido onde se cobram as taxas de juros mais altas do mundo. Na jogatina da ciranda financeira sangra a riqueza potencial do povo brasileiro. A CPMF é parte dessa roda de moinho que a tudo esmaga.
Há mais de um século atrás já se sabia que qualquer nação em desenvolvimento necessitava de alguns fatores: matéria prima para o aço e derivados; energia abundante, fóssil ou renovável; liquidez, superávit e reservas internas; e uma mão de obra versátil e qualificada. O Brasil tem tudo isso, só não tem uma camada de dirigentes políticos, econômicos e intelectuais à altura do país que dirigem.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat