5ª, 14 de fevereiro de 2008, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé
Na terça-feira 12 de fevereiro começou a CPI do Detran-RS. Para os leitores dos demais estados, esta investigação parlamentar é motivada pela Operação Rodin, executada Polícia Federal no Rio Grande do Sul. Trata-se de um esquema de fraude, cuja ponta de novelo levantado, apontou a R$ 40 milhões desviados ao longo de pelo menos cinco anos. Dependendo da abrangência e profundidade das informações apuradas, toda a classe política do Rio Grande pode ser embretada. Do jeito que tudo começa, tanto a Assembléia Legislativa, como o primeiro escalão do governo estadual, últimos mandatários da Secretaria de Segurança e direções partidárias podem passar o primeiro semestre na berlinda. É tamanha a gravidade, que talvez prevaleça o triste costume da política brasileira de eleger um ou dois bodes expiatórios para pagarem o pato.
A CPI inicia fervendo porque se trata de gente com reputação ilibada até o estouro da Operação comandada pelo delegado federal Ildo Gasparetto. Além disso, não é "apenas" o escândalo envolvendo duas fundações, Fatec e Fundae, ambas ligadas à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A Comissão vai se debruçar também sobre o convênio entre a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg) e o órgão estadual de trânsito. Isto porque o repasse da Fenaseg para o Detran-RS, da ordem de R$ 10 milhões por ano, simplesmente não era sequer orçado. Embora tenha a quantia tenha chegado ao órgão, não aparece nas contas oficiais. Trata-se de da contrapartida do recurso arrecadado com o seguro obrigatório para todos os motoristas brasileiros. Em tese, este valor seria aplicado em campanhas de educação para o trânsito. Também em tese, os valores do seguro obrigatório estariam alocados para as vítimas em acidentes.
Outro foco da CPI é a possibilidade de superfaturamento tanto das taxas e serviços cobrados pelo Detran-RS como dos valores pagos para prestadoras de serviços. Uma destas empresas sob suspeita é a que atua na área de segurança privada do órgão. É mais um paradoxo, uma vez que o Departamento foi transferido para a Secretaria de Administração há menos de um ano. Pertencia antes à Secretaria de Segurança, cuja pasta da Justiça também foi desmembrada no governo Yeda Crusius. Mesmo assim, não há com que se justificar a contratação de uma empresa de vigilância, contrato foi rescindido no dia 14 de janeiro, para cuidar de uma instalação física cuja sede fica na Rua Voluntários da Pátria, no. 1358, bairro Floresta, zona norte de Porto Alegre. Ou seja, dentro do imóvel da própria Secretaria de Segurança!
O escândalo faz cair por terra a reformulação executada durante o governo do santanense Antônio Britto Filho (1995-1998). O Projeto Novo Detran (RS) como autarquia enxuta foi criado sob inspiração do então ministro da Justiça, o santamariense Nélson Azevedo Jobim. Em 20 de agosto de 1996 foi aprovada a Lei estadual 10.847, (re) criando o órgão vinculado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública (ainda unificada). A idéia era sanear a imagem e a gestão do trânsito, buscando acompanhar os debates por um novo Código de Trânsito Brasileiro. Pelo visto, manteve os velhos costumes.
A Comissão Parlamentar nasce dividida e com os ocupantes dos postos-chave puxando para a versão que lhes for mais conveniente. Seu presidente, o deputado estadual Fabiano Pereira (PT), tem seu reduto eleitoral justo em Santa Maria, epicentro do escândalo. Pereira aposta na tese do desvio da Fenaseg, nos arquivos da Operação Rodin e tentará até escutar as conversas gravadas sob mandado de Justiça durante a investigação da PF. O alvo sem dúvida é Lair Ferst, do diretório estadual do PSDB e um dos coordenadores de campanha de Yeda Crusius. Tensões políticas à parte, a suspeita se justifica. Além de ser um dos 18 indiciados na Operação Rodin, suas irmãs são sócias proprietárias de duas empresas contratadas pela Fatec, a Rio del Sur Engenharia e a Newmark Tecnologia. Detalhe, a Fatec foi substituída pela Fundae (também vinculada a UFSM), mas foi mantida como subcontratada assim como as suas terceirizadas.
Já o relator, Adilson Troca (PSDB), vai insistir nas oitivas por ordem cronológica. Ou seja, se prevalecer a sua tese, serão ouvidos todos os ex-presidentes do Detran-RS e provavelmente os respectivos secretários responsáveis da área. Se o ex-secretário de Segurança do RS José Paulo Bisol for convocado a depor, com certeza a base governista irá entreverar o tema com o escândalo do jogo do bicho. O caso na época resultou em outra CPI, tratando da Segurança Pública, e teve como principal bode expiatório o militante Diógenes de Oliveira, então presidente do Clube de Seguros da Cidadania. Por ironia da história recente, Bisol foi convidado a ser vice de Lula em 1989 justamente por ocupar um posto mais ao centro da política. Quando formou a aliança, o ex-juiz era senador da república pelo recém nascido PSDB, e migrou para o PSB para compor a chapa da Frente Brasil Popular.
A CPI envolve direções partidárias, arrecadadores de campanha e perenes postulantes a cargos nos primeiros escalões do governo da província. É simplesmente impossível que tamanha fraude tenha ocorrido como uma conspiração de uns poucos gênios do crime. É como o caso dos selos na Assembléia, onde a bomba estoura no colo de Ubirajara Macalão e os deputados estaduais passam incólumes. Particularmente não creio em Comissões Parlamentares de Inquérito como mecanismo investigativo. Servem apenas para levantar fatos políticos, e na sua imensa maioria apuram pouco e não punem ninguém. Espero estar equivocado neste caso. Infelizmente, as evidências e a lógica me levam a crer que vai sobrar de novo para um ou dois bodes expiatórios, gente esta que embora envolvida, não está sozinha no esquema.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat.