3ª, 27 de março de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé
A manhã do dia 26 de março não foi mais uma segunda-feira como tantas outras. Neste dia, às 9 da manhã, o Brasil voltou a encontrar com seu destino na área da microeletrônica. No Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), localizado na Lomba do Pinheiro, região na periferia de Porto Alegre, foi entregue o chip comercial projetado no Rio Grande do Sul desde que o país abriu os aeroportos para as “nações amigas” da área de informática. Bastou um pequeno investimento de R$ 180 milhões, para disparar o talento de nossos pesquisadores, diminuindo a distância para as transnacionais.
É certo que o modelo do Ceitec é integrado, associando empresa-universidade e gordas verbas da Finep e do CNPq. Até aí nenhuma novidade, até porque o dinheiro dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia têm mesmo de ser aplicados em inovação e desenvolvimento tecnológico. Se há problema, é na concepção da cadeia produtiva da microeletrônica. Enquanto renasce o chip gaúcho, os pesquisadores da PUC-RS, UFGRS e Unisinos, vêem seu modulador para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) perder-se entre vende pátrias.
O Brasil é um país de contrastes, e a vocação de macunaímas das elites dirigentes surpreende a qualquer um com o mínimo de senso critico. É impossível pensar em desenvolvimento sustentável sem um grau razoável de soberania nacional. Esta, não se manifesta apenas na defesa das fronteiras, mas em alguns itens estruturantes. Estes seriam, dentre outros a auto-suficiência energética e alimentar, a defesa dos recursos naturais não-renováveis, a inovação tecnológica nacional, divisão de renda e uma política externa agressiva. Potencialmente, temos a tudo isto. No mundo da política real, os altos mandos da nação recusam-se a exercer sua função.
O Ceitec é um investimento estratégico e que custou o preço de uma tarde na ciranda dos juros e da especulação financeira. Ou seja, poderíamos fazer vários outros centros tecnológicos. No caso do centro gaúcho, este pode vir a escoar o saber dos centros e incubadoras tecnológicas das três universidades gaúchas citadas acima. Estas instituições canalizaram recursos da sociedade e após mais de uma década peleando contra a maré, começam a dar resultados concretos.
Assim como a jogatina monetarista, o potencial da universidade tupiniquim é infinito.
Quando a academia brasileira se uniu em torno de uma meta, a baixíssimo custo, atingimos a inovação tecnológica graças a pouco mais de 1000 pesquisadores, entre doutores, mestres, professores e alunos de iniciação cientifica.
Para não ser injusto, basta citar a genialidade do professor da PUCRS Fernando De Castro, doutor em engenharia elétrica e coordenador das pesquisas que geraram o padrão Sorcer de modulação da TV Digital. Recusado pelo ministro das Comunicações Hélio Costa, o SBTVD tinha o pecado original de ser brasileiro nato e superior aos padrões europeu, estadunidense e japonês. Infelizmente, também na microeletrônica o absurdo tende a se repetir.
Tive a oportunidade de escrever alguns artigos aqui a respeito da formação das mentalidades dos intelectuais e políticos brasileiros. Não é novidade, e o problema de fundo talvez seja até de ordem psiquiátrica. O Brasil que manda insiste em negar o seu próprio potencial, reafirmando a condição única do desenvolvimento subordinado. A cada momento histórico, quando temos chance de tomar a dianteira e puxarmos a América Latina, esbarramos em decisões entreguistas.
Enquanto damos vida ao primeiro dos cinco Ceitecs planejados, o governo de Luiz Inácio e as metas do PAC apontam para a liquidação do parque industrial de Santa Rita do Sapucaí. Ou seja, avançaremos em microeletrônica sem aproveitar o saber já acumulado em eletrônica. Que ciência é esta onde não há acumulação e nem referentes próprios?
É curiosa a aproximação entre literatura e identidade tecnológica. Depois que escreveu a obra “O Poço do Visconde”, Monteiro Lobato ouviu poucas e boas. Foi acusado de louco, ufanista e mentiroso. Se o povo não tomasse as ruas, a Petrobrás jamais nasceria. Hoje, ainda que a “estatal” seja controlada por um Conselho de Administração com mentalidade transnacional, o país é líder mundial na exploração em águas profundas.
Falta nos debruçarmos sobre nossa história. Que a luta pelo petróleo sirva de exemplo.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat