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E à medida que o caixão descia para sempre... 44 anos do assassinato de Édson Luís

Resistência Popular Alagoas

População foi às ruas protestar contra o assassinato do estudante vítima da ditadura militar há mais de quarenta anos. Edson Luís se tornou um símbolo de como a juventude sucumbe à violência do Estado, principalmente quando se trata de jovens da periferia.

28 de março de 2012, da Zona Sul, periferia de Maceió, Henrique Bezerra

No fim da tarde do dia 28 de março de 1968, por volta das 18h, foi assassinado o jovem paraense, estudante secundarista, que recém completara 18 anos, Edson Luís de Lima Souto. O estudante jantava momentos antes de mais uma manifestação da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço (FUEC), no restaurante Calabouço, cidade do Rio de Janeiro. Os estudantes protestavam simplesmente contra o aumento do preço da refeição, que consideraram abusivo, e pela conclusão das obras do restaurante.

Um protesto “simples”, considerando suas reivindicações e por ser uma ação corriqueira naquele espaço, porém, realizado num momento de tensão política e social, em pleno ano de 1968. O Calabouço funcionava em outro local e acabou demolido sem explicação confessa. Porém, acredita-se que a demolição ocorrera em virtude dos preparativos para uma reunião do Fundo Monetário Internacional, no Museu de Arte Moderna, próximo do antigo restaurante.

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Para alguns, o emblemático ano começou com esse acontecimento. A partir daquele dia, foram inúmeras manifestações de rua, aglutinando diversas categorias sociais. Com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), boa parte dos estudantes – responsáveis por expressiva participação na resistência política – avaliou que já não havia mais possibilidade de mobilizações como até então eram desenvolvidas. Partiram assim para a clandestinidade que exige a luta armada. O assassinato de Édson Luís tomou proporções gigantes, devido, principalmente, ao caráter explícito e covarde de tal ato.

Não se tratava de mais uma pessoa que “fora suicidada” (justificativa bastante utilizada pelos torturadores – como no caso do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado) ou então “apenas” mais um caso de “desaparecimento” (outra justificativa exaustivamente utilizada pelos partidários do Golpe). Tratava-se, isto sim, de um assassinato! Aos olhos de todos e todas que se faziam presentes naquele restaurante ou ao seu redor, a exemplo dos jornalistas Ziraldo e Zuenir Ventura, que estavam na redação de uma revista que tinha sede próxima ao Calabouço.

Com um tiro no peito, caiu morto “um jovem que poderia ser seu filho” – frase que se tornou uma consigna nas grandes manifestações do enterro, das missas de Édson Luís e até na passeata dos 100 mil. Na tentativa, frustrada e ridícula, de justificar o assassinato, o General Osvaldo Niemeyer Lisboa, superintendente da Polícia Executiva, afirmou que “a polícia estava inferiorizada em poder de fogo” (Poerner, 1979). Aqueles estudantes – e desconheço relatos que afirmem o contrário – estavam “armados” com paus, pedras, garfos, facas, pratos...“Armas” encontradas em qualquer restaurante ou rua ontem e hoje. Mesmo assim, esse militar tenta justificar com tal argumento.

Além disso, a edição do jornal estudantil O Metropolitano, de abril de 1968, ao falar sobre a brutalidade da violência policial, ressalta que a prova de tal brutalidade residia não apenas no assassinato do estudante, mas, também, nas “diversas perfurações a poucos centímetros do chão, nas paredes do restaurante. Pelo menos seis dessas perfurações se encontravam a metro e meio do solo”. (in Valle, 1998). Ou seja, atiraram para matar, de fato!

Frente ao ocorrido, o jornal que fazia oposição à ditadura civil-militar no Brasil, Correio da manhã, no editorial do dia seguinte (29 de março de 1968), posiciona-se sem a farsa da imparcialidade:

“Estudantes reuniram-se ontem, no Calabouço, para protestar contra as precárias condições de higiene do seu restaurante. Protesto justo e correto. (...) Apesar da legitimidade do protesto estudantil, a Polícia Militar decidiu intervir. E o fez à bala. (...) Não agiu a Polícia Militar como Força Pública. Agiu como bando de assassinos. Diante dessa evidência cessa toda discussão sobre se os estudantes tinham ou não razão - e tinham. E cessam os debates porque fomos colocados ante uma cena de selvageria que só pela sua própria brutalidade se explica. Atirando contra jovens desarmados, atirando a esmo, ensandecida pelo desejo de oferecer à cidade mais um festival de sangue e morte, a Polícia Militar conseguiu coroar, com esse assassinato coletivo, a sua ação, inspirada na violência e só na violência. Barbárie e covardia foram a tônica bestial de sua ação, ontem. O ato de depredação dos restaurante pelos policiais, após a fuzilaria e a chacina, é o atestado que a Polícia Militar passou a si própria, de que sua intervenção não obedeceu a outro propósito senão o de implantar o terror na Guanabara. Diante de tudo isso, depois de tudo isso, é possível ainda discutir alguma coisa? Não, e não. A Guanabara, cidade civilizada e centro cultural do Brasil, não perdoará os assassinos”. (in Valle, 1998).

Com as ruas escuras, as luzes dos postes apagadas, mesmo já sendo à noite, as “autoridades da ditadura” efetuavam mais uma tentativa frustrada de “abafar” o que estava acontecendo, inclusive para que a população não lesse os diversos cartazes empunhados pelas que participavam do cortejo fúnebre. E, à medida que o caixão de Édson Luís de Lima Souto descia para sempre, em várias partes do cemitério de São João Batista, na capital fluminense, ali e em várias partes do Brasil, o juramento era feito e compartilhado: “neste luto começa a luta!”.

Pelo direito à Memória... Pela necessidade da luta!

Passaram-se 44 anos daquele fim de tarde. Mais de quatro décadas e a violência de Estado continua presente como sempre esteve. Em breve, no dia 1º de abril (considero essa data, mesmo sabendo que alguns defendem que o “aniversário” do golpe seja em 31 de março), completa-se 48 anos do golpe civil-militar de 1964. São 48 anos de impunidade, de “verdade velada” (e não revelada).

Mesmo com uma presidenta e vários parlamentares que sofreram na pele as consequências do golpe, a maior parte dos arquivos da ditadura (ou, ao menos, aqueles que ainda não foram destruídos – prática comum entre os partidários do regime militar) continua guardada por diversas chaves e sob os olhares atentos dos generais que hoje, no lugar da punição por seus atos, vivem confortavelmente e desfilam como símbolos vivos de um país que não se importa nem mesmo com sua História. A Comissão da Verdade continua “no papel”. Um engodo que, ao que parece, no máximo, produzirá alguns novos documentos com informações não tão novas assim. E pronto.

Baseados na argumentação de que a Lei da Anistia sela a conciliação nacional, torturadores e demais partidários do silêncio que deriva do medo, continuam impunes. E diversas mortes (seja a de Édson Luís, Vlado ou o alagoano Manuel Fiel Filho - para citar apenas alguns nomes entre tantos “suicidados” e “desaparecidos” conhecidos e anônimos) sejam tratadas como meras “fatalidades”. De acordo com o que foi afirmado pelo cientista social Bruno Lima Rocha:

Negar que o Estado brasileiro deliberadamente torturou, matou, cometeu desaparição forçada, violentou, liberou seus chacais para saque e botim de bens de opositores é negar a história do país. [...] Infelizmente esta mesma negação do óbvio faz com que tenhamos aprovado a Anistia para criminosos oficiais e, ao contrário, das demais democracias do ConeSul, sermos o país que menos puniu a seus antigos algozes. (2012)

Hoje, de forma explícita ou “legal”, a exemplo da máquina de extermínio permitida por lei que recebe o significativo nome de Caveirão; ou de meios mais sofisticados, vários jovens como Édson Luís de Lima Souto continuam sendo silenciados e/ou assassinados diariamente, em especial, nas periferias das cidades. Crimes de intolerância parecem ser cada vez mais tolerados pelos quatro poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário e Midiático). Aqui e acolá, crimes de ódio às diferenças tornam-se comuns. Por outro lado, as manifestações “por paz” parecem tentativas de conforto pessoal e, de tão estéreis, soam irônicas. As feridas no tão surrado Direitos Humanos continuam abertas. E assim continuarão até a dignidade ser um sentimento/ação de rebeldia.

* Henrique Bezerra é concluinte do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas e militante de organização popular autônoma.

Referências:

MARTINS FILHO, João Roberto. Rebelião estudantil: 1968 – México, França e Brasil. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1996.

POERNER, Artur José. O poder jovem: história da participação dos estudantes brasileiros. 2ª edição: revistada, ilustrada e ampliada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

ROCHA, Bruno Lima. A comissão da verdade e o silêncio dos culpados. Março de 2012. Artigo visualizado em 28 Março de 2012. No portal: http://www.estrategiaeanalise.com.br

VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.






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