Pois, é justamente isso o que está em jogo. A primeira contradição é saber qual o grau de integração econômica e com que capacidade resolutiva? Ou seja, saber se nossas economias irão se integrar mantendo o alto percentual de capital transnacional operando na área, circulando quase que sem barreiras e associado às empresas de ponta dos países do bloco.
Duas variáveis se aplicam em curto prazo. Na primeira, se a resposta for ao sentido de disputar a regulação desse capital digitalizado e irregular pela própria natureza volátil, podemos afirmar sem bravata que será uma peleia duríssima. Este modus operandi implica em controle, do Estado ou público, sobre as receitas líquidas das grandes estatais. A lógica de funcionamento, mesmo que transnacionalizada, se aproxima da forma como a PDVSA opera. Aplica diretamente o lucro líquido na sociedade de seu país, e com o segundo superávit, injeta em projetos de integração econômica. Se observarmos sem “preconceito político”, tanto a estatal petroleira como o conjunto da economia da Venezuela nos mostra um crescimento econômico sólido, distributivo e bem sucedido.
Retornando às variáveis, a segunda possibilidade é a de associação dependente. Na história latino-americana, seria algo do calibre de um pensamento Cepalino mais brando. Um exemplo local desse tipo de associação é o Consórcio Via Amarela do Metrô de São Paulo. Neste modelo, sob o aval do Estado, as cinco maiores empreiteiras do país, somadas a gigantes transnacionais do setor, operam uma PPP de alto risco. Com ou sem buraco ao lado da Marginal Pinheiros, continuaria sendo um modelo de pouco controle e aplicação de verba e subsídio estatal em projeto de concessão pública.
Uma conclusão é simples. Quanto mais híbrida a modelagem de crescimento, mais fácil será a adaptação dos agentes econômicos atuantes no cenário. Serve também para mega-empresas nacionais globalizadas. Vale para “estatais” como a Petrobrás, com 49% de suas ações em mãos privadas e dolarizando o combustível comercializado no Brasil. Também vale para empresas “privadas” como a mexicana Telmex-Televisa, ancorando seus investimentos nos fundos públicos providenciados pelo governo do PAN e antes do PRI.
No grande tabuleiro do Continente, entendemos que o problema de fundo encontra-se no debate do modelo democrático a ser defendido. A questão é saber quais formas de institucionalidade estão sendo semeadas nos países com vitórias acachapantes da esquerda revigorada? Os problemas para o capital volátil, definitivamente não está no verniz de esquerda lavada de governos como os de Michelet e a Concertación chilena, Tabaré e seus frenteamplistas uruguaios e nem mesmo na nova hegemonia fragmentada operada por Kirchner, recheada das disputas simultâneas pelo controle do Estado e do Partido Justicialista.
Sendo justo na análise, Luiz Inácio e sua base aliada não representam perigo algum para os projetos transnacionais operando no país e no Continente. Mais, o BNDES é parceiro de projetos de desenvolvimento regionais integrados, como a expansão da Celulose no Rio Grande do Sul, tanto na fronteira seca como o Uruguai como na de águas com a Argentina. Ainda neste campo, houve uma outra troca de poder pouco ameaçadora da “estabilidade da região”. A julgar pela composição de seu ministério e na política econômica visível, o retorno de Ortega à parcela de poder lhe outorgada pelas urnas da Nicarágua, terá pouco ou nada de sandinista.
De fato, o embate não está nessas forças de esquerda, mas sim nas vitórias eleitorais de governos nacionalizantes, com riquezas naturais energéticas e amplo apoio popular. São os casos de Correa no Equador, do aliado estratégico de Chávez, o boliviano Evo Morales presidente da Bolívia e do próprio tenente-coronel pára-quedista e presidente da Venezuela. Nestes três países, a disputa se dá entre formas de institucionalizar os exercícios de poder e mando do povo.
Não é necessariamente uma novidade na América Latina a comoção popular galvanizada por lideranças carismáticas. O problema não está necessariamente na figura de caudilhos, mas sim na institucionalidade gerada a partir destes líderes. No labirinto de uma democracia delegativa, muitas vezes escorada em oligarquias ou Estados financiadores de um capital transnacional, fica difícil convencer as maiorias latino-americanas da importância de um regime de competição entre partidos.
Tomando a Venezuela como objeto de análise, nem a oligarquia escualida e muito menos o Pacto de Punto Fijo eram formas toleráveis de regime democrático. O chavizmo pode até ser um regime político, com modelo econômico e motivação ideológica bolivariana. Mas, não se sustenta sem o líder carismático. Apostar todas as fichas nessa forma de unificação já foi uma escolha derrotada dos pobres do Continente.
Encontrar uma saída popular e de democracia participativa para a encruzilhada do desenvolvimento distributivo é o grande debate da América Latina no início do século XXI.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat