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Fazendo do lazer uma luta: a novidade dos rolezinhos


Na internet abundam vídeos com as cenas de violência e textos sobre a truculência policial e os rolezinhos.

04 de fevereiro de 2014, Por Ronan Gomes Gonçalves – Mestre em Ciências Sociais pela UNESP e professor da Rede Pública de Ensino.

A forma como a polícia tratou um conjunto de jovens periféricos que resolveram se reunir num shopping não é algo novo. A ação é em tudo semelhante à praticada nos amplos espaços de humilhação social que são as periferias, embora com menos intensidade. As periferias são espaços de exclusão, humilhação e tortura estética. Lá não há teatro, não há museu, não há centro cultural, não há empregos, universidades, cursos técnicos, escolas de qualidade, mas há polícia. Problemas escolares, atrito entre meninos, questões conjugais, discussões entre moradores, tudo se resolve com choques, chutes, cacetadas, socos, humilhações, espancamentos, tiros. Nos espaços de humilhação social predomina a lei do porrete, o regime do “obedece ou apanha”. Quem se surpreendeu com as cenas demonstradas nos shoppings não possui ideia do que se passa nas ruas escuras das grandes cidades.

 

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A política de violência implantada pela polícia deriva da ideia de que os populares que habitam os espaços de humilhação social devem trabalhar e unicamente trabalhar. Nasceram somente para obedecer e servir. Todas as vezes que saem desse quadro passam imediatamente para a condição de suspeitos, principalmente os mais jovens. Estar no ponto de ônibus às cinco da manhã, tudo bem; estar num bar às 10 da noite já significa estigma. Não há nos espaços de humilhação social a liberdade de vivência que há nas universidades ou bairros requintados. Se alguém está bebendo, se quer dançar, ficar discutindo até altas horas, paquerar, falar de futebol e outras coisas, logo encontra o caminho das ameaças, da presença do medo, da tortura. A repressão aos lazeres dos jovens da periferia é uma constante, não foi inaugurada com a repressão aos rolezinhos.

 

Além do histórico citado, já de uns tempos que festas vinham sendo organizadas pela internet, nomeadamente via Facebook e sendo alvo de repressão policial. Na internet abundam vídeos com as cenas de violência e textos sobre o assunto[1][2]. A novidade no processo está em que os jovens tenham migrado os encontros para os shoppings e a polícia tenha agora o trabalho de reprimir também fora das quebradas e sob holofotes. Nesse processo, a áurea de espaço higienizado, disciplinado, pacífico e sem conflito dos templos de consumo foi derrubada pelos garotos e garotas amantes de funk ostentação.

Paradoxalmente, é provável que a organização de encontros nos shoppings tenha sido uma busca de segurança por parte dos jovens, livremente reprimidos nas quebradas. Devemos recordar que o Estado de São Paulo viveu uma onda recente de assassinatos não solucionados de MCs, viu surgirem leis de proibição de bailes funk e toda uma cultura de ódio aos funkeiros por parte da polícia e setores conservadores da sociedade. Ao mesmo tempo, com a melhoria do padrão de vida e maior potencial de consumo há um sentido de alegria, de celebração, e de busca de real inclusão no mundo de consumo, o que atrai os jovens para os shoppings. Os jovens querem celebrar, mas não há espaço de lazer nas quebradas, e também querem se integrar, querem ser aceitos.

O que a postura dos shoppings evidenciou é que, embora tenha aumentado o potencial de consumo, simplesmente ter dinheiro não significa ser tratado igual. Os shoppings, diferentemente do modelo da 25 de Março, exigem um tipo de disciplina e estética na qual boa parte da chamada classe C não está inserida. Eu próprio tive que esperar pacientemente para comprar, à vista, um Reebook para meu filho num shopping de Campinas. Se estas pessoas circulam e consomem tranquilamente nas ruas e shoppings da 25 de Março e agora há um conflito, o que temos é o apontamento de que estas pessoas não estão aceitando mais serem tratadas de forma diferente. Querem ir aos shoppings e serem recebidas como são na 25 de Março. Querem igualdade, inclusão. Há uma conscientização, mas que não é de matiz universitária.

Um elemento a se destacar em todo o processo é que o fenômeno – prestes a se tornar um movimento – não possui lideranças e é completamente externo aos grupos e partidos de esquerda. Trata-se de um processo no qual os jovens utilizam a internet para se auto-organizarem. É um fenômeno do novo mundo no qual vivemos, onde um jovem pode, do seu computador ou de uma lan house, convidar milhares de outros jovens para serem tratados como iguais dentro de um shopping.

Outro elemento a se destacar é que as atividades de lazer estão sendo transformadas em luta. Num mundo em que o lazer foi todo integrado no circuito capitalista[3], há modalidades de lazer que são criadas em formatos antípodas aos mercantis. Se querer fazer um rolezão num shopping é querer se integrar, ao mesmo tempo é também dar um outro caráter a esta instituição. O shopping acaba sendo transformado, na prática, num espaço público de sociabilidade juvenil. Os jovens estão atacando um dos centros comportamentais do capitalismo. Fazendo de seus lazeres uma forma de luta.

 

[1] http://passapalavra.info/2012/08/62793

[2] http://www.youtube.com/watch?v=YeQfCGR_tcM

[3] Bernardo, João. Economia dos Conflitos Sociais. Editora Cortez: São Paulo, 1991.






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